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Que solução deve ser dada à hipótese de uma mãe que, ao buscar seu filho durante a madrugada, erra o caminho e depara-se, sem nenhum dinheiro, com uma praça de pedágio?

A primeira resposta poderia ser a liberação do veículo independente de qualquer pagamento. Tal hipótese, entretanto, ofende a lógica do mercado. Uma concessionária de rodovias sobrevive das tarifas e o conhecimento, pelos usuários, de que a mera alegação de inexistência de recursos é suficiente para o não pagamento do pedágio faria surgir um universo de não pagantes, que resultaria na quebra da concessionária ou no aumento da tarifa dos usuários pagantes.

A segunda resposta seria então: a retenção do veículo até o pagamento. Tal opção, todavia, ofende a racionalidade jurídica. Ainda que a legislação imponha o pagamento do pedágio e que não haja qualquer dispositivo legal que trate especificamente da ausência de recursos para tanto, o Direito brasileiro afasta essa resposta.

A uma porque eventual evasão da praça de pedágio é punível com multa e não com apreensão do veículo (CTB, art. 209); a duas porque a concessionária não possui poder para promover a execução forçada de seus créditos; a três porque a interpretação da lei e dos contratos, inclusive em casos de omissão, é hoje iluminada por princípios que restringem a racionalidade econômica em face de ideais de justiça consignados na Constituição.

Deve-se destacar, outrossim, que a racionalidade econômica não pode ser simplesmente desconsiderada pela lei, sob pena de resultados trágicos, como os mencionados na primeira resposta. Por isso, muitas concessionárias têm adotado mecanismos alternativos de cobrança, como a geração de boleto bancário para pagamento do pedágio em determinado prazo, sob pena de protesto e cobrança judicial do título.

No caso em tela, ao impor o pagamento de indenização por danos morais pela concessionária que reteve o veículo até que alguém viesse pagar o pedágio, o Poder Judiciário corrigiu a resposta dada pela concessionária, que fez tabula rasa da dignidade de uma mãe em prol da arrecadação de uma porção de moedas.

Fernando Borges Mânica, advogado, doutor em Direito do Estado pela USP, professor titular de Direito Administrativo da Universidade Positivo.

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