• Carregando...
 |
| Foto:

Yoani Sánchez

Em fevereiro, a blogueira cubana Yoani Sánchez veio ao Brasil participar de debates com a temática social e foi recebida com protestos por manifestantes que são a favor do regime cubano. Yoani é autora do blog "Generación Y" e manifesta oposição ao governo do seu país em seus posts. Tanto na escala que fez em Recife, quanto no desembarque na Bahia, Yoani ouviu insultos como "uma mentira patrocinada pela CIA". Apesar desse tipo de recepção, ela comemorou a realidade do Brasil em um post em sua conta no Twitter: "Ao chegar, muitos amigos me deram boas vindas, e outras pessoas me insultaram, gritando. Quem dera em Cuba se pudesse fazer o mesmo. Viva a liberdade." Ela já havia tentado vir ao Brasil em 2012 para lançar seu livro "De Cuba, com carinho", mas não havia conseguido autorização do governo cubano.

Lei das Biografias

A possibilidade de aprovação da Lei das Biografias (Projeto de Lei 393/11) trouxe à tona a questão do direito que os biógrafos têm para escrever livremente. O PL prevê alteração no artigo 20 do Código Civil com o objetivo de garantir a divulgação de imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública. Para um grupo de grandes personalidades da cultura nacional, algumas das quais já foram ferrenhas defensoras da liberdade de expressão, como Caetano Veloso e Chico Buarque, as obras só deveriam ser publicadas com autorização dos próprios retratados ou de seus familiares. Eles criaram uma organização para fazer campanha em favor de seus argumentos, a Procure Saber, que tem como presidente a empresária do meio artístico Paula Lavigne, ex-esposa de Caetano. O cantor Roberto Carlos, que censurou uma biografia sobre sua história, também chegou a integrar o grupo, mas acabou saindo.

Censura à imprensa

O jornal Gazeta do Povo teve a liberdade de informar e seus leitores a liberdade de receber informação cerceadas duas vezes neste ano. O então presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), Clayton Camargo, conseguiu, em agosto, por meio de uma decisão liminar, que fosse proibida a publicação de notícias sobre a investigação que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) está fazendo sobre a sua conduta. O jornal ficou proibido de publicar informações que poderiam atentar contra "a honra, a boa fama e a respeitabilidade" de Camargo. As matérias sobre a investigação que estavam no site tiveram de ser tiradas do ar. Em setembro, o magistrado acabou desistindo da ação de tutela inibitória. Em outubro, outra decisão liminar havia proibido que notícias sobre o deputado Gilberto Ribeiro (PSB) fossem veiculadas na Gazeta do Povo. Ele está sendo investigado pelo atropelamento de um adolescente. No último dia 4, a decisão foi revogada (Leia mais na página 8). Também neste ano três veículos de Pernambuco (Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e TV Clube) foram proibidos de citar o deputado estadual Guilherme Uchoa. E A TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Gurupi (TO) foi proibida de divulgar imagens de um julgamento de policiais.

Debate interrompido

Durante a Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica) um protesto logo no início da mesa da qual participavam o sociólogo Demétrio Magnoli e a historiadora Maria Hilda Baqueiro Paraíso impediu a continuidade do debate, cujo tema era "Donos da Terra? – Os Neoíndios, Velhos Bons Selvagens". Cerca de 30 manifestantes começaram a gritar palavras de ordem acusando Magnoli de racista por ele ser contra a política de cotas, eles também pediam o cancelamento da participação do filósofo Luiz Felipe Pondé no evento.

Magnoli se recusou a se retirar, alguns dos manifestantes se despiram e uma cabeça de porco foi lançada no palco. A organização do evento cancelou a atividade ao alegar não ter condições de garantir a segurança do convidado. A mesa "As Imposições do Amor ao Indivíduo", em que estariam Pondé e o sociólogo Jean-Claude Kaufmann também foi cancelada.

