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Manifestantes, durante protesto contra a recusa do Brasil de extraditar Battisti, em 4 de janeiro: figura de um corpo estendido no chão, em frente da embaixada brasileira em Roma, simboliza as vítimas do italiano | Filippo Monteforte/AFP
Manifestantes, durante protesto contra a recusa do Brasil de extraditar Battisti, em 4 de janeiro: figura de um corpo estendido no chão, em frente da embaixada brasileira em Roma, simboliza as vítimas do italiano| Foto: Filippo Monteforte/AFP

Grupo extremista

PAC queria ser um poder autônomo

O objetivo do grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), do qual Cesare Battisti fazia parte, era ser um poder autônomo, que agia contra aquilo que considerava fazer mal aos trabalhadores. A prisão, dentro dessa visão, era algo a ser combatido.

"A palavra tortura é exagerada [para definir o que se passava com os detentos da Itália na década de 70]. Mas estivemos bem próximos disso. Vivi no cárcere; sei o que isso significa", diz Arrigo Cavallina, 65 anos, um dos idealizadores do PAC e espécie de "mentor" de Cesare Battisti. As condições dos presos foram uma das razões para o PAC ter matado pessoas como Antonio Santoro, chefe da guarda penitenciária da cidade de Udine – onde Cavallina e Battisti se conheceram.

Cavallina não faz nenhuma acusação contra Battisti. Ele diz que só teria interesse em denunciar alguém com potencial para ainda fazer o mal aos outros – "o que não é o caso de Battisti". Ele diz até estar feliz com a decisão de Lula de não extraditá-lo. "O cárcere é a coisa mais estúpida e impede a reparação do preso. Ainda mais se é prisão perpétua, que é a contradição do escopo educativo que a pena deveria ter", afirma ele, que ficou preso por 12 anos e hoje trabalha em uma associação de apoio a detentos. Cavallina diz que a mídia e o governo italiano exageram ao falar do caso, já que há outros italianos condenados que também não foram extraditados pela França.

O ex-mentor de Battisti ainda estava no PAC quando Santoro foi morto, em 6 de junho de 1978. Mas conta que, logo depois, se dissociou do grupo, por não concordar com o rumo que a organização estava tomando. A sorte é que o principal delator dos crimes cometidos pelo PAC, Pietro Mutti, confirmou que Cavallina saiu do PAC. Com isso, livrou-se da prisão perpétua que havia pedida à Justiça pelo Ministério Público italiano. (RF)

Cronologia

Relembre os fatos marcantes do caso envolvendo o italiano Cesare Battisti, 56 anos, preso no Brasil desde 2007:

- Battisti é preso na Itália em 1979 e foge da cadeia em 1981. Passa um ano na França e depois se muda para o México.

- Por volta de 1990, Battisti volta para a França. Em 1985, o ex-presidente francês François Mitterrand havia criado a doutrina que determinava que a França não iria extraditar ex-guerrilheiros que largaram a luta armada e constituíram família em território francês.

- Em 1991, Battisti é preso na França depois de um pedido de extradição feito da Itália. O pedido é negado por causa da doutrina Mitterrand. Battisti havia sido condenado à prisão perpétua na Itália.

- No início dos anos 2000, Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano, faz novo pedido de extradição. Com a guinada à direita no governo francês, a Justiça autoriza a extradição em 2004. Battisti foge novamente.

- Em 2007, Battisti é preso no Brasil. A Itália faz novo pedido de extradição. Em dezembro de 2009, o STF decide que o italiano deve ser extraditado, mas que a decisão final cabe ao então presidente Lula.

- Em 31 de dezembro de 2010, Lula diz não à extradição. O governo italiano recorre ao STF. Battisti continua preso.

  • Arrigo Cavallina, ex-mentor de Cesare Battisti no PAC: prisões e agentes penitenciários eram alvos do grupo extremista de esquerda porque os integrantes achavam que esse era um mal a ser combatido
  • Marina Menasci, microempresária de Roma:
  • Bachelet: Brasil parece ter se influenciado pela visão francesa de que todos os revolucionários pós-1968 estavam certos

Cesare Battisti é um terrorista. E deveria cumprir a pena que recebeu da Justiça italiana pela participação em quatro homicídios ocorridos entre 1978 e 1979. Essa é opinião generalizada das autoridades e do povo italianos, e não apenas dos familiares das vítimas ou de políticos que possam ter algum proveito com a extradição de Battisti. Durante uma semana, a reportagem da Gazeta do Povo esteve na Itália e constatou o desgosto generalizado com a decisão tomada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia de seu mandato.

