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Um dos símbolos vivos da repressão em Pernambuco, o ex-major da Polícia Militar, José Ferreira dos Anjos, informou nesta quinta-feira (20), em depoimento à Comissão Estadual da Verdade, o nome de dois empresários que integraram o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e foram beneficiados financeiramente pelas relações que mantinham com o poder.

Roberto Souza Leão, já falecido, foi, segundo o ex-major, beneficiado com a aprovação de um projeto para implantação de uma destilaria de álcool na Bahia aprovada pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) por interferência do ex-presidente general João Figueiredo. "Foi quando ele endinheirou-se, mas a destilaria nunca existiu", afirmou o depoente ao lembrar que o projeto não saiu do papel. O bom relacionamento de Souza Leão com o ex-presidente se devia à admiração de ambos por cavalos. O pernambucano tinha criação de cavalos de raça.

O segundo integrante do CCC confirmado por Ferreira foi "Biu do Álcool", compadre do general Antonio Bandeira, que comandou o III Exército. Biu do Álcool era assim conhecido por contrabandear o produto. A atividade ilícita nunca lhe trouxe problemas devido à proteção militar.

Convocado pelo Exército, em 1969, para atuar na repressão aos opositores do golpe militar de 1964, Ferreira destacou que "os oficiais recrutados para trabalhar no Doi-Codi (órgão de inteligência subordinado ao Exército) sabiam que era para matar ou morrer". "O clima era de terror e de guerra", observou, ao negar, no entanto, ter atuado no órgão. Segundo ele, a maioria dos oficiais convocados para o órgão era da Polícia Federal.

"O ex-major Ferreira trouxe informações preciosas sobre o modus operandi do regime militar na época da ditadura", avaliou o advogado e ex-deputado estadual Pedro Eurico, que integra a Comissão Estadual da Verdade. "Ele esclareceu que o comando no Doi-Codi era feito diretamente por oficiais do Exército, além de esclarecer a relação siamesa de grupos paramilitares com os órgãos de repressão, incluindo vantagens financeiras".

Não lembro, não sei

Acusado do atentado que deixou paralítico o estudante Cândido Pinto, em 1969, o ex-major Ferreira também foi apontado como suspeito do assassinato do padre Antonio Henrique Pereira Neto, naquele mesmo ano. Ele escapou das duas acusações, mas em 1983, foi condenado a 32 anos de prisão pela morte do procurador da República Pedro Jorge Melo Silva, em 1982.

O procurador denunciou o episódio que ficou conhecido como "o escândalo da mandioca" - esquema de desvio de dinheiro do Banco do Brasil para plantio de mandioca no município de Floresta, no sertão pernambucano, entre 1979 e 1981. Ferreira foi um dos beneficiários do esquema. Ele viveu como foragido, por 12 anos, no interior da Bahia, como administrador de uma fazenda, com nome falso. Foi localizado e preso. Em 2003 recebeu indulto e desde então é um homem livre.

Às indagações da Comissão sobre o atentado ao estudante e o assassinato do padre Henrique, Ferreira nada acrescentou. A resposta mais comum era "não lembro" e não sei", o que levou o também integrante da comissão, Roberto Franca, a afirmar que a memória do depoente era "seletiva" e só havia lembrado de nomes - caso de Roberto Souza Leão - que já havia morrido.

"Ele não colaborou para esclarecer esses casos", resumiu Pedro Eurico, relator do caso Padre Henrique na comissão, que disse ter se surpreendido com informações recebidas da Comissão Nacional da Verdade sobre a interferência do Ministério da Justiça para paralisar os trabalhos do Ministério Público estadual em relação às investigações do assassinato do religioso ligado ao arcebispo Dom Hélder Câmara.

De acordo com relatório do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), o procurador do MPPE José Ives suspendeu o andamento do processo do padre Henrique aguardando orientação do então ministro Alfredo Buzaid. "É um escândalo", apontou o advogado.

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