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“Eu acho que as pessoas devem valer pelo que são de fato e não porque foram candidatas ou porque têm poder” | Hedeson Alves/ Gazeta do Povo
“Eu acho que as pessoas devem valer pelo que são de fato e não porque foram candidatas ou porque têm poder”| Foto: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo

Quem viveu a redemocratização do país na Curitiba dos anos 80 se lembra de Ellíria Timm. Primeira mulher a disputar a prefeitura de Curitiba – em 1985, pelo pequeno Partido Humanista (PH), quando recebeu 3.696 votos (0,74% do total) –, a então técnica em enfermagem marcou sua participação na propaganda eleitoral pela voz miúda, jeito ingênuo e tiradas que passaram a fazer parte do folclore político curitibano.

Afastada da política nas duas últimas décadas – ela hoje é médica, formada na Bolívia e atuan­­te na rede municipal de saúde de Rio Branco do Sul, na Grande Curitiba –, Ellíria também se converteu em personagem do imaginário político local; tanto que, ao menos entre jornalistas, acabou virando elemento de comparação e até de referência na leitura dos candidatos de pequenos partidos que, em disputas majoritárias, se caracterizam pela ingenuidade e pelo potencial hilariante.

Vinte e dois anos depois de seu primeiro pleito, Ellíria Timm está de volta ao noticiário político. Não como candidata, mas como testemunha de um momento da política e, também, da atualidade. Nesta entrevista à Gazeta do Povo, a ex-candidata do PH falou sobre sua trajetória e também sobre as atuais eleições.

A senhora foi a primeira mulher candidata à prefeitura de Curi­­­tiba, em 1985. Como a senhora vê a participação das mulheres na atual eleição?

Eu acho que as mulheres estão progredindo muito. Só que ainda falta avançar. É preciso crescer mais ainda, porque os homens ainda estão na frente. Mas, para o momento, está ótimo, eu estou gostando muito de ver uma mulher concorrendo à Presidência da República. Adorei!

A senhora esteve afastada da po­­­lítica nos últimos 22 anos...

Totalmente. Na realidade, em relação à política, eu apenas participei como candidata na condição de divulgadora da proposta humanista, para mostrar às pessoas que ainda existiam propostas diferentes para governar. Nós tínhamos o Movimento Humanista – que, aliás, continua existindo até hoje, em todo o mundo.

O Partido Humanista também continua existindo?

O partido existe em muitos países, como na Argentina, onde há muitos eleitos. Aqui, não. Nosso partido mesmo, o legítimo Partido Humanista, não está atuando no Brasil. Acontece que pessoas já usaram a sigla, e a transformaram em Partido Humanista Social, ou alguma coisa assim [a entrevistada parece estar se referindo ao Partido Humanista da Solidariedade, PHS, fundado em 2000].

Eu gostaria de voltar um pouco no tempo e falar da sua história na política de Curitiba...

Sou gaúcha de Passo Fundo e cheguei a Curitiba em 1970. Entrei na política a partir do Movimento Humanista. Eu sempre fui muito idealista e sempre busquei grupos voltados à transformação humana. E encontrei no Movimento Humanista um ambiente importante, de trabalho com o ser humano. Como o grupo que dirigia a gente, que era de São Paulo, precisava de pessoas de confiança, eles lançaram o meu nome porque eu era fiel aos ideais e, com certeza, não venderia o partido. E foi aí que eu me tornei candidata. E descobri como, na política, existem... mistérios.

Sua principal participação na política paranaense aconteceu em 1985, quando a senhora foi candidata à prefeitura. O que ficou de mais memorável dessa experiência?

O que ficou de mais forte foi ver que pessoas de nível intelectual mais elevado – jovens, estudantes, professores, pessoas de mente aberta – foram favoráveis à nossa proposta. Isso foi realmente muito bom.

Na eleição de 1985, a senhora recebeu cerca de 3,7 mil votos e acabou na sétima colocação...

Eu não me recordo. Não fiquei ligada aos números. Só sei que, em 1988, nós éramos oito candidatos e eu acabei ficando na quarta colocação.

Em sua primeira eleição, em 1985, a senhora ficou conhecida na cidade graças às suas participações no horário eleitoral gratuito na tevê. Como o público a recebia naquela época?

