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Plenário da Câmara teve momentos de inquietação com a proposta para “perdoar” o caixa 2 passado | Antonio Augusto / Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara teve momentos de inquietação com a proposta para “perdoar” o caixa 2 passado| Foto: Antonio Augusto / Câmara dos Deputados

Embora nenhum parlamentar tenha aparecido nesta terça-feira (20) na Câmara dos Deputados para abertamente defender a anistia aos políticos que no passado adotaram o chamado “caixa 2”, já se sabe que a tentativa de inserir a novidade na legislação eleitoral, em uma tumultuada sessão na noite de segunda-feira (19), pode certamente ser considerada uma obra coletiva, e do “alto clero”. Quase a totalidade dos líderes partidários teria participado da elaboração da proposta para garantir que as punições aos políticos que utilizaram recursos ilícitos só valessem a partir das próximas eleições.

Além da informação sobre o envolvimento do “alto clero” no episódio, a ressaca da terça-feira (20) também revelou que, agora, dificilmente tal proposta será retomada, ao menos no curto prazo. Reservadamente, parlamentares classificaram de “estúpida” a forma como se tentou aprovar a “anistia”. “É de uma ingenuidade gigante achar que isso seria aprovado desta forma”, comentou um político à reportagem.

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O caso

No início da noite de segunda-feira (19), quando a Câmara dos Deputados já entrava na terceira sessão no plenário, parte dos quase 300 parlamentares que registraram presença demonstraram surpresa com a pauta. Estava para votação um projeto de lei que já havia sido rejeitado nove anos atrás pela Casa.

O primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PRB-SP), que comandava os trabalhos na ocasião, avisou que o projeto de lei 1.210, de 2007, estava recebendo um substitutivo, a ser relatado por Aelton Freitas (PR-MG). O projeto de lei original, focado em mudanças na legislação eleitoral, é de autoria de um político que não exerce mais mandato na Casa, Regis de Oliveira (PSC-SP). No plenário, contudo, ninguém soube dizer quem seria o autor do substitutivo.

Sob protestos encabeçados pelos parlamentares do PSol e da Rede, o substitutivo acabou sendo retirado da pauta. O conteúdo do texto, alertaram políticos das duas legendas, traria uma “anistia” para aqueles que no passado praticaram “caixa 2” e estava sendo apresentado em função dos possíveis desdobramentos da Operação Lava Jato.

O projeto de lei original prevê financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais e punições para pessoas físicas, jurídicas, partidos políticos e candidatos que não obedecessem à nova regra. No caso dos políticos, eles responderiam por abuso de poder econômico e perderiam o mandato. Tal “roupagem” do projeto de lei original seria mantida, mas o substitutivo determinaria que as punições só seriam aplicadas daqui para frente, o que na prática pouparia o “caixa 2” do passado.

Após a polêmica, Mansur optou por retirar a proposta da pauta. No dia seguinte, a Câmara dos Deputados estava esvaziada, a ponto de a sessão do Congresso Nacional que deliberaria sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 ter sido cancelada por falta de quórum. Entre os poucos presentes na Casa estava Beto Mansur, que em entrevistas à imprensa tentava explicar o episódio da noite anterior.

Reunião de líderes

Beto Mansur disse à imprensa que desconhece o conteúdo do substitutivo e que apenas colocou em votação porque o texto havia saído de uma reunião dos líderes partidários, presidida por Waldir Maranhão (PP-MA), presidente da Casa em exercício, já que Rodrigo Maia (DEM-RJ) está no lugar do presidente da República, Michel Temer (PMDB), em viagem ao exterior.

“Acho que com exceção dos líderes do PSol e da Rede Sustentabilidade, quase a totalidade dos líderes partidários estavam na reunião. E quem decide a pauta é o presidente da Casa em conjunto com o colégio de líderes. Não sou eu”, afirmou Mansur, ao negar participação direta no caso.

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Na reunião, o líder do PSDB, Antonio Imbassahy (BA), é quem teria lido o substitutivo aos colegas. Nesta terça, o tucano não apareceu na Casa para falar com a imprensa. Nem Aelton Freitas, o relator da matéria. “Quando eu percebi na sessão que os líderes não tinham conversado com seus liderados, eu retirei a proposta da pauta. Eu senti que o plenário não queria votar aquilo”, se esquivou Mansur.

Questionado sobre se Rodrigo Maia sabia da “anistia”, Mansur comentou que o presidente da República em exercício “me disse que só tinha autorizado a inclusão de um projeto de lei que partisse das ‘Dez Medidas’, do seio da sociedade”. Mas o projeto de lei 4.850/2016, conhecido como as Dez Medidas Contra a Corrupção e capitaneado pelos investigadores da Lava Jato, ainda está sendo analisado por uma comissão especial aberta na Casa.

Na audiência pública da comissão especial realizada nesta terça-feira, o episódio da “anistia” recebeu duras críticas. “Como é que a maioria dos líderes partidários faz essa besteira? E agora o substitutivo não tem nem mãe, nem pai, nem tio?”, afirmou o líder do PSol, Ivan Valente (SP), que alega não ter sido convidado para a reunião.

Reação dos políticos

Outro nome que não esteve no encontro dos líderes foi o paranaense Rubens Bueno, à frente da bancada do PPS. Ele alega que se recusou a participar de uma reunião conduzida por Waldir Maranhão. À imprensa, o pepessista comparou o episódio na Câmara dos Deputados com os desdobramentos da Operação Mãos Limpas, na Itália, que também é frequentemente mencionada pelo procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF), e pelo juiz federal Sergio Moro, à frente da Vara Criminal que recebe os processos da operação na primeira instância.

Para o líder do PPS, o Legislativo brasileiro parece copiar o caso na Itália, onde, em 1993, “apavorados” com o andamento dos trabalhos dos investigadores da Mãos Limpas, os políticos daquele País tentaram aprovar uma lei que “descriminalizava” o financiamento ilegal, o caixa 2. A ideia, contudo, gerou reação popular e acabou enterrada.

Também da bancada do Paraná, o deputado federal Sandro Alex (PSD) disse à reportagem que “o temor deve ser grande”. “Para eles terem colocado uma medida do tipo a 15 dias das eleições, é porque a preocupação é enorme”, opinou ele, que na sessão de segunda-feira se juntou aos parlamentares que cobraram a retirada da matéria. “Me senti enganado. A gente tinha sido convocado para votar uma pauta do Congresso Nacional e pareceu que estávamos lá para votar isso [a “anistia”]”, apontou ele.

Em março, uma lista com o nome de mais de 200 políticos que teriam recebido recursos da empreiteira Odebrecht veio à tona no âmbito da Lava Jato. A licitude ou não das doações estaria sendo agora tratada por dirigentes da empreiteira, em acordos de delação premiada com investigadores da operação.

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