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Durante mais um estopim da eterna crise do sistema penitenciário brasileiro, foi comemorado o fato de três dos principais responsáveis por enfrentar a situação seriam “constitucionalistas”: Michel Temer, Presidente da República e doutor em Direito Público pela PUC/SP, Alexandre de Moraes, ex-Ministro da Justiça, Livre-docente em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo (USP) e recém empossado Ministro do STF, e Carmem Lúcia, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A expectativa era que, sendo experts em direito constitucional, com livros e artigos estudados em faculdades Brasil afora, pudessem dar uma solução efetiva ao problema ao encontrar os meios para finalmente concretizar o “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” e “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”, previstos nos incisos XLIX e XLVIII do artigo 5º.

O direito constitucional ganhou uma importância sem precedentes na ordem jurídica brasileira com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Garantida a supremacia constitucional, fortalecida a jurisdição constitucional e reformulada a interpretação constitucional, passou-se a falar abertamente na “constitucionalização do direito” por meio da releitura do ordenamento ordinário a luz dos dispositivos constitucionais – sobretudo na área cível, recebendo atenção a questão da eficácia de direitos fundamentais na relação entre particulares. Gradualmente, esse processo ganhou fôlego nas áreas administrativa e processual.

A falta de sentido unívoco das normas e a complexidade da constituição exigiram intérpretes que ultrapassassem a vagueza do significante para aferir o significado. Com isso, emerge uma categoria responsável exclusivamente por produzir, difundir e consolidar a interpretação dos sentidos das normas constitucionais . A inserção no texto constitucional de matérias até então afeitas à lei ordinária fez dos constitucionalistas verdadeiros clínicos-gerais. O hoje Ministro e à época advogado Luís Roberto Barroso observou, em tom irônico: “tornei-me especialista em fertilização in vitro, nos anos de chumbo da Itália e tantas outras questões. Tanto que inclui no meu cartão ‘Jogo búzio, prevejo o futuro e trago a pessoa amada em três dias” [1].

Mais do que uma crença no “poder” do direito constitucional, o episódio revela a importância e o prestígio que os constitucionalistas conquistaram na esfera política, assumindo posições chave nas instâncias de tomada de decisões – sejam ministros das cortes superiores e suprema, advogados representantes de classe e ministros de Estado. Amparados tanto pela sua expertise jurídica, legitimada na ilusão da adequação das disputas políticas às regras jurídicas, quanto pela excepcional personalidade dos juristas, considerada pressuposto à tomada de decisões racionais e justas [2], os constitucionalistas desempenham um papel fundamental na legitimação das concepções jurídicas da vida pública e das concepções políticas da vida pública.

Eduardo Borges Espínola Araújo,
advogado, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
Rafael Wowk, advogado e cientista social, master em Direito Comparado pela Sorbonne e LL.M. em Direito pela New York University

Notas:

1. HAIDAR, Rodrigo. Judiciário não deve se sobrepor aos demais poderes.

2. MAUS, Ingeborg. O judiciário como superego da sociedade – o papel da atividade jurisprudencial na “sociedade órfã”. Novos Estudos, São Paulo, n. 58, CEBRAP, 2000. p. 186.

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