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A pequena corrupção do dia a dia virou argumentação política. Defensores do atual governo, tentando relativizar os crimes denunciados pela Operação Lava Jato, atacam pela via sociológica. Dizem que corrupção é parte do brasileiro, por isso é hipocrisia “reclamar da propina da Petrobras se você estaciona em local proibido”.

É curioso que o mesmo argumento poderia ser usado para a afirmação oposta. Justamente porque a corrupção é parte do cotidiano brasileiro, precisamos ser intolerantes com todos os seus tipos e punir exemplarmente os envolvidos.

Mas vale a pergunta: é possível comparar a pequena corrupção cotidiana com os grandes escândalos? Depende, pois há dois tipos de corrupção. Uma delas é uma terrível ameaça à democracia; a outra, pasme o leitor, é uma alternativa improvisada para garantir a liberdade.

‘Jeitinho brasileiro’ contradiz indignação popular contra a corrupção no setor público

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A corrupção predatória conhecemos muito bem. Empresas e políticos trocam propinas e privilégios. Entre esses privilégios não há só contratos superfaturados ou caminhões de dinheiro do BNDES. Pior ainda são as normas e barreiras alfandegárias que impedem a concorrência. Beneficiam um punhado de empresários à custa de todos os outros brasileiros, que são obrigados a pagar mais por produtos piores.

Sistemas de corrupção predatória são difíceis de quebrar porque se retroalimentam. Empresas, em busca de privilégios, oferecem dinheiro a políticos; políticos, em busca de dinheiro, oferecem privilégios a empresas. Esse círculo vicioso cria um monstro que, depois de destruir a liberdade econômica, avança sobre os direitos políticos dos cidadãos.

É por isso que deveríamos criar um feriado nacional em homenagem à Lava Jato. A importância da investigação é bem maior que destruir a reputação de um ou outro partido. Ao romper o círculo de privilégios entre empresas e políticos, a Lava Jato protegeu a democracia no Brasil.

A corrupção do bem é aquela que reage à corrupção predatória e às normas que não respeitam a liberdade dos cidadãos. Se o governo reserva a só uma classe o direito de explorar um negócio ou estabelece impostos altos demais sobre produtos essenciais, é de imaginar que elas criarão um mercado negro – e subornarão fiscais pelo caminho. “É claro que seria bom se todos obedecessem a lei”, dizia o economista Milton Friedman. “O fato de o mercado negro desobedecer a lei é um ponto contra ele. Mas isso só acontece porque existem leis ruins.”

O problema da corrupção no Brasil começou na colonização portuguesa

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Esse tipo de corrupção não é fruto da cultura brasileira ou da herança portuguesa. A raiz são as leis que incentivam o comportamento imoral. Em boa parte das vezes, o brasileiro não respeita as regras porque as regras não o respeitam. Se a lei azucrina demais, os cidadãos vão desobedecê-la, sejam eles brasileiros ou britânicos.

Até o século 19, a Inglaterra era conhecida como o país dos contrabandistas e dos corruptos. Com impostos de importação de alimentos em mais de 70%, o mercado ilegal era a fonte mais comum de abastecimento. Bastou o país baixar impostos e restrições ao comércio para os ingleses abandonarem o “jeitinho brasileiro”.

Aqui me parece estar a maioria dos pequenos casos de corrupção cotidiana, mas não todos. Um vendedor de frutas age a favor de sua liberdade quando suborna um fiscal para poder trabalhar (ainda que essa seja uma solução improvisada e não muito louvável). O mesmo vendedor se comporta como um Marcelo Odebrecht quando fecha um contrato superfaturado de fornecimento de frutas à escola do bairro.

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