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Entrevista

"Resolução não tem força legal"

Paulo Gomes de Oliveira Filho, advogado e assessor jurídico da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap)

A associação que representa as agências de publicidade no Brasil (Abap) não considera que a resolução do Conanda tenha força legal. Veja o que diz o assessor jurídico da entidade.

A ABAP vai apresentar alguma medida judicial? Se sim, quais serão os argumentos?

A ABAP não irá ingressar com nenhuma medida judicial, pois a resolução do Conanda não tem força legal. Trata-se de resolução, com efeitos meramente recomendatórios. Quem tem legitimidade para editar normas legais é o Congresso Nacional. Portanto as disposições da resolução do Conanda não é obrigatória legalmente, mas meramente tem o intuito de recomendar.

Mesmo o CDC já prevendo pena para condutas abusivas na publicidade, essa regulamentação era necessária?

Tanto o CDC como o Có­­di­­­go Brasileiro de Autorre­­­gula­­­mentação Publicitária já têm disposições que estabelecem o regramento para que a publicidade seja legítima, verdadeira, orientativa e que não abuse da inexperiência do menor de idade. Aliás, o código ético é muito mais detalhado quanto à forma em que a publicidade dirigida ao público infanto-juvenil deve ser realizada. As disposições do CDC, tanto no que se refere à definição de publicidade abusiva, como de publicidade enganosa, seguem as linhas de atuação e orientação do Código Brasileiro de Autorregulamentação Pu­­bli­­­citária, o qual impede que haja apelo de consumo diretamente às crianças.

Para o Conanda, essa resolução especifica o que é conduta abusiva. Essa especificação não seria excessiva a ponto de se comparar a uma lei?

Sem dúvida alguma. Essa resolução é tão absurda que entende que qualquer publicidade dirigida ao público infanto-juvenil é abusiva. Chega ao absurdo de vedar a utilização de cores nos anúncios. Ou seja, a criança deve ver a vida em preto e branco.

Opinião

O papel de educar é dos pais, e não do Estado

Lélia Cristina de Melo, educadora e psicóloga, é diretora de Formação da Escola do Bosque Mananciais. E-mail: lelia@escoladobosque.org.br

Como toda ação humana não muito bem considerada sob sólidos critérios, o problema da publicidade infanto-juvenil vem a ser o exagero, a voracidade com que atropela as medidas prudentes do bom senso.

No mundo mercadológico, a publicidade vem se destacando, e, sejamos justos, muitas vezes com inteligência, sensibilidade e alta criatividade, porque o consumo nos enlouqueceu, a nós, adultos, bem antes de enlouquecer as crianças, que, na verdade, nos imitam. À maciça e insistente propaganda dirigida aos menores para que consumam os produtos, podemos chamá-la de cruel, porque se destina a seres com a capacidade de julgamento ainda incipiente, mas, sobretudo, com pais desorientados, que, engolidos pelo mercado profissional, cedem passivamente ao mercado comercial.

Criança que ganha muitas coisas não é feliz, mas eufórica, com grande risco de vir a ser ansiosa e impulsiva, porque a abundância de objetos nunca garantiu o bem-estar pessoal.

Se os pais, protagonistas da formação de seus filhos, não moderam as aquisições familiares, o glamour da publicidade age com poderosa persuasão. O que os pais estão oferecendo de atraente aos filhos no lugar de ceder aos anseios desmedidos deles? Criança é mesmo movida pelo princípio do prazer, cabe aos educadores educá-las. Não será o Estado a entidade constituída para esse fim, mas pai e mãe. Ao Estado cabe a regulação das iniciativas desses segmentos.

Restrições

Confira algumas características definidas pelo Conanda como publicidade abusiva para crianças:

I - linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II - trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III - representação de criança;

IV - pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V - personagens ou apresentadores infantis;

VI - desenho animado ou de animação.

