A possibilidade de Adriana Ancelmo, esposa do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral, substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar chamou a atenção para um tópico do Código de Processo Penal (CPP) ainda pouco conhecido. Ela conseguiu a mudança no regime de prisão porque a lei possibilita que mulheres que tenham filhos com menos de 12 anos façam essa substituição.
O Estatuto da Primeira Infância, que neste mês completa um ano em vigor, alterou o CPP para que o artigo 318 tenha a seguinte redação: “Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos”. Apesar de ainda pouco conhecido, foi esse o dispositivo utilizado para que Adriana mudasse de regime.
Em primeiro grau, o pedido da defesa havia sido deferido, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) cassou a decisão sob o argumento de que muitas outras mulheres vivem a mesma situação, sem ter esse direito concedido. Para o desembargador Abel Gomes, se fosse diferente com Adriana, haveria quebra de isonomia. E, na última sexta-feira (24), a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atendeu o pedido liminar da defesa de Adriana e concedeu o direito à prisão domiciliar. A decisão ainda pode ser alterada no julgamento do mérito.
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A mudança de regime autorizada pela Justiça gerou questionamentos na sociedade e até protestos em frente à casa da família Cabral, no Rio de Janeiro. Arlanza Rebello, coordenadora do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, observa que é comum a decisão gerar debate na sociedade, pois contempla uma pessoa conhecida, envolvida em um escândalo de milhões de reais, a quem foi concedido um direito ainda pouco conhecido. A defensora aponta que o caso também ressalta a seletividade do sistema judicial brasileiro.
“O questionamento em torno da liberdade dela é pertinente porque o nosso sistema é muito seletivo. O fato de ser uma mulher muito conhecida traz, de certa maneira, esse olhar muito assimétrico do nosso sistema de defesa. No Brasil, quem está presa são mulheres pobres e negras”, diz Arlanza.
Por outro lado, a defensora espera que o destaque que foi dado ao caso sirva para que se perceba que essa é uma norma que deve ser aplicada a mais mães que estão em prisão preventiva. Ela ressalta que a alternativa é para pessoas que ainda não foram condenadas, mas estão esperando um julgamento e, portanto, também poderão ser absolvidas futuramente.
Regras de Bangkok
O Brasil é signatário das Regras de Bangkok, que preveem medidas para o tratamento de mulheres presas, entre as quais a possibilidade de alternativa à prisão para aquelas que tiverem filhos. A alteração no CPP é justamente uma maneira de se adequar a essas regras. Contudo, a prática ainda é limitada no Brasil. Na opinião de Arlanza, os tribunais ainda são muito conservadores e não atendem às orientações das regras internacionais.
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Alexandre Salomão, o problema é a leitura que se faz da lei. Como a legislação diz “poderá”, muitos juízes optam por não conceder essa possibilidade. Na opinião dele, a substituição de prisão preventiva por domiciliar para mães de crianças deveria ser regra. Ele relembra que para que ocorra prisão preventiva é preciso que a suspeita represente, de fato, um risco.
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De acordo com o CPP, para que uma pessoa cumpra prisão preventiva é preciso que incorra em uma das seguintes situações: represente riscos para sociedades – como continuar praticando o crime; obstrua as investigações; ou apresente risco de fuga.
Salomão observa que é cada vez mais comum mães serem presas preventivamente com os filhos pequenos. “As pessoas tratam disso com uma naturalidade tremenda, em virtude de um discurso de segurança pública”, observa o advogado. Ele cita casos dramáticos, como a presença de uma criança de 15 dias durante a última rebelião na Penitenciária de Piraquara. “As crianças acabam cumprindo pena junto”, diz o presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Critérios
O jurista René Ariel Dotti considera que a nova previsão do CPP não é obrigatória, mas uma alternativa. “O juiz precisa avaliar a natureza do crime praticado, interesse social da punição e o interesse da proteção de crianças”. Ele acrescenta que dois aspectos precisam ser levados em conta: o racional, que envolve a natureza do crime e sua repercussão; e o emocional, por haver um drama, o de crianças que têm as mães presas.
“É preciso analisar para que não se transforme uma solução que é aparentemente humanitária em uma anarquia no sistema”, avalia Dotti.
A coordenadora do Nudem observa, por outro lado, que a prisão preventiva não significa deixar as mulheres livres. “Não é que deixem de responder pelos seus atos. Não estamos dizendo que mulheres podem cometer crimes e pronto. Estamos dizendo que existem alternativas”, diz Arlanza.
Salomão sustenta que a gravidade do crime não é suficiente para se decretar a prisão preventiva. Ele defende que essa medida seja estendida até para mulheres que já foram condenadas.
Os entrevistados são unânimes em lembrar que muitas das mulheres que estão no sistema carcerário não representam riscos, e muitas vezes cometeram crimes como transportar drogas para os maridos por sofrerem ameaças ou na tentativa de evitar que os que já estão presos sofram retaliação.
Interesse da criança
A promotora Juliana Gonçalves Krause Kohlmann, da Segunda Promotoria da Infância de Curitiba, destaca que as decisões judiciais devem levar em conta o interesse da criança e que a política é priorização da convivência familiar. Segundo ela, o Ministério Público prima por essa convivência.
“Além de ser direito constitucional, a convivência com a família é importante para a saúde da criança. É comprovada a importância do convívio com a mãe nos primeiros anos de vida. O carinho, o afago, contato físico previne até doenças”.
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