Na ocasião, Magnoli disse que os manifestantes depredavam o debate. "Os grupos, a fim de não discutir argumentos sobre cotas, preferem lançar impropérios", disse ao site G1. O sociólogo afirmou, ainda, que sua liberdade de expressão está garantida, mas que o direito das pessoas que queriam ouvir o debate foi cerceado.

Já Pondé classificou o movimento como de "caráter totalitário e difamatório" por acusá-lo de racista e disse que é contra cotas raciais para qualquer raça e que a escola pública é que deve passar por melhorias.

Para Joel Pinheiro, editor da revista Dicta & Contradicta, Magnoli e Pondé despertam esse tipo de reação porque representam uma oposição que não existia até há pouco tempo e encarnam uma nova direita que vem de encontro às discussões que antes eram monopolizadas por grupos de esquerda.

Biografias

Não é mais proibido proibir?

A atual redação dos artigos 20 e 21 do Código Civil serve como base aos defensores de que as biografias precisam de autorização para serem publicadas. Mas a Associação Nacional de Editores de Livro (Anel) pede a alteração do Código Civil para que o artigo 20 passe a ter o seguinte trecho no parágrafo 2º: "A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica". A associação atua também para que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do CC na ADI 4815.

Na opinião do jurista Ives Gandra Martins, as pessoas famosas não têm direito a ocultar informações. "A partir dos momentos em que decidem ser cidadãos públicos, perdem o direito sobre a privacidade de suas vidas". Ele explica que a sociedade tem direito a conhecer toda a vida dessas pessoas, que devem ter a mesma conduta na vida privada e na pública. Além disso, Martins ressalta que os artistas desfrutam vantagens da fama: "Um artista secreto não tem visibilidade". E, como membro da Academia Paulista de História, o advogado defende a atuação dos biógrafos como historiadores. "Imagine se todo historiador precisasse ter autorização? A História não pode ser cerceada", defende.

O mestre em Ciência Política e Membro do Conselho Editorial da MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia, Bruno Garschagen considera que os prejuízos seriam altos ao se tentar controlar a publicação de biografias. "Para impedir que abusos sejam cometidos também se vai impedir que coisas boas sejam feitas". Ele defende que apenas após a publicação das obras é que se verifique se há algum tipo de transgressão da lei.

No ano em que a Cons­­tituição Federal completou 25 anos o direito a manifestar opiniões enfrentou obstáculos no Brasil. A sociedade brasileira presenciou situações nada democráticas em 2013, como manifestantes que impediram que pessoas com opiniões divergentes das deles se pronunciassem e, ainda, jornais que foram impedidos por decisões judiciais de veicular informações relevantes e de interesse público. Neste ano ocorreu até mesmo uma discussão sobre se autores de biografias precisam de autorização prévia dos biografados para divulgar seus trabalhos.

O texto constitucional prevê no artigo 5º, inciso IV, que "é livre a manifestação do pensamento" e, no inciso IX, que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". Ao analisar o inciso IV, no livro "Comentários à Constituição do Brasil", o jurista Daniel Sarmento analisa que: "Quanto ao meio, todos os que não sejam violentos estão protegidos: manifestações orais ou escritas, imagens, encenações, bem como as novas formas de expressão decorrentes do avanço tecnológico, como blogs, chats, etc.".

Em outubro, o sociólogo Demétrio Magnoli e o filósofo Luiz Felipe Pondé foram impedidos de se pronunciar durante uma feira literária na Bahia. Os manifestantes que discordavam dos pontos de vista deles exigiram que suas participações fossem canceladas, e a organização do evento atendeu a demanda, com a alegação de que não era possível manter a segurança dos convidados.

Tal comportamento – daqueles que não querem nem sequer ouvir os que divergem de suas opiniões – é classificado pelo jurista Ives Gandra Martins como algo típico de ditadura. "Aqueles que são contrários ao que pensa um determinado grupo e querem impedi-lo de se manifestar têm vocação para regimes totalitários", diz.

