• Carregando...
 | Reprodução
| Foto: Reprodução

A agressão durante o Big Brother Brasil do cirurgião plástico Marcos Härter contra a estudante Emilly Araújo, transmitida em rede nacional, fez com que a polícia fosse até a Globo e o médico acabasse sendo excluído do programa pela emissora. Mas quando não há câmeras, na esfera privada, a proteção das vítimas de violência doméstica é mais difícil. Ainda assim, a legislação brasileira tem mecanismos para que a mulher seja protegida mesmo que resista em denunciar.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2012, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, que o Ministério Público (MP) pode dar início à ação penal sem a representação da vítima. O entendimento dos ministros foi que a antiga redação do artigo 16 da Lei Maria da Penha, que condicionava as ações penais públicas à representação da ofendidas, esvaziava a proteção constitucional das mulheres. Desde então, quando há agressão física, o MP pode ajuizar a ação independentemente da vontade da mulher.

Leia também: Estupro: mais importante que conhecer o perfil da vítima é traçar o do agressor

A advogada e presidente da Comissão de Estudos de Violência de Gênero da seccional paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Sandra Lia Leda Bazzo Barwinski, explica que essa medida é importante para acabar com a cultura ainda muito forte no Brasil de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. Segundo ela, a ação de terceiros é importante porque, em média, uma mulher que sofre violência leva 10 anos para fazer a primeira denúncia.

“A violência no âmbito das relações familiares, com vínculo entre autor e vítima, é muito mais complexa do que os casos de crime comum”, diz Sandra Lia. Ela explica que é comum a vítima fazer o registro da ocorrência e, depois, no tempo que decorre até ela depor diante do juiz, desistir porque o agressor some ou porque ele promete que vai mudar. Por isso, a advogada destaca a necessidade de o amparo às vítimas não se restringir ao boletim de ocorrência, mas também deve incluir orientação. “Atendimento não é só B.O., é preciso empoderamento e fortalecimento como pessoa”, diz.

Quando terceiros podem denunciar?

Sempre que houver suspeita de violência doméstica é possível fazer denúncia. O telefone 180, que funciona em todo o território nacional, é um dos canais em que se pode comunicar os casos. O denunciante pode se identificar ou não; ou ainda pode se identificar na hora da denúncia, mas pedir para não ter o nome citado no processo.

Se o caso se tratar somente de ameaça, o processo só poderá ter início com a concordância da vítima. A desembargadora Lenice Bodstein, da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID), destaca que a ameaça trata-se de violência psicológica. Nesse caso, a vítima teve a chance de chance de se defender, por conversa, silêncio ou saindo do local.

Já na violência física, a mulher, em geral, está em desvantagem física, tem mais dificuldade para desvencilhar e, por isso, mesmo que ela não queira, o MP pode prosseguir com o processo contra o agressor.

Lenice conta que “uma das questões mais tormentosas” é a prova, especialmente quando a vítima não concorda com denúncia. Mas ela diz que fotos das lesões têm sido utilizadas cada vez mais como alternativa para comprovar que a violência ocorreu.

Sandra Lia ressalta a importância de se fazer boletim de ocorrência mesmo em casos de ameaça, pois, se futuramente ocorrer um ato mais grave, haverá um histórico daquela violência. A advogada ressalta que a denúncia é uma forma de proteger a vítima que sofre uma violência mais grave e também é uma proteção ao próprio agressor para que não cometa crimes de maior potencial ofensivo.

Leia também: É possível que um participante de reality show processe outro?

Consequências

Emilly, a participante do Big Brother Brasil, argumentou para suas colegas de casa que não teria sido agredida e não se machucou. Mas, em uma das cenas de discussão, Marcos a segurou mais forte e ela disse que estava doendo. Além disso, uma das colegas de casa observou uma marca roxa no braço da jovem por causa de outra discussão.

Lenice ressalta que o crime não se caracteriza pelo tamanho da lesão. “É pelo princípio da integridade física: tocar de forma não consentida e com uma força que impede que a vítima tenha um ato de liberação”. A desembargadora considera que, apesar de lamentável, a situação ocorrida no BBB tem como ponto positivo trazer a questão da violência contra a mulher para o debate público.

O advogado Jovacy Peter Filho, professor de direito penal da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), explica que um agressor pode responder pelos atos de diferentes maneiras. No Código Penal, há o crime de ameaça, com pena de um a seis meses ou multa; e o crime de lesão corporal, com pena de três meses a um ano.

No caso de lesão corporal, se a lesão não for grave, e a pena não ultrapassar um ano, não há nem sentença. O agressor pode abdicar de sua versão e o processo fica suspenso por dois anos. Durante esse período, o magistrado pode determinar que ele se apresente periodicamente em juízo e participe de grupos terapêuticos.

Peter Filho aponta que há ainda a contravenção penal, que é praticar vias de fato, quando, por exemplo um uma agressão não chega a causar lesão. A pena é de 15 dias a três meses, e caso o agressor seja condenada deixa de ser réu primário. Na opinião dele, a legislação é muito antiga – de 1941 – e o ato chegar às vias de fato já deveria ter sido incluído no Código Penal. Ele destaca que a tendência das varas de proteção a mulher é tratar as agressões como crime e não como contravenção.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]