Descontentes com o governo da presidente Dilma Rousseff, milhões de brasileiros foram às ruas em 15 de março de 2015. Em Curitiba, o protesto reuniu 80 mil pessoas, segundo a Polícia Militar (PM). Entre os diversos grupos que se reuniram, alguns pediam a intervenção militar “constitucional”, sob o argumento de que seria necessária a presença do Exército e demais Forças Armadas no governo para restabelecer a ordem e direitos dos cidadãos.
A posição do Exército, entretanto, vai de encontro com o que as ruas pedem. Em entrevista à Gazeta do Povo durante visita a Curitiba, o general comandante militar do Sul, Antônio Mourão, diz que o Exército “não vai assumir poder” e que segue os preceitos da Constituição de “garantir a democracia”.
A entrevista, concedida no dia 9 de abril de 2015, foi realizada no Quartel do Exército do bairro Boqueirão. O general falou, entre outros assuntos, sobre cortes no orçamento da instituição realizados pelo governo federal em virtude da crise econômica pela qual passa o país, sobre a possibilidade da desmilitarização da PM e a atuação do Exército em área urbana e nas fronteiras para o combate à criminalidade.
O Exército não vai assumir o poder, não vai fazer nada disso. O que vai fazer é manter as instituições; garantir que o Executivo, Legislativo e o Judiciário funcionem. Isso é manter a democracia.
Há uma atuação conjunta do Exército com a Polícia Militar no combate ao crime organizado nas fronteiras no Paraná?
Por lei complementar, dentro da faixa de fronteira, nós temos as atribuições de realizar revistas em embarcações, aeronaves, veículos, pessoas, fazemos a interceptação de qualquer ilícito e, eventualmente, prender pessoas que estejam envolvidas com esses ilícitos. No Paraná, especificamente, nós temos unidades em Guaíra, Foz do Iguaçu, Cascavel e Apucarana. Temos perfeitas condições de guarnecer esse setor da fronteira sempre que for necessário. O ideal é que sempre em atuações dessa natureza estejam presentes a Polícia Militar, a Receita Federal, o Ibama, a Polícia Federal. Essa atuação conjunta favorece na repressão do ilícito. Porque, em determinados ilícitos, como o transporte de cargas legais ou perigosas, o Ibama tem mais atribuição para isso. No contrabando e o descaminho, a Receita Federal tem mais atribuição para isso. E o Exército daria a segurança para o trabalho desses agentes.
Qual a necessidade de o Exército participar do combate à violência urbana, como ocorre em intervenções para instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro?
A participação do Exército nesse tipo de atividade tem que ser episódica. Se há uma situação de agravamento da ordem pública, e a polícia está sem condições de agir, o Exército entra, age e sai. O Exército não é polícia. Infelizmente, o que acontece no Rio de Janeiro, pela situação que está sendo vivida, é que nós temos tido que permanecer muito mais tempo que o necessário, fugindo dessa característica da atuação episódica. Já estivemos durante quase dois anos no Complexo [de favelas] do Alemão, já estamos completando mais de um ano no Complexo da Maré. A gente se prepara de uma forma muito eficiente para cumprir essa tarefa, mas não é uma tarefa nossa. É para fazer uma atuação rápida e depois deixar nas mãos da polícia, que é o elemento especializado para esse tipo de situação.
A participação do Exército nesse tipo de atividade [combate ao crime] tem que ser episódica. (...) Se a polícia está sem condições de agir, o Exército entra, age e sai.
Correm no Congresso Nacional projetos que pedem a desmilitarização da Polícia Militar. Qual é a avaliação do Exército, sendo que a PM é uma força auxiliar da instituição?
Para o Exército, não mudaria nada. Continuaria a polícia. O termo desmilitarização não é o correto. Isso vem de gente que ainda está pensando com a cabeça no século passado, que ainda vive o conflito da Guerra Fria e tudo aquilo onde entra o termo militar não é considerado politicamente correto. Em qualquer hipótese, se não existir a PM, mas só a Polícia, será necessário um ramo fardado dessa polícia que vai fazer o policiamento ostensivo. Você não vai ter elementos em trajes civis realizando policiamento ostensivo. Você pode dizer unificação da polícia. Ter um ramo da polícia só investigativa e a parte de policiamento ostensivo que estaria fardado. Como você vai fazer controle de distúrbios, controle de vias públicas em trajes civis? Não vai fazer.
Nas ruas, durante as manifestações [contra a presidente Dilma Rousseff], parte da população pediu intervenção militar. Como o Exército vê esses pedidos?
O Exército se posiciona de uma forma muito clara, de acordo com a missão que nós temos. Uma das nossas missões é a garantia dos poderes constitucionais. Está na Constituição, no Artigo 142. A gente deixa muito claro que o Exército, com as demais Forças Armadas, estará pronto para manter as instituições em funcionamento. O Exército não vai assumir o poder, não vai fazer nada disso. O que vai fazer é manter as instituições; garantir que o Executivo, Legislativo e o Judiciário funcionem. Isso é manter a democracia.
Vai haver corte, não tenha dúvidas. Nós estamos preparados para este ano, tanto que até agora nós não temos orçamento. (...) Mas ainda não sabemos qual a extensão desse corte, que a gente acredita que está nesta faixa de 30% a 40%.
No início do primeiro mandato da presidente Dilma Roussef, as Forças Armadas pediram investimentos de cerca de R$ 400 bilhões para seu reaparelhamento. Esses investimentos estão ocorrendo?
O Exército passa por um processo de transformação, não é uma mera modernização. Na modernização você compra equipamentos novos, mas o principal, que é mudar a forma de atuar, de combater, não muda. Então o Exército está se transformando. O atual comandante, que assumiu em fevereiro [de 2015], general [Eduardo Dias] Villas Bôas, considera que nós fechamos o primeiro ciclo dessa transformação. E esse ano de 2015 é para fazer um replanejamento de modo que, a partir do ano que vem, a gente entre num segundo ciclo desse processo. Isso tem abrangido inicialmente a mecanização de unidades de infantaria, que eram motorizadas – especificamente aqui no Paraná a 15.ª Brigada, com sede em Cascavel, recebeu blindados Guarani, que são de fabricação nacional, para se transformar numa brigada de infantaria motorizada. Isso muda a forma de combater. Recebeu-se novos equipamentos de rádio: a comunicação que antigamente tinha muita coisa feita por telefone, na utilização de fios, hoje tudo é feito com rádio. Temos ainda o lançamento das infovias, que vai beneficiar a transmissão de dados. E, obviamente, nós temos projetos na área de artilharia de campanha, novos materiais sendo recebidos, e a própria cavalaria. Existe uma série de projetos. O principal é que o Exército quer, a partir de determinado momento, ter condições, de 1.° de janeiro a 31 de dezembro, de estarmos prontos. Essa é a grande transformação.
Mesmo com a crise econômica esses investimentos vão ser mantidos ou haverá cortes?
Vai haver corte, não tenha dúvidas. Nós estamos preparados para este ano, tanto que até agora nós não temos orçamento. O governo, normalmente quando não havia o orçamento aprovado, liberava 1/12. Ou seja, se você tem o orçamento “x”, divide por doze, e uma parte é destinada para cada mês. Mas o governo está liberando 1/18. Então ele já cortou praticamente 30% do orçamento. Então nós estamos nos adaptando. Mas ainda não sabemos qual a extensão desse corte, que a gente acredita que está nesta faixa de 30% a 40%, e, óbvio, isso vai levar a uma redução das atividades do exército ao longo de 2015. Mas ainda não sabemos onde será cortado o orçamento.
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