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Anunciadas com alarde pelos candidatos favoritos na corrida presidencial, promessas de campanha de José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) repetem propostas feitas por Geraldo Alckmin (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2006.

Compromissos citados pelos candidatos, como a criação de um ministério da Segurança Pública e a concessão de bolsas de estudo em escolas técnicas particulares, no caso de Serra, e a desoneração tributária e a ampliação da rede ferroviária, promessas de Dilma, já constavam nos programas de Alckmin e de Lula de quatro anos atrás.

Para analistas políticos consultados pelo G1, a repetição denota estabilidade e amadurecimento da democracia no país, mas também reflete certo descaso na elaboração das propostas pelos partidos, consequência do peso reduzido dos programas de governo na definição do voto.

No caso do PV, que não lançou candidato ao Planalto em 2006 e em 2002, o programa de governo de Marina Silva suprimiu propostas polêmicas de Alfredo Sirkis, candidato em 1998 e hoje na coordenação da campanha da senadora, como a criação de uma "ecotaxa" municipal de 0,5% sobre tabaco, bebidas alcoólicas e gasolina.

Alckmin 2006 e Serra 2010

"Deixei para anunciar aqui um dos meus projetos para o país, que é a criação deste ProUni do ensino técnico, que será o Protec, em que oferecemos bolsas para que um aluno possa ir para a escola particular do ensino técnico com bolsa do governo", disse Serra em 19 de junho, na convenção do aliado PTB, na primeira menção à proposta feita durante a campanha.

A promessa, contudo, já aparecia com o mesmo nome no programa de governo de Geraldo Alckmin, hoje concorrente ao governo de São Paulo, para a eleição presidencial de 2006. "Implantar o Protec, programa de bolsas de estudo que permitirá o acesso das pessoas de baixa renda ao ensino técnico oferecido por instituições particulares de comprovada qualidade", dizia o conjunto de propostas de Alckmin.

Outras propostas recorrentes em discursos de Serra, como a redução da carga tributária federal sobre saneamento e a ampliação do programa Bolsa Família, já integravam a plataforma de Alckmin em 2006. A criação do Ministério da Segurança Pública, principal proposta de Serra para o setor, abria o programa do PSDB para a área em 2006. Constava também dos compromissos de campanha do próprio Serra em 2002, quando disputou e perdeu a eleição para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reportagem solicitou entrevista com a coordenação do programa de governo de José Serra, mas não obteve resposta.

Lula 2006 e Dilma 2010

O programa de governo protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pela campanha de Dilma também repete promessas do programa de Lula em 2006. A versão inicial do documento apresentada ao TSE foi objeto de polêmica por conter propostas controversas de programa aprovado em congresso do PT, como taxação de grandes fortunas. A campanha alegou que o programa do PT foi apresentado por engano e formulou novo texto, sem os pontos polêmicos.

A coligação de Dilma afirmou ao TSE que o programa ainda receberá a contribuição de partidos aliados. O programa entregue ao tribunal traz mais afirmações e propostas genéricas do que compromissos específicos. O tom do documento pode ser medido pela maior incidência de expressões como "fortalecer" (17 menções) e "ampliar" (12 menções) do que, por exemplo, "criar" (2 menções) e "instituir" (3 menções).

Coordenador executivo do programa de Dilma, Alessandro Teixeira reconhece que a exigência de apresentação do programa no registro da candidatura, vigente pela primeira vez neste ano, "pegou todo mundo de calça curta". "O Serra, por exemplo, apresentou dois discursos [como programa de governo]", afirma.

Teixeira também defendeu a repetição de propostas. "Para nós é muito tranquilo ter questões que repitamos. Continuar perseguindo esses pontos quer dizer que temos coerência de projeto para o Brasil", disse.

Sirkis 1998 e Marina 2010

Doze anos separam as candidaturas de Alfredo Sirkis e de Marina Silva à Presidência pelo PV. Pelo caminho também ficaram muitas das propostas de 1998 do partido. Itens como "manutenção do Plano Real e do papel do Banco Central, sinalizando continuidade pelo menos em uma etapa inicial", fusão do ministério do Meio Ambiente e do Ibama em uma só agência, aplicação de R$ 4 bilhões em mutirões remunerados comunitários e frentes de trabalho em saneamento básico e a criação de "ecotaxa" de 0,5% para tabaco, bebidas alcoólicas e gasolina não aparecem no programa protocolado no TSE pela campanha de Marina.

A reportagem solicitou entrevista com a coordenação do programa de governo de Marina, mas não obteve resposta.

Democracia madura e descaso com programasAnalistas políticos consultados pelo G1 dizem ver a repetição de propostas pelos candidatos como sinal de maturidade da democracia brasileira, mas também como demonstração do papel secundário dos programas no contexto das campanhas.

"A estabilidade das propostas é um sinal do amadurecimento da democracia brasileira. Os programas são partidários e os dois partidos [PSDB e PT] estão se embatendo como principais partidos na disputa presidencial há vários anos. Em qualquer país em que partidos e candidatos fazem propostas de mudança radical, isto normalmente significa um momento de convulsão social, em que os partidos estão negando o próprio regime político e pretendem modificá-lo significativamente", afirmou Marcelo Simas, cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

O historiador Marco Antônio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), relaciona o fenômeno ao que vê como desimportância dos programas na formação da opinião do eleitor brasileiro. "A maioria dos eleitores acaba se definindo não pelo programa, mas pela identificação com alguns pontos e pela identificação pessoal com o candidato. Quem vai ler os programas são os jornalistas, a elite política e um número pequeno de eleitores", afirma.

Continuísmo de propostas e paternidade do Bolsa Família

Simas comentou ainda o elevado grau de "continuísmo" nas propostas dos principais candidatos, na forma de promessas associadas a programas federais em curso. Como no exemplo do Protec de Alckmin em 2006, que no discurso de Serra neste ano se tornou "ProUni do ensino técnico".

"É saudável e desejável que as propostas dos candidatos pretendam aperfeiçoar programas que estão sendo bem sucedidos. O 'ProUni' do ensino técnico é um outro exemplo disso, transferir para outro espaço uma fórmula que está dando certo", afirma Simas.

O cientista político diz que a alta popularidade de Lula leva a oposição a "reconhecer virtudes do governo e falar em continuidade com aperfeiçoamento".

"Há um cenário eleitoral em que as propostas dos três partidos na disputa sejam na direção da continuidade. Mas, sobre o exemplo do Bolsa Família, é sabido que é uma nova versão do Bolsa Escola do governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. Não faço aqui a acusação simplista de que o governo Lula não fez nada de novo em relação ao governo FHC. O Bolsa Escola, por sua vez, é uma adaptação de programas locais, tanto de prefeituras do PT como do PSDB. Todo este conjunto de programas, por sua vez, recua para um aprendizado de muitos anos em políticas públicas ligadas à fome", afirma.

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