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| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

O Professor e diretor do Centro para Democracia Deliberativa em Stanford, James Fishkin, desenvolveu um método para melhorar a qualidade do debate democrático por meio de consultas públicas por amostragem aleatória de cidadãos, para que eles possam avaliar se mudariam de opinião caso fossem melhor informados. A chamada “Pesquisa Deliberativa”, para Fishkin, torna a experiência democrática mais significativa e melhora a cidadania, ao proporcionar perspectivas mais aprofundadas sobre política.

Segundo o professor, as pessoas geralmente não se informam sobre o assunto porque acreditam que, como são um voto em milhões, isso não fara a menor diferença. Mas o estudo que ele tem aplicado em 23 países ao longo de duas décadas demonstra que quando se realizam debates em pequenos grupos, as pessoas sentem que seus pontos de vista são relevantes e podem ser melhorados por meio de discussões, inclusive mudando as opiniões previamente estabelecidas. Fishkin proferiu palestra na última segunda-feira em Curitiba durante o evento 1.ª Semana da Democracia, organizado pelo Instituto Atuação, que lançou uma de suas obras até então inédita no país – “Quando o povo fala: democracia deliberativa e consulta pública” e concedeu entrevista para a Gazeta do Povo.

Vamos começar com o básico. O senhor ooderia explicar um pouco sobre a Pesquisa Deliberativa (PD)?

Claro. Uma pesquisa comum mostra o que as pessoas estão pensando, mas elas geralmente não estão pensando muito por diversas razões. Elas sofrem daquilo que os psicólogos sociais chamaram de ignorância racional, como o voto delas é apenas um em milhões, decidem não se informar sobre a vida pública por entender que não farão a diferença. Elas têm vagas impressões do que veem nas manchetes e de coisas superficiais que ouviram. Existem muitas forças na sociedade que podem estar tentando manipular as opiniões com publicidade e propaganda. Se aparentemente têm opiniões mesmo em boas pesquisas estas opiniões podem ser ‘’opiniões fantasmas’’, porque as pessoas nunca gostam de dizer que elas não sabem, como numa pesquisa conduzida por George Bishop a respeito do “Ato Público de 1975”, em que as pessoas deram opiniões sobre o ato, mesmo que ele nunca tenha existido. Também, as opiniões sofrem do efeito de que, quando as pessoas podem escolher, elas geralmente falam apenas com as pessoas que elas já conhecem, moram em vizinhanças que querem e visitam os sites que querem. Tudo isso pode representar pontos de vista com os quais elas já concordam. Como elas, então, se expõem a outros pontos de vista?

Acredito que a democracia deva dizer respeito à vontade do povo, mas as pessoas têm que ter oportunidades genuínas para formulá-la. A vontade do povo não deve ser o resultado da manipulação, ela deve ser o resultado de uma cuidadosa consideração do motivo de se escolher uma coisa e não outra

James Fishkin, professor e diretor do Centro para Democracia Deliberativa em Stanford

Daí vem a ideia de Pesquisa Deliberativa...

Então, é uma pesquisa de uma população antes e depois de ter tido uma chance de realmente se envolver com o assunto em boas condições: materiais instrutivos cuidadosamente desenvolvidos, representando diferentes pontos de vista, que foram examinados em um extenso processo por conselheiros, que tem os prós e os contras das diferentes opções. São feitas discussões de pequenos grupos moderadas por pessoas que não dão indícios de sua própria opinião, mas que facilitam uma discussão relativamente equilibrada. E, depois, questões são desenvolvidas em pequenos grupos para serem feitas a diferentes especialistas que oferecem seus próprios pontos de vista, que podem ser considerados pela amostra. Os especialistas não dão discursos, eles apenas respondem às perguntas. No final do processo, as pessoas registram seus pontos de vista em questionários confidenciais, o que as alivia de pressões sociais por consenso, como nos tribunais de júri, de modo que elas realmente possam dizer o que elas pensam.

Quais são os resultados mais interessantes desse modelo de pesquisa?

Em dois terços ou mais das questões que colocamos nas pesquisas que realizamos em 23 países, em cerca de 70 de projetos ou mais em todo o mundo, tiveram uma mudança significativa de dois terços ou mais das opiniões. Então, as opiniões, no final do dia, são diferentes daquelas provenientes das vagas impressões e manchetes do começo do processo. A Pesquisa Deliberativa tenta, portanto, melhorar a democracia desta maneira. Acredito que a democracia deva dizer respeito à vontade do povo, mas as pessoas têm que ter oportunidades genuínas para formulá-la. A vontade do povo não deve ser o resultado da manipulação, ela deve ser o resultado de uma cuidadosa consideração do motivo de se escolher uma coisa e não outra. Para fazê-lo, as pessoas precisam de um espaço público onde elas possam se reunir e ouvir e discutir os diferentes pontos de vista. Então, usamos pequenos grupos aleatoriamente designados, com extensas discussões, de um, dois ou mais dias, onde as pessoas discutem o assunto em profundidade e descrevem aquilo que elas realmente passam a pensar. Se pudermos fazer com que isso tenha consequências para a política pública, vamos conectar a vontade do povo com os resultados. Portanto, o contexto deve ser um em que as pessoas que fazem as políticas e as que tomam decisões devem estar de fato interessadas em ouvir a vontade do povo.

