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Liberdade de informar sob ameaça

A liberdade de informação no que se refere tanto ao direito de informar, quanto ao de ser informado, fica ameaçada com a Lei Geral da Copa, segundo o presidente da Comissão de Direito Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Dircêo Torrecilas Ramos.

O jurista considera que um dos pontos mais questionáveis do projeto de lei 2330/2011 é a parte que trata da captação de imagens ou sons durante o evento. Segundo Ramos, esta parte fere o artigo 220 da Constituição, pois haverá monopólio da empresa que ganhou exclusividade na transmissão dos jogos – esta empresa poderá escolher quais imagens, em um tempo mínimo de seis minutos, repassará aos outros veículos de comunicação do país.

Ele acrescenta, ainda, que a rede que transmitir o evento pode se beneficiar ao escolher quais partes do conteúdo repassar. "Quem ganhou [o direito de transmissão] já tem a vantagem porque vai transmitir o jogo todo e, talvez, vai fornecer trechos importantes do jogo, mas que focalizam seus patrocinadores. Então vai usar as outras empresas para também divulgar aqueles que a patrocinam", diz Ramos. (JN)

Projeto de lei afeta ordem econômica

Questionamentos sobre como atividades econômicas vão poder ser realizadas durante a Copa do Mundo de 2014 têm gerado discussões referentes à Lei Geral da Copa. O artigo 11 do Projeto de Lei 2330/2011 define que a União vai colaborar para "assegurar à FIFA e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso".

O artigo determina que aqueles que exercem atividades comerciais, em um raio de dois quilômetros na região, terão de vender apenas artigos oficiais da FIFA e de seus patrocinadores ou interromper as atividades no período do evento.

Para a professora de Direito Financeiro Marina Michel de Macedo, das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), o projeto de lei não está claro. "Como ficam os direitos fundamentais de livre iniciativa de liberdade econômica das pessoas que estão na região? É preciso detalhar melhor como vai ser essa restrição da área comercial".

Ingressos

O projeto de lei define que a FIFA deve se comprometer a disponibilizar pelo menos 300 mil ingresso da categoria 4 (que terão os preços mais acessíveis entre as categorias que vão de 1 a 4) para estudantes, idosos e participantes de programas de transferência de renda. Esses indivíduos poderão comprar os ingressos com 50% de desconto. Apesar disso, Dircêo Torrecilas Ramos, presidente da Comissão de Direito Constitucional da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), diz que o governo precisará estar atento a abusos, já que, conforme o artigo 25 do Capítulo V, está expresso que "o preço dos Ingressos será determinado pela FIFA" e isso pode levar a preços abusivo nos ingressos das outras categorias.

"Tem muita gente do exterior que pode pagar até U$ 1 mil, mas também é preciso preservar o poder aquisitivo do brasileiro", observa Ramos. Ele reconhece que a Copa é um evento de custos altos, mas destaca que "se há um controle para tudo que se faz no Brasil na ordem econômica, deve haver também para quem vem de fora. A lei tem que estar adequada à Constituição" (JN)

Entrevista

O jurista Marçal Justen Filho, especialista em Direito Administrativo e Público, considera que as grandes polêmicas relacionadas à Lei Geral da Copa só vão ser levantadas caso os artigos mais polêmicos precisem ser colocados em prática. Justen Filho é formado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e foi pesquisador-visitante na Universidade de Yale. No início do mês de março, Justen Filho deu uma palestra a alunos da UniBrasil sobre regime de contratações públicas durante a Copa.

Na sua opinião, há partes da Lei Geral da Copa que vão contra a constituição e podem gerar questionamentos no STF?

Sem dúvida, existem várias questões que são controvertidas. O que a gente observa é que o modelo da FIFA é bastante empresarial, ou seja, considera tal como se ela estivesse contratando com pessoas privadas. E a Constituição Brasileira tem uma série de limites, portanto isso envolve alguma dificuldade.

Há o argumento de que ao aceitar trazer a Copa para cá o governo brasileiro estava ciente de que teria que se submeter às exigências da FIFA. O senhor concorda?

Esse é um argumento prático, um raciocínio muito mais político ou econômico. E, desse ponto de vista, o Brasil conhecia as regras do jogo e sabia que a organização da Copa do Mundo envolvia obrigações muito sérias. Do ponto de vista jurídico, porém, não é possível que uma decisão de receber uma Copa do Mundo seja executada de modo incompatível com a Constituição. O argumento de que o presidente da República assinou algum documento é insuficiente. Se a Constituição não for mudada, prevalece a Constituição.

E quanto ao documento que foi assinado pelo presidente Lula dando garantias à FIFA de cumprir certos requisitos?

Na maior parte dos tratados internacionais, por exemplo, o presidente da república assina o tratado, mas ele só passa a ser Direito brasileiro, quando aprovado pelo Congresso. A FIFA não é uma outra nação, não existe um tratado internacional, mas ainda que a FIFA fosse um país e existisse um tratado internacional, a vigência desse tratado dependeria da aprovação do Congresso.

