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Leis de Anistia e o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos - Estudo Comparativo Brasil, Argentina e Chile (Paola Bianchi)

Disponível para venda direto com a autora pelo e-mail bianchi_unicamp@hotmail (R$ 40,00) ou junto à Editora Juruá pelo site (R$ 49,90)

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a lei de anistia brasileira não pode ser revista ainda encontra resistência entre movimentos esquerdistas, estudiosos do direito e instituições, como a própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A jovem jurista, mestre em Direito Econômico e Socioambiental e agora doutoranda em Filosofia, Paola Bianchi Wojciechowski, conta que essa questão já se tornou uma luta pessoal. Na última semana, ela lançou o livro "Leis de Anistia e o Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos", fruto de sua dissertação de mestrado, na qual compara as leis de anistia e os processos de transição democrática no Chile, no Brasil e na Argentina. Para Paola, no caso brasileiro, há um legado autoritário da época da ditadura que atrasou o processo da justiça de transição. Ela conversou com a Gazeta do Povo, no Ministério Público Estadual, em Curitiba, onde atua como assessora jurídica.

Quais as diferenças encontradas entre os processos transicionais brasileiro, chileno e argentino?

Não há diferença substancial entre as leis de anistia desses países, pois todas pretendiam conferir impunidade aos torturadores. As diferenças vieram depois, no período de transição. Na Argentina, o primeiro presidente democrático se preocupou em esclarecer a verdade e, logo depois, ocorreram o processamento e o julgamento dos torturadores. Já o caso chileno foi intermediário, porque houve o esclarecimento da verdade, mas demorou um pouco mais para ocorrerem os julgamentos. Nesses casos, há consonância com os parâmetros da justiça de transição: a garantia do direito à verdade, à justiça, à reparação e as reformas institucionais. Foi o que não aconteceu no Brasil, que só garantiu o direito às indenizações. Com a Comissão da Verdade, o país começa a engatinhar na garantia do direito à verdade, mas, em relação ao direito à justiça, permanece inerte. Diferentemente dos presidentes argentino e chileno do pós-autoritarismo, que eram defensores dos direitos humanos, no Brasil o poder ficou com um dos defensores do regime, e isso refletiu nas opções do governo em lidar com os direitos humanos. O legado autoritário brasileiro fez com que houvesse atraso na justiça de transição.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido pela impossibilidade de revisão da lei de anistia brasileira. Quais os argumentos que podem ser utilizados contra a decisão do STF?

O STF afirmou que houve uma conciliação e um consenso nacional, que a anistia foi constitucionalizada, não havendo possibilidade de revisão e que os crimes não anistiados estariam prescritos. Primeiramente, não houve esse consenso nacional. No dia da votação da lei, a Casa Legislativa foi ocupada por militares e não havia esfera de legitimidade democrática. Existe, ainda, a alegação de que a Constituição e os tratados internacionais que preveem a imprescritibilidade dos crimes seriam posteriores à Lei da Anistia, então não seria possível aplicar a lei penal retroativamente. Mas o artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal fala que, nas relações internacionais, no âmbito dos direitos humanos, o Brasil rege-se pela prevalência dos direitos humanos. A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos firmou que as leis de autoanistia são ilícitas. Outra questão levantada é o fato de o desaparecimento forçado, no qual se enquadra a maioria dos crimes, ser um crime permanente, com efeitos que se protraem no tempo. Então, de acordo com esse princípio do direito penal, esse crime não estaria prescrito.

Que tipo de punição o Brasil pode sofrer se não revir sua lei de anistia?

Até agora nenhuma, mas pode haver sanções econômicas e no âmbito dos direitos humanos. Mas o assunto não está encerrado no STF, pois existe um pedido de embargos de declaração pela OAB. Agora, o papel mais importante é o exercido pelos procuradores e magistrados que vão receber ou não as ações penais intentadas pelo Ministério Público. Cabe a eles conferir uma interpretação diferente à Lei da Anistia e dar efetividade ao direito à justiça.

Como você analisa o aspecto de reciprocidade da lei de anistia brasileira, que não pune os agentes do regime, mas também anistia os revoltosos que cometeram crimes?

Os dissidentes políticos foram processados pelo Superior Tribunal Militar e, muitas vezes, condenados sem qualquer garantia processual, sofrendo as mais graves violações de direitos, diferentemente dos torturadores. Pouquíssimos dissidentes políticos foram beneficiados e, na maioria, eram exilados políticos. Há ainda outro contrassenso, pois não se podem anistiar crimes que não foram esclarecidos e nem sequer foram admitidos pelos agentes do regime.

Você considera que houve demora em efetivar a Comissão da Verdade brasileira?

Com certeza, a continuidade do autoritarismo criou instituições fragilizadas e corruptas no Brasil. A anistia não foi uma opção, foi mais uma coerção. Não há como tirar o mérito de a lei ter possibilitado a transição para a democracia, mas a forma como essa transição se deu impediu a consolidação de uma democracia sólida e madura, com respeito amplo aos direitos humanos.

Com a apresentação dos resultados pela Comissão da Verdade brasileira, você vê a possibilidade de revisão da Lei da Anistia?

A Comissão da Verdade é importante para esclarecer a verdade e dissipar o mito de que a ditadura trouxe qualquer benefício para o Brasil, encontrando os algozes do regime que, muitas vezes, continuam no poder. Com o encerramento da comissão, a esperança é que o material colhido seja uma abertura para a investigação. Porém, não há um interesse da população nesse assunto, pois, diferentemente daquela época, quando a tortura atingiu as classes altas, hoje a tortura atinge os mais pobres, os que não têm voz.

Qual a melhor reparação para familiares e vítimas da época da ditadura?

O direito à indenização é básico, e o Brasil já vem assegurando-o. Mas a combinação de direito à verdade, direito à justiça, direito à reparação e as reformas institucionais levam a uma democracia mais sólida e também é uma resposta às vítimas e aos familiares.

Com 26 anos de idade, você já terminou o mestrado, está publicando um livro e iniciou o doutorado. Com todas essas prioridades, sobra tempo para a família e os amigos?

O mestrado é uma dedicação sem precedentes. Parava 10 horas seguidas, escrevia 15 ou 20 páginas e dormia duas horas por noite. A estrutura familiar é muito importante nessa hora. Mas a minha vida social é tranquila, consigo sair, os amigos cobram, mas são muito pacientes. Tinha prometido que ia descansar depois do mestrado, mas cheguei à metade do ano e já estava no doutorado.

Não perca!

Na próxima semana, leia a entrevista com Alexandre Magno Fernandes, coordenador de licitações, contratos e convênios na Consultoria Jurídica do Ministério da Educação e ex-procurador do Banco Central do Brasil. Moreira apresenta outra visão sobre a revisão da lei de anistia brasileira.

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