Os cidadãos italianos se dizem ainda mais indignados com a "falta de arrependimento" de Battisti. O italiano – preso no Brasil desde 2007 por uso de passaporte falso – se declara inocente, e por isso não haveria do que se desculpar. Outro fato que mexe com os brios da população é que, se Battisti não tivesse fugido da Itália em 1981, já poderia ter saído da prisão. Apesar de ter sido condenado à prisão perpétua, a lei italiana garante a liberdade condicional após 26 anos. Isso ocorreu, por exemplo, com os extremistas de direita Giuseppe Fioravanti e Francesca Mambro, condenados por vários homicídios e pelo planejamento do ataque à bomba na estação de trem de Bolonha, em 1980, que resultou na morte de 93 pessoas.

Quase unanimidade

"Não sei por que essa decisão [de Lula] foi tomada, e espero que ele não saia da prisão. Mas uma coisa é certa: da justiça divina o Battisti não escapa", afirma o taxista Ermanno Sasselli, de Novara (a 50 quilômetros de Milão), apontando para o crucifixo que tem em seu carro.

Não há uma pesquisa de opinião pública recente sobre a extradição de Battisti na Itália. Mas dá até para entender. O assunto é quase uma unanimidade, a não ser pelos familiares e algumas poucas vozes contestadoras – o irmão de Cesare, Domenico Battisti, afirmou à Gazeta do Povo que há muitas pessoas apoiando a causa, mas que a mídia não dá espaço para elas.

O fato é que, andando nas ruas, no comércio ou nos cafés da Itália, todos os cidadãos comuns que conversaram com a reportagem sobre o caso são da opinião de que Battisti deveria ser extraditado e mandado à cadeia. "As pessoas mortas pelo PAC [Proletários Armados pelo Comunismo, grupo extremista de esquerda do qual Battisti fazia parte] não eram políticos nem tinham influência sobre grupos ou organizações. Era gente comum, que não tinha nada a ver com a disputa pelo poder", diz Marina Menasci, proprietária de uma loja de brinquedos em Roma.

Criminoso

Essas pessoas comuns, junto com os familiares das vítimas, representantes da Justiça italiana e políticos de todas as ideologias – da esquerda à direita – também fazem coro para dizer que, em nenhuma hipótese, Battisti pode ser classificado como preso político.

"Se eu estivesse na mesma situação que Battisti, convicto da minha inocência, a primeira coisa que teria feito ao chegar ao Brasil seria procurar a polícia e dizer que eu era um perseguido político da Itália, condenado injustamente, e que precisava de ajuda. Mas ele preferiu usar um passaporte falso e ficar escondido. Como é que um presidente da República pode acreditar em uma pessoa desse tipo?", diz o milanês Maurizio Campagna, irmão do policial Andrea Campagna, morto em 1979 pelo PAC.

O deputado italiano Fabio Porta, do partido de esquerda PD, que faz oposição ao primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi (de direita), segue a mesma linha. "O Battisti era um criminoso comum que, depois, se infiltrou no movimento terrorista. Fico preo­cupado vendo que, no Brasil, uma certa esquerda fale desse assunto não sabendo ou não querendo entender que a esquerda italiana também sofreu muito com o terrorismo."

Ele ressalta que grupos como o PAC queriam desestabilizar um governo democrático. "Não era um movimento político em favor da liberdade. Pelo contrário", afirma Porta, que é sociólogo. Ele ressalta que a situação era muito diferente dos regimes militares que comandaram o Brasil, Argentina e Chile no mesmo período. Segundo o deputado, as ditaduras sul-americanas se assemelham mais ao regime imposto à Itália por Benito Mussolini entre 1922 e 1945.

"Não consideramos terroristas os italianos que explodiram bombas durante a resistência ao fascismo, por exemplo. Era uma guerra justificada porque o governo do Mussolini era opressor e fascista. Mas a Itália dos anos 70 e 80 era uma democracia, e nessa época o terrorismo foi combatido por todos os partidos, inclusive os de extrema esquerda, como o Partido Comunista", ressalta Porta.

O deputado Giovanni Bachelet, também do PD, é outro que defende a extradição de Battisti. O pai dele, Vittorio, foi morto em 1980 pelo grupo de esquerda Brigadas Vermelhas. "Sinto muita falta dele. O consolo é que, para um cristão, a morte não acaba com tudo", conta de seu escritório na Univer­­­sidade La Sapienza, em Roma, onde é professor de Física licenciado para cumprir mandato na Câmara. Segundo ele, a situação italiana era mais parecida com a da Irlanda, que sofreu décadas com os ataques promovidos pelo IRA, o Exército Republicano Irlandês.

Com muita serenidade, Ba­­chelet lembra que os grupos de extrema direita também praticaram atos terroristas. Muitos terroristas de direita também foram condenados, como Giuseppe Fioravanti e Francesca Mambro. Mas não se tem notícia de nenhuma pessoa que tenha obtido o status de preso político na Itália.

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