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Veja alguns dos programas do governo Lula que deverão integrar a CLS |
Veja alguns dos programas do governo Lula que deverão integrar a CLS| Foto:

Entrevista

Ivanete Salete Boschetti, presidente do Conselho Federal de Assistência Social.

Como a senhora vê essa iniciativa do governo de tentar criar uma Consolidação das Leis Sociais (CLS)?

Essa discussão é muito intempestiva. A partir do que eu li nos jornais, eu não tenho elementos para dizer o que eles vão fazer em relação a isso. O que concretamente significa apresentar essa CLS. A Lei Orgânica da Saúde, da Previdência e da Assistência Social vão ser revistas? Ampliadas? E em que direção isso vai ser feito? O governo deve ser mais claro em relação ao que ele quer exatamente com essa CLS. Temos poucas informações de qual a intenção e do que concretamente vai ser feito.

O governo fala em usar a CLS para transformar os programas sociais em leis e assim garantir a permanência deles em outros governos. O que a senhora acha disso?

Leis têm um diferença em relação aos programas sociais. Porque as leis delimitam um direito social e nem todo programa social tem a característica de um direito social. Um simples programa não é caracterizado como um direito social. Cada direito é implementado por programas, ações e projetos que estão inseridos em um plano de governo.

Isso pode engessar as ações de próximos governos na área social?

Uma lei não é eterna, sempre é passível de mudanças. Então, colocar um programa numa lei não vai garantir a eternidade dele.

O fato de essa discussão ser colocada em ano eleitoral preocupa a senhora?

Como é um ano eleitoral eu me preocupo que isso possa a vir ser usado como um componente clientelista. O que seria um grande retrocesso.

Há outras preocupações?

A minha primeira preocupação é que essa discussão possa incorrer na mudança de leis que já existem e possa a levar a uma revisão e a retrocesso dos direitos sociais. Também me preocupa que nessa discussão se confunda aquilo que é programa social, com o que é lei e direito social.

Como a senhora avalia a política social do governo Lula?

Não dá para fazer uma avaliação genericamente sobre esse setor. Porque algumas áreas tiveram ganhos e outras não. Na política de saúde, temos um sistema que se mantém, mas que não tem grandes investimentos. Não se pode dizer que houve avanços. Na área de assistência social, foi onde houve a maior ampliação de número de pessoas atendidas, principalmente com o Bolsa Família. O programa tem uma embalagem clientelista e com valores restritos, mas não podemos negar que foi ampliada a rede de pessoas atendidas.

Os ministros que fazem parte do grupo responsável por elaborar o anteprojeto da Consolidação das Leis Sociais (CLS) vão se esforçar para concluir parte do trabalho até o início do mês que vem e conseguir levar a discussão ao Congresso ainda em março. A pressa em enviar o anteprojeto, no entanto, não deve se refletir no empenho da base governista em aprovar ainda neste ano a proposta. No discurso do presidente Lula na abertura dos trabalhos legislativos de 2010, a proposta não foi citada e o governo não deve pedir regime de urgência para acelerar a votação do projeto. Os governistas podem tentar estender a discussão sobre a CLS de modo que ela chegue ao período eleitoral e sirva para alavancar a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência. A ideia de "eternizar" os programas sociais do governo petista foi lançada por Lula no ano passado. Em agosto, o presidente manifestou a intenção para evitar que algum "engraçadinho" acabasse com o que ele chamou de vitórias do seu governo. A proposta casa com o discurso que Dilma adotará na campanha eleitoral deste ano – continuar o trabalho de Lula – e foi levada em frente.

No fim de janeiro, o presidente assinou um decreto que criou um grupo de trabalho interministerial para elaborar o anteprojeto da CLS e o enviar em março ao Congresso. O objetivo é que ela funcione como uma Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) da área social. A CLS deverá reunir todos os programas sociais, unificando as leis já existentes a outras que devem ser criadas para regulamentar ações da área que foram criadas por meio de decretos e portarias.

"A questão é eleitoreira. Porque essa proposta da consolidação vai beneficiar o discurso de Dilma como candidata de Lula", avalia o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB). Para ele, além de beneficiar a ministra, a proposta ainda colocará a oposição em situação complicada. "Se a oposição pegar forte contra a proposta, vai ser tachada de antissocial, retrógada e que não quer beneficiar o povo."

Mesmo sob o risco de comprar uma briga impopular em ano eleitoral, o senador tucano Alvaro Dias (PR) avalia que a oposição vai rejeitar a CLS. "Ela é irrelevante do ponto de vista prático. Na verdade, eu vejo nisso um objetivo eleitoreiro, uma intenção de marketing", analisa.

O deputado Dr. Rosinha (PT-PR) defende o governo. Para ele, o fato da discussão chegar ao Congresso apenas em 2010 é uma coincidência. "Não há uma intenção eleitoreira. O que acontece é que só agora houve um acúmulo de experiência ao longo dos sete anos de governo para fazer essa proposta", afirma. O petista justifica a necessidade da CLS: "Temos de ter uma política para a área social".

Trabalhos

O grupo interministerial que irá elaborar a CLS é comandado pelo ministro Luiz Dulci (Secretaria-Geral da Presidência) e terá até 60 dias para concluir o trabalho. Mas a previsão é que ele se estenda um pouco mais. Segundo informações do jornal Valor Econômico, o grupo deve sistematizar o trabalho em dois momentos.

Primeiro, deve enviar ao Congresso programas sociais do governo que foram criados por meio de decretos e portarias para que sejam transformados em lei. Depois, reunirá em uma única lei toda a legislação social.

Lula pode virar outro "pai dos pobres"

Ao lançar a ideia de criar a Consolidação das Leis Sociais (CLS), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só criou mais uma bandeira para a campanha da ministra Dilma Rousseff à Presidência como também conseguiu se aproximar ainda mais da imagem do presidente Getúlio Vargas, criador da Con­­solidação das Leis Trabalhistas (CLT). A legislação ajudou Ge­­túlio a ganhar a imagem de "Pai dos Pobres" e entrar para a histórica como um mito.

Na avaliação do historiador Marco Villa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o presidente Lula que usar a CLS para fortalecer a sua imagem e reforçar a ideia de mito. Segundo o historiador Dennison de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autor do livro Os soldados alemães de Vargas, é até possível fazer um paralelo entre o momento político em que a CLT foi feita e o atual. "A ditadura varguista se apoiava numa ampla coalizão de forças políticas e sociais, englobando diversos setores econômicos monopolistas e camadas sociais que se identificavam com a mística do ‘pai dos pobres’, e que, em algum grau, se sentiam atendidas pelo governo de Getúlio. Parece claro que Lula conseguiu fazer o mesmo. Levou para dentro do governo representantes dos grandes interesses econômicos, ao mesmo tempo em que conseguiu realizar uma política social capaz de ser vista como funcional para as camadas mais pobres da população", compara.

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