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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

A Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal na última sexta-feira (17), que apontou um esquema entre fiscais e frigoríficos para venda de carnes adulteradas, deixou os consumidores alarmados. Muitos se perguntam sobre como evitar o consumo de alimentos de procedência duvidosa e o pior: como ser ressarcidos caso já tenham comido algo fora dos padrões indicados pelos órgãos de saúde pública. Especialistas em direito do consumidor explicam que, caso se comprovem as suspeitas, é possível que as empresas sejam multadas e paguem dano moral coletivo. Ações individuais já são mais difíceis de terem as provas necessárias, mas não deixam de ser uma alternativa.

Luciana Pedroso Xavier, doutora em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal Paraná (UFPR) e professora de Direito do Consumidor do Unicuritiba , aponta que o Código de Defesa do Consumidor determina que os consumidores devem ser informados adequadamente sobre a composição dos produtos que consomem; que os produtos comercializados não devem apresentar riscos à saúde; e que é vedado colocar no mercado qualquer mercadoria que não esteja de acordo com as normas dos órgãos oficiais. Além disso, o Código Penal define como infrações a afirmação falsa e a publicidade que induza o consumidor a colocar em risco a sua segurança (veja o box).

Mas a professora observa que a interdição dos frigoríficos foi pontual e que os consumidores não devem entrar em pânico. “O consumidor deve adquirir carnes somente em açougues de confiança, que estejam em conformidade com as normas sanitárias e apresentem certificados de procedência da mercadoria”, orienta a professora. “Caso constate alguma irregularidade, deve procurar um advogado, a Delegacia do Consumidor ou o Procon. Afinal, é seu direito consumir produtos que não acarretem danos à sua saúde e segurança, nos termos do art. 8º do Código de Defesa do Consumidor”, explica Luciana.

O presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR) Antônio Carlos Efing, indica que o ideal seria realizar uma espécie de recall e trazer de volta para a fábrica todos os produtos dos lotes sobre os quais houverem suspeitas. Outra medida deve ser uma ampla campanha para que os consumidores sejam informados sobre quais são os lotes sob suspeita.

Cláudia Silvano, responsável pela Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor ( Procon-PR), explica que os consumidores têm direito a trocar ou receber o dinheiro de volta em caso de aquisição de produtos de lotes com problema. Ela destaca, por outro lado, que não se pode querer trocar qualquer produto de determinada marca. “Se o problema é com a carne da marca x, o consumidor que comprou uma pizza não tem direito de trocar”, diz Cláudia.

Efing orienta que, se comprovada a adulteração, já há violação do direito do consumidor por vício do produto e é possível buscar reparação. Se for comprovado algum dano à saúde de quem consumiu, haverá também o que se chama no direito de “!fato do produto”, e a empresa precisará ressarcir o restabelecimento da pessoa que sofreu as consequências.

Ação civil pública

O Ministério Público pode atuar na defesa do direito do consumidor ajuizando ações coletivas em casos que impactem um número significativo de cidadãos. “O MP pode propor ação de natureza coletiva. Se entender que há indício de dano coletivo e que essas empresas devem indenizar a coletividade”, explica Bruno Boris, professor de Direito das Relações de Consumo, da Universidade Mackenzie.

Fernando Eberlin, professor de Direito do Consumidor da pós-graduação da FGV-São Paulo, explica que a primeira coisa que o MP deve fazer é instaurar um inquérito civil e, caso existam evidências do descumprimento da lei, ajuizar ação. É possível solicitar diversas medidas na ação, como que o produto seja retirado de circulação, pagamento de multa ou de indenização aos consumidores. Nesse último caso, se houver condenação, os consumidores que pleitearem indenização precisarão comprovar o dano que sofreram.

Em caso de multa, o valor pago vai para o Fundo de Direitos Difusos e deve ser empregado em ações de prevenção e fiscalização de danos ao consumidor.

Em nota sobre a Operação Carne Fraca, divulgada na última sexta-feira (1), o Ministério Público Federal no Paraná (MPF/PR), informou que “aguardará a conclusão dos relatórios e análises das diligências realizadas para promover possível oferecimento de denúncia de envolvidos no caso”.

Dano individual

Segundo os entrevistados, o dano individual é mais difícil de ser comprovado numa situação como essa das carnes, isso porque trata-se de um produto perecível, que pode passar por alterações não apenas no processo de produção, mas também no transporte e no armazenamento. Além disso, também difícil comprovar que uma pessoa tenha passado mal exatamente por causa de determinado produto, quando consome tantos tipos de alimentos.

Boris conta que nos últimos dias tem sido questionado por alunos e conhecidos: “como faz para processar pela carne estragada?”. E a resposta dele tem sido: “não faz”. Segundo o advogado, os custos com o processo e o risco de falta de prova, fazem com que uma ação deste tipo dificilmente valha a pena.

O professor da Mackenzie explica que ação poderá dar resultado positivo para o consumidor em um caso hipotético em que, por exemplo, o cliente compre duas peças de carne, passe mal após preparar uma, vá ao médico, e se constate que ele foi contaminado com salmonela. Se a outra peça, que ainda não foi preparada, também estiver contaminada e o lote for suspeito, o cliente pode utilizá-la como prova. Mas esse é um caso muito específico, que dificilmente vai acontecer.

Para se prevenir, Eberlin aconselha os consumidores a guardarem as notas das carnes que compram, assim como a embalagem – não necessariamente o pacote inteiro, mas a parte que contém a identificação e as informações sobre o produto.

No caso de alimentos que tenham sido distribuídos para grupos específicos, como a merenda escolar, há maior possibilidade de se ajuizar ação individual. Em entrevista ao Fantástico, o fiscal do Ministério da Agricultura Daniel Gouveia Teixeira relatou que em, uma análise, ele apurou que o que uma salsicha de peru não continha nada peru, mas apenas carne carcaça de frango. Além disso, o produto não continha o teor mínimo de proteína indicado, e tinha um teor de carboidrato acima do permitido pelo ministério da agricultura, e de sódio até 80 vezes maior do que o regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

“Constatado que o lote tal estava com alteração foi distribuído, todo mundo envolvido nessa escola poderá propor ação com legitimidade”, avalia Boris.

Eberlin lembra que há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o entendimento de que cabe dano moral quando houver ingestão de produto defeituoso. “A disponibilização de produto considerado impróprio para consumo em virtude da presença de objeto estranho no seu interior afeta a segurança que rege as relações consumeristas na medida que expõe o consumidor a risco de lesão à sua saúde e segurança e, portanto, dá direito à compensação por dano moral”, define um acórdão relatado pelo ministro João Otávio de Noronha.

Outro acórdão do STJ, também relatado por Noronha, deixa claro que o simples fato de comprar o produto com composição inapropriada não gera dano moral: “Não há dano moral na hipótese de aquisição de gênero alimentício com corpo estranho no interior da embalagem se não ocorre a ingestão do produto”.

Conheça a Lei

Código de Defesa do Consumidor (CDC)

Art. 6º, III: “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

Art. 9° O fornecedor de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou segurança deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto.

Art. 10. O fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança.

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Código Penal

Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:

Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa

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