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Polícia do regime militar reprime manifestante logo após o AI-5, o ato que representou o golpe dentro do golpe | Arquivo/ Agência Estado
Polícia do regime militar reprime manifestante logo após o AI-5, o ato que representou o golpe dentro do golpe| Foto: Arquivo/ Agência Estado

Balanço de violência

• 475 - foram assassinados pela repressão militar. Muitos corpos nunca apareceram.

• 120 - foram mortos pela guerrilha de esquerda; 59 eram civis

• 50 mil - brasileiros teriam sido detidos somente nos primeiros meses da ditadura

• 10 mil - teriam vivido no exílio em algum momento do regime militar

• 7.367 - foram acusados judicialmente

• 10.034 - foram indiciados na fase de inquérito

• 4.862 - tiveram cassados os mandatos e direitos políticos

• 6.592 - militares foram punidos

Fonte: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.e ONG Terrorismo Nunca Mais.

  • Antonio dos Três Reis (ao centro): corpo do militante nunca foi encontrado
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As entradas da cidade estavam bloqueadas naquele maio de 1978. Todos os carros que entravam em Apucarana, no Norte do Paraná, eram revistados em barreiras montadas pelo Exército. A maioria deles se dirigia à Catedral para a celebração de uma missa em homenagem ao estudante Antonio dos Três Reis de Oliveira. Oficialmente, ele não havia morrido. Mas, no fundo, todos sabiam que o jovem já havia sido riscado do mapa pelo regime militar. Três Reis era militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Um inimigo do Estado, portanto. Foi reconhecido como morto somente em 1995. Nunca encontraram seu corpo.

Três Reis provavelmente não estaria na clandestinidade nem seria assassinado oito anos antes, em 1970, se o comando do país já tivesse retornado às mãos dos civis, conforme era esperado pelas elites políticas e sociais que apoiaram a derrubada do presidente João Goulart, em 1964. Naquela ocasião, os militares deram a entender que se tratava de uma "intervenção saneadora" e que haveria eleições regulares em outubro de 1965. Logo, porém, o presidente-general Castelo Branco (que depois viraria marechal) deu mostras de que as coisas trilhariam outro caminho. Ele deveria cumprir um mandato-tampão e entregar a faixa-presidencial a um civil em 1966. Mas o regime decidiu se perpetuar.

Sentindo-se traídos pelos militares, líderes políticos que apoiaram o golpe se uniram aos adversários e começaram a resistir. No Congresso, parlamentares voltaram a fiscalizar o governo, por meio da instalação de várias CPIs. Em 1968, já sob o governo do general Costa e Silva, o movimento estudantil ganhou as ruas e saiu do controle. Foram 56 manifestações no primeiro semestre. Numa delas, em 28 de março, a Polícia Militar do Rio baleou e matou o estudante Edson Luis. O desfecho trágico explodiu em uma onda de protestos por todo o país, que atingiu o ápice na Passeata dos Cem Mil, também no Rio. O movimento operário se rearticulava. O resultado foram duas grandes greves em Contagem (MG) e Osasco (SP) – as primeiras desde 1964. Na capital paulista, uma caminhonete carregada com 50 kg de dinamite explodiu no portão do quartel do 2.º Exército, matando um soldado.

A situação se tornava insustentável dia após dia. E o governo buscava um pretexto para endurecer de vez o regime. Ele veio do Congresso. Num discurso em setembro de 1968, o deputado Moreira Alves tachou o Exército de "valhacouto de torturadores" e pediu à população que boicotasse o desfile da Independência. Também orientou as moças brasileiras a não mais namorarem militares. Ofendido, o Exército pediu à Câmara que licenciasse o parlamentar do mandato para que ele pudesse ser processado. A resposta foi não: por 216 votos contra 141 – com várias defecções da Arena, o partido de sustentação do regime. No dia seguinte, 13 de dezembro, o Congresso foi fechado por tempo indeterminado, e o Conselho de Segurança Nacional se reuniu para baixar o Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5. A partir daquele momento, ficavam suspensas as principais garantias individuais. Foi o golpe dentro do golpe. "A partir dali, as coisas ficaram muito ruins. Os militares erraram ao não devolver o poder aos civis em 1966, conforme tinha sido estabelecido. Deu no que deu por causa disso. Batalhei a vida inteira por democracia", lamenta-se o advogado Antonio Carlos Ferreira, que foi um dos organizadores da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que questionou o governo Jango.

O AI-5 acabou por empurrar de vez os militantes de esquerda, sobretudo jovens, para a guerrilha. E elas se espalharam: Molipo, Colina, PCBR, Var-Palmares, VPR, ALN, MR8. Logo, as ações começaram a incomodar as Forças Armadas. "Expropriações" de bancos, atentados contra quartéis, sequestros de diplomatas estrangeiros tornaram-se constantes. No mais emblemático deles – e que poderia causar seriíssimas consequências –, o embaixador dos EUA Charles Elbrick foi levado para um cativeiro no Rio. Ele só foi libertado após quatro dias, quando o governo atendeu às exigências dos guerrilheiros da ALN e do MR8, libertando 13 presos políticos e lendo uma carta em cadeia nacional de rádio e televisão contra a ditadura. A máquina repressiva do governo respondeu à altura, impondo vigilância a todos os suspeitos, censura prévia à imprensa e repressão duríssima, diz Marcos Napolitano, professor de História do Brasil na USP.

Para a ditadura e para a esquerda armada, o país estava em guerra. E as baixas começaram a se multiplicar. A guerrilha matou pelo menos 120 pessoas: 61 militares ou policiais e 59 civis – incluindo gente comum, como donas de casa, bancários e taxistas. A carioca Alzira Baltazar de Almeida, por exemplo, foi morta enquanto andava na rua ao ser atingida por uma bomba jogada por guerrilheiros em uma viatura policial. "É necessário que todo guerrilheiro urbano tenha em mente que somente poderá sobreviver se está disposto a matar", escreveu o esquerdista Carlos Marighella.

Muitas vezes agindo fora das leis da ditadura, os organismos de repressão oficiais – sobretudo o temido Doi-Codi – assassinaram e desapareceram com pelo menos 475 pessoas. Uma delas foi o estudante de Apucarana Antonio dos Três Reis de Oliveira, guerrilheiro da ALN. Parte das vítimas, porém, era civil – como o ex-deputado Rubens Paiva. Cassado logo nos primeiros dias após o golpe, ele foi torturado e morto em janeiro de 1971. E somente neste ano de 2014, descobriu-se que seus restos mortais foram jogados ao mar. Os anos de chumbo não perdoaram ninguém que cruzou o front daquela guerra suja.

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