As pessoas de mente mais aberta, mais intelectualizadas, me recebiam muito bem. É evidente que também acontecia o contrário: existiam pessoas que queriam apenas assistencialismo, e nós éramos contrários a isso. Nosso interesse é na transformação humana, que começa pelo ser humano. Para governar, o ser humano precisa, primeiramente, estar transformado. Até mesmo porque quem chega lá em cima, ao poder, em geral está muito doente. Também, é claro, enfrentei muitos críticos – que me ajudaram a criar uma estrutura mais forte para aceitar os ataques que vinham de todos os lados. Recebemos gozações de todos os lados. Independentemente disso, foi muito bom ver que muitas pessoas entenderam a nossa mensagem. Eu estive longe do Brasil por muito tempo, depois das eleições, e percebo que muitas das nossas frases, do que falamos lá atrás, estão sendo ditas agora por alguns políticos. Isso é bom – é exatamente o que queríamos, deixar uma semente.

A senhora disse que saiu do país por muitos anos. Poderia contar qual foi sua trajetória nesse período?

Em 1991 eu fui para Portugal, interessada em fazer Medicina – desde criança eu tinha esse sonho, de ajudar pessoas – e em trabalhar no Movimento Humanista. Mas, no caso da Medicina, não deu certo, e eu acabei ficando em Portugal para trabalhar, durante seis anos. Depois, passei meio ano em Londres e decidi voltar ao Brasil. Deu um clique e eu pensei: "Onde fica minha Medicina?" – e acabei indo para a Bolívia, onde fiz a faculdade. Depois, retornei ao Brasil para fazer meu internato, que ocorreu em Salvador, na instituição da Irmã Dulce. Antes disso, porém, voltei ao Brasil e tentei vestibular no Rio, mas não deu certo, e eu voltei para a Inglaterra para trabalhar e conseguir dinheiro para bancar os estudos. Trabalhei numa fazenda, voltei à Bolívia, estudei, e assim fui me virando até me formar. De volta ao Brasil, levei dois anos e meio para revalidar meu diploma, até que, em julho do ano passado, consegui. Hoje, trabalho como médica do programa de saúde da família em Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba, principalmente junto às comunidades da área rural. Sempre que sou chamada, também trabalho com pronto-atendimento, em cidades da região metropolitana. Meu objetivo pessoal, porém, é trabalhar com Psiquiatria – eu estou concluindo uma pós-graduação na área.

Vários políticos que concorreram com a senhora na eleição de 1985 continuam na ativa, na própria política ou em outros protagonismos. É o caso de Roberto Requião e Jaime Lerner. Como a senhora avalia esses políticos?

São pessoas que fazem da política uma profissão. Então, que continuem. A minha proposta é de que a gente trabalhe com a política por ideal. Inclusive – e isto pode parecer um pouco estranho, é algo pessoal –, eu acho que os políticos deveriam continuar em suas profissões de origem e atuar politicamente apenas por ideal. A gente deve pensar, sentir, falar e agir em uma mesma direção – são princípios que todas as pessoas deveriam adotar.

Há pouco a senhora comentou ter sido alvo de gozações durante a campanha. Algumas dessas gozações, aliás, entraram para o folclore político local, como a de que, em um programa, teria chamado seu partido de "PU" e não de "PH". Essas histórias são verdadeiras?

Confesso que não sei. Eu ouvi falar alguma coisa sobre isso, mas não tomei muito conhecimento. Porque não vale a pena. Em política isso sempre acontece, é normal.

Quais são as suas lembranças das gravações dos programas eleitorais em 1985?

Foi incrível! Eu nunca havia ficado na frente de uma câmera, então foi muito louco. Na época, eu trabalhava em um hospital psiquiátrico, e acabaram me pegando de forma inesperada. Eu não tinha conhecimento de nada, era tudo ao vivo e a gente não tinha dinheiro. A única pessoa que entrava com dinheiro era eu, dinheiro do meu próprio trabalho – diante dessas condições, eu acredito que nós pudemos mostrar que é possível fazer muita coisa sem recursos. Algumas vezes eu posso até ter me atrapalhado um pouco, mas sempre fui muito sincera em relação ao que queria dizer.

Qual era o slogan de sua campanha?

Paz, força e alegria [a candidata estica o polegar, o indicador e o dedo médio, reproduzindo o gesto de campanha].

Ainda hoje, muitos curitibanos recordam da senhora e de suas propostas. Pergunto: percebendo isso, não bate, de vez em quando, uma vontadezinha de voltar à política?

Será que eu sou lembrada mesmo? Eu fui embora e achei que as pessoas iam me esquecer! (risos) De vez em quando eu encontro alguém e, confesso, nem faço questão de me apresentar como "Ellíria Timm". Eu acho que as pessoas devem valer pelo que são de fato e não porque foram candidatas ou porque têm poder. Eu sempre defendi muito isso.

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