A capacidade do público de assimilar as mensagens que recebe por meio da publicidade pode servir como parâmetro para os limites que as propagandas podem ter. No caso de crianças, cidadãos em formação, é preciso avaliar não só as condições que elas têm para avaliar o conteúdo que recebem, mas o quanto os pais e a sociedade são responsáveis pelo que lhes será direcionado. Com o objetivo de dispor sobre o abuso da publicidade e da comunicação mercadológica, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) editou a resolução 163, visando à proibição de qualquer propaganda que seja dirigida a crianças. Essa normativa gerou reação de publicitários, que defendem sua liberdade de expressão. Além disso, esse tipo de medida desperta o debate sobre até que ponto o Estado pode intervir no poder de escolha das pessoas.

A resolução não proíbe a publicidade de produtos infantis, mas as propagandas não devem se dirigir às crianças ou ter elementos que tentem seduzi-las (leia ao lado algumas restrições). É como se agora ficasse proibido dizer aos pequenos: "Peça para o seu pai", e passasse a ser necessário convencer os adultos: "Compre para o seu filho".

O primeiro artigo da resolução apresenta como base o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê que a política de atendimento à criança e ao adolescente será feita por um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais. Os incisos I, III e V do artigo 87 também são citados e definem, entre as linhas de ação, políticas sociais básicas, serviços de prevenção de abuso e exploração e proteção jurídica por entidades de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.

O advogado Pedro Hartung, do Instituto Alana, que faz parte do Conanda, explica que o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece absoluta prioridade para a garantia dos direitos da criança, também serve como parâmetro ao se editar esse tipo de resolução. Ele cita ainda o artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê pena de detenção de três meses a um ano e multa para quem fizer ou promover publicidade enganosa ou abusiva.

O papel dos pais

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Egon Bockmann Moreira observa que a resolução deve reiterar o que já está no ECA de maneira mais detalhada ou dar aplicabilidade a normas que não sejam autoaplicáveis. Ele lembra que é preciso levar em conta os direitos, também previstos na Constituição, de livre iniciativa, de liberdade de concorrência e de empresa. Moreira questiona como fica o respeito às liberdades constitucionais, tendo em vista que a resolução não modula, mas simplesmente proíbe. "É complicado haver resoluções que estabelecem uma proibição absoluta. É preciso haver ponderação de direitos."

O professor questiona ainda os efeitos que esse tipo de intervenção acarreta na estrutura familiar. "A criança recebe o estímulo. Mas quem compra? Quem diz pode ou não pode? Vai se tentar instalar uma zona de conforto, os pais já não são mais os responsáveis."

Para a coordenadora do curso de Direito da UniBrasil, Marta Tonin, que é especialista em direito da criança e do adolescente e já foi membro do Conanda, os pais aguardam uma resolução como essa para lidar com o assédio mercadológico que as crianças enfrentam, e essa medida seria um reconhecimento de que a criança é um sujeito de direito e de deveres. "O Brasil tem que mudar a partir da infância. É um apelo à inteligência dos publicitários para buscar outras formas de divulgar os produtos."

Poder das resoluções entra em questão

A decisão de se proibir a pu­­bli­­cidade voltada para crianças por meio de uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente desperta o debate sobre até que ponto vai o poder dos conselhos e de suas resoluções para definirem normas.

O advogado Pedro Hartung observa que muitas decisões relacionadas ao meio ambiente têm sido tomadas no âmbito do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Ele cita também a resolução do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) que tornou obrigatório que todos os carros fabricados a partir de 1.º de janeiro deste ano tenham airbag e freio ABS.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná Egon Bockmann Moreira questiona as influências que esses conselhos recebem: "É preciso ver até onde o regulador está sendo capturado pelas pessoas que estão passando informações, até onde a decisão é técnica e até onde é política". Ele relembra o kit de primeiros socorros, que o Contran tornou obrigatório, mas após questionamentos e a constatação de que o kit pouco ou nada contribuiria para socorrer alguém em um acidente, a determinação foi cancelada.

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