O senhor começa o seu livro discutindo um tópico chamado De Atenas a Atenas. Qual a relação do seu trabalho com a Grécia antiga?

Eu gostaria de ter inventado isso e eu pensava que tinha de fato feito isso, mas na verdade a ideia básica remonta a Atenas antiga, em que era um elemento central da democracia, mas tudo isso se perdeu na poeira da história por séculos, 24 séculos. Meu trabalho é usar as ciências sociais modernas e então definir o contexto onde pode ser usada a Pesquisa Deliberativa como um fator que empodere o povo.

Comparada com outras formas de democracia o que, de fato é, democracia deliberativa?

A democracia deliberativa enfatiza a igualdade política e a deliberação. No livro falo de outras combinações: participação de massa, evitar a tirania da maioria. Esses são fatores que também importam na democracia. Na verdade, acredito que a democracia deliberativa também evita a tirania da maioria, porque acredito que quando as pessoas realmente deliberam sobre os méritos da questão é bastante pouco provável que elas invadam os direitos de outras pessoas, mas isto é uma questão empírica. O medo da multidão, o medo da tirania da maioria é o que levou Madison e os fundadores dos EUA a um tipo de deliberação de elite. Portanto, o medo da multidão tem sido desde muito tempo uma preocupação da democracia, como também uma motivação para a competição partidária. Eu acredito que a democracia deva ser sobre a vontade do povo. A regra da deliberação é pesar os diferentes argumentos, e sem a vontade das pessoas a democracia perde seu coração, aquilo que faz com que pulse. Acredito que se criarmos as condições nas quais as pessoas possam pensar, formar suas opiniões e decidir aquilo que elas realmente querem, considerando as diferentes razões, então teremos restaurado uma importante parte da democracia. As principais formas de democracia são democracia competitiva, em que há competição partidária, deliberação por parte das elites, dos representantes, participação de massa e democracia deliberativa a partir dos microcosmos. Apenas esta última tem o mérito de representar a vontade do povo determinada por ele próprio.

Acredito que se criarmos as condições nas quais as pessoas possam pensar, formar suas opiniões e decidir aquilo que elas realmente querem, considerando as diferentes razões, então teremos restaurado uma importante parte da democracia

James Fishkin,professor e diretor do Centro para Democracia Deliberativa em Stanford

No livro o senhor fala da ‘’distorção participativa’’. O que isso diz sobre as desvantagens deste modelo?

Em primeiro lugar, quero dizer que a participação é um importante valor democrático, não tenho dúvidas disso. As pessoas aprendem com a participação e ela pode representar uma forma de consenso. Mas a questão é ‘’quem’’ participa. As pessoas que participam são apenas um grupo mobilizado representando um ponto de vista. Elas não falam em nome de toda comunidade, elas só representam aquela perspectiva e isto é a ‘’distorção participativa’’. A única forma de superar esta distorção é ter uma amostra aleatória que é, portanto, não distorcida porque representativa. Algo em que acredito é que, em muitos mecanismos participativos, as pessoas são mobilizadas para apoiar uma conclusão predeterminada. Por exemplo, mobiliza-se para pavimentar as ruas de nosso bairro ou algo assim. Esses são todos objetivos válidos, mas isso não é democracia deliberativa, é democracia participativa. E como isso se compara às ruas de outras partes da cidade sendo pavimentadas e com outros serviços que seriam mais urgentes? Isso deve ser deliberado, os prós e os contras de tudo que precisa ser feito, mas quando as pessoas são mobilizadas é para conseguir um resultado específico para um determinado local.

Para concluir nossa entrevista, quais o senhor você acredita, seriam os principais efeitos da Pesquisa Deliberativa?

Ela torna a democracia mais significativa porque conecta as escolhas públicas com a vontade do povo. Ao fazê-lo, fecha a lacuna entre decisões públicas e o público que tem que viver com estas decisões. Isto cria legitimidade, que é uma das coisas que está faltando. Confiança e legitimidade. Os parlamentos têm taxas recordes de baixa aprovação ao redor do mundo. Tenho certeza que no Brasil não é diferente. É porque as pessoas não acreditam que os governos estão entregando os benefícios essenciais que elas acham que os governos deveriam entregar, como parte do contrato social. Precisamos fechar esta lacuna. A democracia deliberativa é um método prático para fazer isso. Também acho que faz melhores cidadãos, que continuam a participar e a se interessar em conhecer as maneiras de melhorar a sociedade e assim por diante. Você obtém melhores políticas da perspectiva do cidadão, legitimidade, um sistema que conta com legitimidade e confiança.

Colaborou Fernando Belmonte Archetti
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