• Carregando...

Boas ideias, diz-se, merecem ser copiadas. A recente proposta de criar um filtro de relevância para recursos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) não esconde sua inspiração no mecanismo da repercussão geral, criado pela reforma do Judiciário de 2004 como uma barreira para os recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF). Este mecanismo, regulamentado por lei em 2006 e efetivamente aplicado a partir de 2007, dá ao Supremo o poder de se recusar a julgar um caso que interesse apenas às partes litigantes, sem maior relevância para a sociedade e o Direito Constitucional brasileiro. A mensagem da repercussão geral é clara: o acesso recursal ao Supremo é instituído em benefício da sociedade, não das partes que estejam insatisfeitas com esta ou aquela decisão judicial. Essa mensagem é, sem dúvida, importante. Mas esta boa ideia tem se traduzido em bons resultados?

A resposta depende do ponto de vista. Para o Supremo, parece ser afirmativa. Segundo informações do banco de dados do projeto Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio, a repercussão geral tem contribuído para reduzir sensivelmente o número de demandas que chegam ao Supremo Tribunal Federal. Em 2006, ano da regulamentação legal do instituto, o número de recursos extraordinários autuados era de 60.020. Esse montante caiu para 44.129 em 2007, passou para 21.558 em 2008 e em 2011 atingiu a marca de 5.590. Um bem-sucedido dique emergencial contra a crescente onda de processos dos últimos 20 anos.

Do ponto de vista dos usuários da justiça, porém, não há tanta clareza quanto aos efeitos desta reforma. A repercussão geral funciona de forma dupla: filtra o que será decidido no topo, ao mesmo tempo em que aumenta o alcance dessas decisões sobre o resto do sistema judicial. Ao decidir um caso "exemplar", o Supremo cria um parâmetro que pode ser aplicado, de forma rápida, a casos semelhantes represados nos tribunais inferiores. Mas como isso tem funcionado na prática? Não sabemos se a velocidade de enfrentamento desses casos represados de fato aumentou nos últimos anos. Ou seja, não sabemos se, de fato, com a repercussão geral, o Judiciário tem funcionado de maneira mais rápida para seus usuários. É possível inclusive que o tempo de espera pela solução de processos "represados" tenha aumentado.

Esta questão está ligada à própria mecânica da repercussão geral. O tribunal inferior seleciona um ou poucos casos de determinado assunto, tipicamente representativo(s) de um grande número de processos repetidos, remete-o(s) ao STF e suspende o julgamento dos demais. Esse processo naturalmente consome tempo. São pelo menos quatro fases. Primeiro, o tribunal inferior precisa escolher como agrupar casos semelhantes em categorias de questões mais gerais, para então enviar um "caso modelo" para o Supremo. Segundo, o Supremo precisa analisar se há ou não repercussão geral naquele problema jurídico e, terceiro, precisa decidir este caso. Quarto, o tribunal de origem recebe de volta o caso modelo, para definir se e como utilizará a decisão do Supremo para resolver todos os casos semelhantes represados.

Assim, o mecanismo de repercussão geral, por um lado, permite ao Supremo julgar menos; por outro, sua sistemática pode prolongar o tempo de solução dos casos semelhantes ao "modelo" levado ao STF, que ficam represados nos tribunais de origem. Estamos apenas começando a entender os problemas que surgem na operacionalização, em tribunais inferiores, do mecanismo da repercussão geral. A ideia é boa e tem dado bons resultados em algumas áreas. Mas seria importante que, antes de transpô-la, o debate seja mais amplo e mais empiricamente informado. É preciso aprofundar os diagnósticos sobre os efeitos da repercussão geral sobre as demais instâncias do Judiciário para que se analise a necessidade de aperfeiçoamento do instituto e a possibilidade de aplicá-lo em outros tribunais superiores.

No caso do Superior Tribunal de Justiça, também chamado de "o tribunal da cidadania", o problema é ainda mais urgente, considerando a quantidade de processos que julga e, principalmente, a sua função de uniformização da jurisprudência nacional. Tentar reproduzir no STJ um mecanismo de filtragem de recursos é, por isso, certamente uma boa ideia. No entanto, em vez de simplesmente celebrarmos o seu lado positivo, precisamos também investigar de forma profunda se e como um filtro de repercussão geral no STJ afetaria a atuação dos outros tribunais do país junto aos usuários da justiça.

Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]