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Cuida, leitor: tu, eu e todos devemos um naco de nossas liberdades cidadãs a esta ideia: não há crime nem pena sem lei certa, precisa, clara. Comportamentos só podem ser criminalizados mediante textos autoexplicativos: eu leio e sei exatamente aquilo que o Estado proíbe. Trata-se do princípio da taxatividade da norma penal. Deriva de outro princípio constitucional, o da reserva legal: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Habitam nestes princípios ao menos duas pretensões: 1- permitir que saibamos claramente o que podemos fazer, o que não podemos e o que acontece se fizermos o que não podemos (segurança jurídica cidadã contra o poder punitivo estatal); 2- dar ao Estado um instrumento capaz de coagir as pessoas a não delinquirem (teoria da prevenção geral negativa da pena).

O Senado andou maltratando o princípio da taxatividade. É o que se extrai do substitutivo ao PLC 101/2015, aprovado em 28 de outubro, que assim propõe a criminalização do terrorismo: “Art. 2º. Atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político, intolerância religiosa ou preconceito racial, étnico, de gênero ou xenófobo, com objetivo de provocar pânico generalizado”. A pena, de 16 a 24 anos de reclusão, caberá ainda para inúmeros outros comportamentos, como causar incêndio em local de circulação de pessoas ou apoderar-se de rodovia, escola ou edifício público ou privado, desde que “observada a disposição do caput”. Dos maus tratos acima aludidos, destacamos dois: 1- a palavra atentar é um falso verbo. O texto não designa o que se atenta ou tenta “contra pessoa”. Assim, o disegno di legge oculta o verbo, valendo-se de um falso verbo. Falha justamente na mais importante parte da norma incriminadora, denominada núcleo do tipo, que é a definição da conduta. Isto atrapalha a compreensão da norma por parte de qualquer pessoa; 2- o crime só poderá ser praticado mediante especiais motivações, dentre as quais a de “extremismo político”. O art. 2º, parágrafo 1º tenta esclarecê-la. Será terrorismo por extremismo político “o ato que atentar gravemente contra as instituições democráticas”. Ora, continua-se na mesma: o que é atentar gravemente contra instituições democráticas? Uma vez aprovado o texto, algo como “o que o juiz achar”?!

É certo que a Constituição aludiu ao crime de terrorismo, impondo ao legislador infraconstitucional que o definisse e regulamentasse. Porém, não há crime nem pena sem lei certa, precisa, clara! Do contrário, além dos terroristas, legisladores também poderão ser acusados de causar “pânico generalizado”. É o que ocorre na falta de segurança jurídica diante do poder punitivo estatal.

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