Gandra Martins cita o filósofo John Rawls, que defende em sua obra "Teoria da Justiça" que toda teoria deve ser abrangente, isto é, permitir a convivência com outras teorias. "As teorias não-abrangentes eliminam quem pensa diferentemente", explica o jurista.

Carimbos Ideológicos

Por mais acirrado e enérgico que seja um debate, ele é importante para a democracia, como observa o professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR Rodrigo Xavier Leonardo, que lamenta que na cultura brasileira carimbos ideológicos ainda se sobreponham e impeçam a discussão de ideias. "É necessária uma noção e uma vivência muito sólida para se conviver com as opiniões diametralmente divergentes", segundo ele. Leonardo também lastima que até mesmo no espaço universitário ainda haja comportamentos em que se procura vetar um assunto antes mesmo de colocá-lo em discussão.

Para o advogado René Dotti, as pessoas têm o direito a serem diferentes, e o direito de divergir é tão elementar quanto o de comunicação e o de livre expressão das ideias. "Quando se pretende negar, desqualificar uma opinião ao argumento de que é de esquerda ou de direita, se faz patrulhamento ideológico, que é incompatível com a democracia."

Se a censura a ideias diferentes da maioria ou de um grupo dominante passa a ser tolerada, há a possibilidade de se enviesar pelo caminho de países como a Venezuela e a Argentina, como ressalta o editor da revista Dicta & Contradicta e mestrando em filosofia Joel Pinheiro da Fonseca. Como exemplo ele cita o fato de que um economista argentino pode sofrer represálias pelo simples fato de publicar dados sobre a inflação.

A maior afronta à liberdade de expressão

As situações de censura que ocorreram com o jornal Gazeta do Povo são o reflexo de uma realidade que ocorre em todo o Brasil. O próprio jornal noticiou no último domingo que, em apenas dois anos, jornais brasileiros foram censurados 17 vezes.

Para o advogado e professor René Dotti, a censura aos meios de comunicação é a mais grave forma de impedir a liberdade de manifestação do pensamento. No livro "Comentários à Constituição do Brasil", o jurista Daniel Sarmento define a censura como "a restrição prévia à liberdade de expressão realizada por autoridades administrativas, que resulta na vedação à veiculação de um determinado conteúdo". Ele também destaca a gravidade desse ato: "Trata-se do mais grave atentado à liberdade de expressão que se pode conceber, que é absolutamente incompatível com os regimes democráticos".

O melhor antídoto para essa ameaça à informação, na opinião de Dotti, é que os próprios meios de comunicação contribuam para uma consciência coletiva sobre a importância dessa liberdade, a fim de que os leitores e os telespectadores também possam defender o direito a serem informados.

Poder

O professor de Direito Ci­­vil da UFPR Rodrigo Xavier Leo­­nardo observa "que no Brasil todas as esferas de poder são arredias à liberdade de manifestação que não pode ser cooptada". Na opinião dele, o que se transmite é a ideia de que a liberdade de manifestação do dissenso não é uma questão de liberdade, mas uma questão de poder. "Isso se projeta não só como uma inibição ao que quer manifestar o pensamento, mas de que é justo podar o pensamento divergente antes que venha a ser exposto".

Para Joel Pinheiro, editor da revista Dicta & Contradicta, os fatos relacionados à censura da imprensa demonstram que há na sociedade brasileira uma distinção de classe, entre "aqueles que têm acesso à defesa de seus interesses, que têm acesso ao poder do Estado, e os que não têm".

Fora dos grandes meios

Além da censura que a imprensa ainda sofre no Brasil, há movimentos que encontram espaço para divulgar ideias autoritárias na internet. É o antagonismo que a rede proporciona, justamente por ser um espaço onde a manifestação de ideias distintas é possível. O mestre em Ciência Política Bruno Garschagen diz que na internet encontram-se os manifestos de grupos extremistas que pregam a restrição da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão dos que têm ideologias distintas das deles.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]