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Vivemos um momento onde todas as estruturas públicas e todos os programas públicos que foram criados para garantir a sustentabilidade e o bem estar social dos brasileiros estão necessitando de reformas urgentes.

Mas essa não é apenas uma realidade brasileira. Na Europa, onde foram criados os sistemas de seguridade social que hoje conhecemos, a falta de soluções para a previdência e para o trabalho também geram preocupações. Começando pelo nível de dívida pública e privada que supera em muito as possibilidades de solvência da economia europeia, se estendendo pela situação de instabilidade que passa o próprio mercado comum, que vem confirmando a tese de Milton Friedman, segundo a qual, o Euro seria o principal responsável pelo colapso político na Europa. Basta lembrarmo-nos da crise da Grécia e Espanha, ou mais recentemente da renúncia do primeiro ministro italiano ou a saída do Reino- Unido da Comunidade Europeia. Isso sem falar na crise social e religiosa que afeta principalmente França e Alemanha.

Uma das deficiências do sistema social europeu, a qual também se vê no Brasil, é o custo social do emprego. Hoje em dia, contratar um trabalhador significa criar um caso de amor e ódio com o Estado através da seguridade social. Sendo que no Brasil há uma responsabilidade tripla pelo financiamento da seguridade social entre os trabalhadores, o Estado e os empregadores.

Esse romance, no entanto, tende a acabar. Isso porque as características do trabalho que conhecemos nos séculos 20 e 21, sofrerão sérias mutações nos próximos anos. Cito o exemplo da Uber, do AirBnB, ou do e-commerce. No ano de 2017 qualquer brasileiro poderá ganhar a vida sem sair de casa, optando por uma das plataformas de negócio já existentes.

Sem assumir um tom futurista, podemos dizer que vivemos a era do Admirável Mundo novo do trabalho. A cada dia temos novas formas de fazer renda, e isso sem estarmos ligados a um sistema quase sucateado de seguridade social, no qual impera o que Hanna Arendt chamava de Banalização do Mal. Ou seja, o que era para garantir bem estar social se transformou em uma fonte de mal-estar. E o pior é que, para esse mal estar, o governo Temer não está oferecendo nenhum remédio. Pelo contrário.

Com essa metamorfose do trabalho é claro que a seguridade social precisa passar por mutações. Isso para que se evite que, no curto prazo, milhões de Brasileiros optem por se desvencilhar do trabalho formal, buscando sua fonte de renda de forma alternativa e sem vínculos com a seguridade social.

A nossa reforma previdenciária precisa ser inteligente. Não podemos copiar as reformas europeias, porque o tempo já nos provou que foram reformas equivocadas. Mas infelizmente o que o Brasil está planejando se assemelha em muito com as reformas ocorridas na França e na Espanha, as quais, ao invés de resolver o problema da seguridade social, trouxeram mais dívidas para esses países a curto e a longo prazo.

Como podemos reformar nosso sistema sem gerar ainda mais dívida e caos social?

Em primeiro lugar o governo deve assumir que a seguridade social é o coração da economia, sem o qual a sociedade, como um todo, padeceria. Em segundo lugar, o Brasil deve se espelhar em países cuja experiência da seguridade social tenha servido para aquecer a economia, minimizando a informalidade do trabalho e a possibilidade de desvinculação das receitas da seguridade social.

Um dos sistemas mais modernos de seguridade social, que tem se mostrado arrojado e capaz de solucionar os problemas impostos pela metamorfose do trabalho, é utilizado no Chile.

A resposta trazida pelo nosso vizinho sul-americano ao problema da seguridade foi a quebra do paradigma oferecido pelo Alemão Otto Von Bismarck (utilizado no Brasil), segundo o qual a previdência social deve ser solidária. Entenda-se por solidariedade o fato de que, para que haja um aposentado, é necessário que haja pelo menos dois ou três trabalhadores ativos para garantir os proventos de quem está afastado.

Quebrando com esse paradigma, o Chile criou um sistema baseado em contas pessoais dos trabalhadores. Com esse sistema o trabalhador tem que destinar, todos os meses, 10% do seu salário a uma conta regida pelos índices de poupança, garantindo a capitalização do seu dinheiro ao longo de toda sua vida laboral. Em verdade, esse sistema responde de maneira criativa ao dilema proposto por Karl Marx de que o trabalhador não teria acesso ao capital.

Com efeito, o sistema de contas individuais no Chile é uma prova de que, sim, o governo pode garantir o acesso ao capital ao trabalhador médio, evitando, dentre outros perigos, o desvio desse patrimônio individual, para outros setores da economia ou para a corrupção.

O êxito do sistema chileno é incontestável em termos de retorno, pois ele oportuniza uma rentabilidade de mais de 9% acima da inflação. Outra vantagem é que neste sistema, como nos sistemas privados, o trabalhador tem a oportunidade de eleger que tipo de perfil terá a inversão do seu dinheiro (renda fixa, renda variável, etc.). A corrupção, como já mencionado, desde o ano de 1980, é um problema que foi erradicado no sistema de seguridade chileno. Isso porque a Constituição chilena veda o acesso governamental às contas individuais, blindando o patrimônio do trabalhador.

Como em qualquer outro país, a reforma por que passou o Chile não derrubou de imediato o sistema enferrujado de Bismarck. Com uma longa transição, caixas de seguridade complementares garantiram o provisionamento de uma parcela de população que pouco ou nada tinha contribuído até a reforma em 1980. Porém, aos poucos o sistema de contas individuais começou a engolir os outros sistemas, e o “Novo Chile” começou a ganhar autonomia e uma economia aquecida. Isso porque cada cidadão se tornou o responsável pela criação de seu fundo, e se trata de um fundo altamente atrativo. Trabalhadores de todas as faixas etárias são atraídos pelos juros e pela correção composta das contas individuais e percebem que, ao invés de trabalharem para o dinheiro, no Chile, o dinheiro é que trabalha por eles.

Essa reforma chilena foi responsável por levar o país do subdesenvolvimento ao desenvolvimento em pouco mais de 30 anos. Baixou a pobreza do país de 50% para ínfimos 7,8%. E é uma realidade que está sendo exportada para outros países como Hong-Kong, Austrália, Colômbia, Peru e México. Em todos esses países o PIB cresceu sistematicamente nos últimos anos, pois os trabalhadores passaram a ter acesso direto ao capital. Acesso este que não existe no Brasil por se tratar de um sistema enferrujado, bismarckiano, onde o patrimônio ainda fica nas mãos do Estado. Sendo utilizado e mal utilizado, governo após governo, rumo ao colapso.

É importante sabermos que a proposta de reforma do governo de Michel Temer nada mais é que uma insistência na manutenção de sistemas sociais que quebraram Espanha, Grécia, Portugal e agora vão quebrar o Brasil. Quando se fala em reforma da previdência social temos que nos espelhar nas melhores experiências. Dar passos para a frente e não para trás. O sistema chileno nos traz um exemplo de modernidade e de acerto no trato com o patrimônio previdenciário dos trabalhadores e, por isso, deve ser seguido. Basta decidirmos que caminho vamos tomar, valendo escolher entre os dois motes: 2017 – “Brasil, a nova Grécia” ou “Brasil o novo Chile”.

Pedro Henrique Leite, advogado previdenciário e mestre em Direito Social pela Universidade Panthéon-Sorbonne Paris I.
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