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| Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

1.No artigo anterior ( veja aqui) mencionei que dois eventos ocorridos no final de novembro do ano passado mostraram o relevo jurídico e a importância social da teoria dos precedentes – tema objeto da monografia do professor William Pugliesi, “Precedentes e a civil law brasileira: interpretação e aplicação do novo Código de Processo Civil”, lançada no prédio histórico da Universidade Federal do Paraná. O livro é fruto da pesquisa feita nos anos de 2009 a 2011, no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, sob a orientação do professor titular doutor Luiz Guilherme Marinoni.

Na introdução, o autor observa que a realidade da jurisprudência nacional revela o descompasso com a segurança jurídica exigível como fundamento de credibilidade do ordenamento positivo. Entre outras considerações, merece leitura o seguinte trecho: “O problema da incerteza macula a atuação os tribunais superiores no Brasil. Tornou-se comum encontrar decisões em sentidos diametralmente opostos proferidas por uma mesma Turma do Superior Tribunal de Justiça. Pior, tais decisões são tomadas sem haver qualquer preocupação em justificar os posicionamentos conflitantes. Vê-se, com isso, que falta aos tribunais a preocupação com a uniformidade e a segurança. Essa realidade demonstra não só a incerteza, como também a instabilidade do sistema jurídico. De nada adianta ter ampla promulgação de leis se os entendimentos a respeito delas são os mais variados. A propagação legislativa acaba por ter o efeito contrário do que espera o legislador, que é conferir segurança aos cidadãos. As interpretações legislativas são tantas que sequer é possível dizer se a lei é ou não constitucional, muito menos se será aplicada ao caso”.

2.A vigorosa e oportuna crítica contra a desordenada expansão legislativa lembra o aforismo de Napoleão que, ao seu tempo, também deplorava esse fenômeno que é recorrente em nosso país.

O recente Código de Processo Civil, consagrando alterações legislativas feitas em relação ao diploma de 1973, reduziu consideravelmente a prática de diversos atos processuais para dar maior celeridade e eficiência. Naquele tempo, o incansável trabalho dos ministros Sálvio Figueiredo Teixeira (1939-2013) e Athos Gusmão Carneiro (1925-2014) confirmou não somente a alta qualificação científica dos aludidos mestres como contribuiu para a melhor prestação jurisdicional no interesse da justiça, porque suas lições doutrinárias e as propostas de reforma foram acolhidas pelo legislador em várias disposições e capítulos do ancien régime. A respeito do primeiro, assim escreveu o ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, Walter Borges Carneiro, em homenagem póstuma ao inesquecível magistrado: “Quem ler na Revista dos Tribunais nº 593 o artigo sob o título ‘Agravo de Instrumento – um novo modelo’ notará que o mestre, preocupado com as delongas do trâmite processual, tomou a dianteira em elaborar um anteprojeto para introduzir modificações substancias no recurso de agravo. Ao invés do trâmite demorado que ultrapassava vários meses com o processamento em primeiro grau, a sugestão objetivou imprimir uma tramitação tão célere que em menos de um mês o recurso pode ser julgado nos tribunais recursais, sem desconsiderar os princípios mentores do direito processual, garantindo às partes o exercício pleno do contraditório. E o anteprojeto elaborado no ano de 1983 está presente no código em vigor a partir da alteração verificada em 1994, reproduzindo em sua essência a ideia projetada pelo ministro Sálvio”.

3.As súmulas de efeito vinculante, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, caracterizam a sequência de um valioso progresso que teve origem nas súmulas da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, fruto do trabalho da comissão integrada pelos ministros Gonçalves de Oliveira, Pedro Chaves e Victor Nunes Leal, cujos primeiros enunciados foram aprovados em sessão plenária da Corte em 13 de dezembro de 1963. Em julgamento proferido em 21 de março de 1966, no HC nº 42.958 (SP), o relator, ministro Prado Kelly, consignou na ementa que a súmula tem a “conveniência de evitar, quando possível, a versatilidade nos julgados, e de restituir à jurisprudência o valioso papel que desempenha na ordem jurídica, sem se incorrer, todavia, nos perigos da estratificação abusiva, nem da coerção reprovável” (RTJ 37/159).

O regimento interno do STF estabelece: “A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal (art. 102). Qualquer dos ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário” (art. 103).

4.Há três argumentos contrários à adoção da teoria dos precedentes em nosso sistema: (a) a independência do magistrado; (b) A desobediência judicial para estimular a reforma normativa; (c) o engessamento do sistema. Nenhum deles resiste a uma análise racional. Em primeiro lugar, a atividade jurisdicional tem os seus limites estabelecidos na Constituição e na lei, não sendo lícito ao magistrado “interpretar” a norma desfigurando o seu espírito e a sua letra. É elementar que a “desobediência judicial”, que teve seus pregoeiros na escola do chamado “direito alternativo”, é um exemplo acabado da anarquia do ordenamento positivo com o objetivo de “transferir” o Direito da lei para a cabeça do juiz, conforme a natureza e as variações do caso. Por último, não há que se falar em imobilizar o sistema quando a Constituição prevê a revisão ou o cancelamento da súmula (art. 103 A, § 2º).

Em seu livro, William Pugliese demonstra – com lúcidas ponderações e irretorquíveis conclusões – a extraordinária vantagem para a eficiência e celeridade da prestação jurisdicional com a adoção do sistema dos precedentes. As justificativas são as seguintes: (a) economia processual; (b) duração razoável do processo; (c) maior legitimidade do Poder Judiciário; (d) a importância da instrução sem atropelos; (e) uniformidade de interpretação e aplicação do Direito; (f) previsibilidade (proteção da confiança na lei); (g) orientação da Administração Pública; (h) igualdade de tratamento jurídico; (i) desestímulo à litigância e facilitação de acordos; (j) responsabilidade do juiz ao julgar casos novos.

1 PUGLIESE, William. Precedentes e a civil law brasileira: interpretação e aplicação do novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 19.

2 “Há tantas leis que ninguém está seguro de não ser enforcado”. Napoleão – Máximas e Pensamentos. Seleção de Honoré de Balzac, trad. José Dauster, Rio de Janeiro: Topbooks,1995, p. 35.

3 Gazeta do Povo: Vida Pública, 22-02-2013
René Ariel Dotti é advogado; professor titular Direito Penal; vice-presidente honorário da AIDP; comenda do Mérito Judiciário do Paraná; medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados (2007); corredator do projeto da nova Parte Geral do CP e da Lei de Execução Penal (Leis 7.209 7.210/84; membro de comissões de Ref. do Sist. Penal criadas Ministério da Justiça (1979 a 2000); Diploma da OAB, Câmara dos Deputados e Comissão da Verdade (1964-1985) Secretário da Secretaria de Cultura do Paraná (1987-1991). Escreve quizenalmente para o Justiça & Direito.
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