Joana Neitsch

A Lei Geral da Copa (PL 2330/2011), aprovada na Câmara dos Deputados na quinta-feira, deve ser temporária, específica para Copa das Confederações, em 2013, e a Copa do Mundo, em 2014. Para o país, porém, as consequências jurídicas desta ginástica legislativa, que atropela o atual ordenamento, podem ficar para depois do evento. Enquanto as grandes discussões sobre o projeto de lei estão focadas em tópicos como o consumo de bebidas alcóolicas e os valores dos ingressos, há outros pontos que, segundo juristas, não estão claros e podem gerar ônus para o Estado e até levá-lo a extrapolar seus limites de ação. O PL segue agora para apreciação do Senado.

O especialista em Direito Administrativo e Público Marçal Justen Filho considera que um dos aspectos mais sérios do PL é a responsabilidade civil por parte do poder público. Segundo o jurista, itens como a proibição de atividades de cunho publicitário, não só nos estádios, mas nas suas principais vias de acesso ou em lugares claramente visíveis a partir deles, forçará o Estado a interferir em uma esfera que não lhe compete.

"De acordo com o caderno da FIFA [Fédération Internationale de Football Association], é proibido a uma pessoa que mora perto do estádio mostrar na janela algo que possa ser interpretado como violação aos direitos da associação. O governo está assumindo a obrigação de interferir na esfera privada, algo que ele não pode fazer", diz Justen.

A criação de novos crimes, como os relacionados à publicidade, para o período do evento (ver box) transfere ao poder público a responsabilidade de fiscalização e punição. São condutas, que na opinião do professor de Direito Penal e Prática Penal e Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Mauro César Bullara Arjona, poderiam ser combatidas com regras dentro dos estádios.

"A FIFA é uma entidade privada, quer organizar um evento, fomos nós que pedimos para fazer a Copa aqui. Mas tem limite. Não se pode usar o direito penal e o poder de polícia do Estado para que ela tenha seu ganho econômico garantido", afirma Arjona.

As incongruências no Projeto de Lei podem levar a questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF). Essas questões, porém, na opinião de Marçal, devem ficar para os trabalhos pós-campeonato. "É possível que algum partido político, alguma instituição promova uma ação no Supremo. No entanto, a Copa vai se realizar e essa questão vai ficar para depois".

A conta também vem depois. O Capítulo IV do Projeto de Lei desperta questionamentos, já que a FIFA deixa a responsabilidade civil por conta da União, que deverá assumir as consequências e os custos diante de qualquer dano que ocorra durante o evento.

Carlos Miguel Castex Aidar, autor do projeto de lei que se transformou na Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) e que também colaborou com a criação do Estatuto do Torcedor, defende que o governo brasileiro terá que responder até por situações como de pessoas que têm cadeira cativa em estádios que vão sediar a Copa.

Como não haverá distinção de lugares e todos os assentos serão colocados à venda, quem se sentir prejudicado poderá ir ao Poder Judiciário pedir o ressarcimento. "Na Alemanha, um monte de gente ganhou ações e quem pagou foi o governo, que assumiu o compromisso de arcar com todas as indenizações", relembra o jurista.

Crimes criados atropelam Direito Penal

O Capítulo VIII da Lei Geral da Copa indica condutas que serão consideradas crime especificamente durante o evento e até 31 de dezembro de 2014. Esse tipo de lei temporária, em caráter excepcional, trata-se de um "direito penal meramente simbólico" na opinião do professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Adriano Bretas. Isto porque, quando o período de vigência da lei especial acabar e os crimes deixarem de existir, a lei penal do período pós-evento retroagirá se for mais favorável ao acusado.

Na versão do projeto de lei apresentada em setembro de 2011, estava prevista, ainda, a possibilidade da criação de juizados especiais para crimes cometidos durante a Copa. Esse item não aparece na última versão aprovada.

Bretas considera preocupante se esta proposta for retomada no Senado. Segundo ele, esses juizados ameaçam princípios constitucionais como os da ampla defesa e a presunção de inocência. "Mesmo que seja juizado especial, que em tese, dispensa a necessidade de advogado. E se a pessoa quiser contratar um?", questiona.

O professor de Direito Penal e Prática Penal e Processual Penal da PUC-SP Mauro César Bullara critica os tipos criminais apresentados pelo Projeto de Lei. Um exemplo é o artigo 33, que considera crime se, nos estádios e redondezas, alguém: "Expor marcas, negócios [...] ou praticar atividade promocional não [autorizada] pela FIFA".

Bullara ressalta que condutas devem ser consideradas criminosas porque ofendem um bem jurídico de tal maneira que uma sanção só civil, ou administrativa, não basta. Essa definição de crime do artigo 33, portanto, não atenderia ao princípio da lesividade necessária para tipificar um crime no direito brasileiro. "O que é lesado é o interesse comercial da FIFA e isso não justifica a criação de um crime".

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