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Com o incremento das atividades econômicas em nosso país novas questões jurídicas são postas para decisão do Judiciário, intérprete final das leis. Dentre elas uma atinge especialmente o mercado de seguros, que é a possibilidade da transmissão da cláusula compromissória ao segurador sub-rogado. Tema relevante e instigante que envolve não só matéria civil, mas também a processualística arbitral.

A arbitragem, mecanismo alternativo de solução de conflitos, é hoje parte das políticas públicas que tentam desafogar a Justiça. Após duas décadas de existência, impulsionada fortemente pelo crescimento financeiro do país, tal instituto ganhou notoriedade e adeptos também no mercado segurador. No entanto, algumas questões merecem a reflexão de todos os envolvidos neste mercado. A avaliação da possibilidade e quais as consequências para o segurador não signatário de Cláusula Arbitral se vincular a ela, após ter pago a indenização a seu segurado, em decorrência de contrato firmado por ele com o terceiro causador dos danos.

Como se sabe, a atividade securitária, voltada para a garantia dos danos, não dependente apenas da arrecadação dos prêmios como fonte primária e sustentáculo do fundo comum administrado pelas seguradoras. Vital também para o desenvolvimento dessa parte da atividade dos seguros de danos, é um dos princípios basilares do contrato de seguro, o da sub-rogação.

Neste ínterim, portanto, se discute a existência de limites aos “direitos e ações” transmitidos pelo segurado ao segurador por ocasião da sub-rogação operada com o pagamento da indenização securitária. Para tanto, é importante lembrar que a sub-rogação é, por natureza jurídica, típica forma de adimplemento, na qual, mesmo com a quitação da obrigação original, remanesce, por parte do causador do dano, o dever de reparar aquele que substituiu o credor primitivo.

Nessa toada, a sub-rogação legal prevista no direito brasileiro estabelece-se como meio indireto de pagamento com a possibilidade de haver adimplemento sem extinção da dívida, tem efeito típico da sub-rogação legal, a saber, o substitutivo e não transmissivo. Porém, há quem defenda que os efeitos da sub-rogação para com o segurador é de caráter transmissivo quanto aos direitos materiais e processuais do segurado ao segurador, para que este promova as medidas cabíveis de proteção dos direitos nos quais se investiu, fazendo com que o segurador sub-rogado assuma a posição original do segurado, incluindo-se todos os inconvenientes do crédito.

No decorrer dos anos, duas correntes se formaram, uma majoritária e desfavorável à transmissão da cláusula arbitral ao segurador sub-rogado e outra diametralmente oposta. Quanto à corrente majoritária, assentou-se que a cláusula compromissória, por ter natureza jurídica de obrigação de fazer, com caráter personalíssimo, não pode ser transferida a terceiro não anuente. Ademais, sustentam os n. julgadores dessa linha de pensamento que a sub-rogação instituída pelo art. 786 do Código Civil, está restrita aos direitos e ações que competirem ao segurado, não compreendendo eventuais obrigações por ele assumidas.

Aliás, a posição dominante observa também, que por se tratar de meio voluntário de solução de conflitos, a cláusula arbitral depende da expressa manifestação de vontade das partes e adesão a ele, pois, em nosso sistema, implicaria em renúncia à jurisdição estatal. Desse modo, ante o severo efeito causado pela cláusula de arbitragem (afastamento da jurisdição estatal), é imprescindível que a parte manifeste sua vontade em eleger este meio de solução de conflitos, não podendo ser ele deduzido ou presumido.

Para o pensamento predominante, a seguradora vem a juízo pleitear direito próprio decorrente do contrato de seguro, e não do contrato firmado entre segurado e terceiro, tornando evidente que a origem do direito de regresso está no contrato de seguro, enquanto o direito do segurado é originado do próprio pacto firmado com o causador dos danos. Isto é, a sub-rogação legal prevista no contrato de seguro está restrita às ações processuais que cabem ao segurado e não ao direito material próprio do segurador.

Por fim, arremata a corrente preponderante que a transmissão da cláusula compromissória à seguradora sub-rogada, inegavelmente, implicaria em verdadeira restrição ao direito do segurador por dificultar o exercício de ação e o ressarcimento do prejuízo, o que é expressamente vedado pelo estatuto civil, no dizer do §2º do art. 786 do Código Civil.

Lado outro, a corrente minoritária – favorável à transmissão da cláusula arbitral ao segurador sub-rogado - sustenta que a seguradora após pagar a indenização ao segurado, assume a posição jurídica do segurado, ou seja, passa a ser visto como se contratante fosse e, por consequência, submetido às regras contratuais adrede assumidas. Isto é, a sub-rogação atrai para o segurador também as obrigações e todos os seus acessórios.

A visão, apesar de minoritária, ao tratar da vinculação da seguradora sub-rogada aos termos prévios da convenção de arbitragem se apoia na visão da common law aplicando, como dito anteriormente, ao sub-rogado os privilégios e limitações existentes ao segurado, incluindo então a obrigação de arbitrar os conflitos se assim houver sido contratado entre o segurado e o terceiro causador dos danos.

Para esse entendimento de menor adesão, a transmissão da cláusula arbitral a terceiro é pacífica se vista sob a ótica da prática internacional da arbitragem, que aceita a aplicação por referência do compromisso arbitral nas hipóteses de sucessão, cessão de créditos ou de contratos e fusão, cisão ou incorporação de sociedades, não podendo ser indiferente também à sub-rogação.

Ademais, inegavelmente, a vontade ou consentimento para aderir à cláusula arbitral, nessa visão minoritária, sempre serão deduzidos de seu comportamento durante as negociações ou a execução do contrato-base, no qual se inseriu o pacto arbitral.

De mais a mais, segundo o STF, é imprescindível para instituição da arbitragem a vontade livre e desimpedida das partes para contratar a obrigação de se submeterem à arbitragem. A contrário sensu, é possível inferir a impossibilidade da instituição da arbitragem sem a vontade livre e consciente das partes, sendo, por consequência, ilegal a extensão dessa obrigação às partes não signatárias, sob pena de vulneração das garantias fundamentais de liberdade, juiz natural, acesso à Justiça, legalidade, dentre outras, instituídas pela Constituição da República Federativa do Brasil.

Ao seu turno e longe do esgotamento do tema, como se pode observar alhures, não há consenso jurisprudencial ou doutrinário no Brasil sobre o tema tão indispensável à exploração da atividade de seguros de danos no país. Não há dúvida de que a posição prevalecente virá por decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ), através da interpretação da Lei da Arbitragem e também do instituto da sub-rogação do segurador, de modo a ser definido se a cláusula compromissória de arbitragem poderá ser transmitida ao segurador sub-rogado. Ao Supremo Tribunal Federal (STF), por seu turno, cumprirá decidir se a transmissão do referido pacto arbitral é compatível com as garantias constitucionais.

*Luis Eduardo Pereira Sanches, sócio do escritório Trajano Neto & Paciornik Advogados

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