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João, Mariley e os dois filhos moram na área mais carente da paupérrima Vila Pantanal, área de invasão de Curitiba. Eles vivem na miséria, mas nas estatísticas figuram “apenas” como pobres | Fotos: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo
João, Mariley e os dois filhos moram na área mais carente da paupérrima Vila Pantanal, área de invasão de Curitiba. Eles vivem na miséria, mas nas estatísticas figuram “apenas” como pobres| Foto: Fotos: Hedeson Alves/ Gazeta do Povo

Erradicação passa pelo Bolsa Família

A erradicação da miséria e a redução da pobreza no Brasil passa pelo programa Bolsa Família, na avaliação não só do Palácio do Planalto, mas também do economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Côrtes Neri. Ainda que não tenha adiantado data e valor, a presidente eleita Dilma Rousseff confirmou o reajuste do valor e a ampliação do benefício, que hoje atende 12,7 milhões de famílias, ou algo em torno de 50 milhões de pessoas, ou seja, mais de um quarto dos brasileiros.

O governo estima que gastará no ano que vem R$ 13,4 bilhões em benefícios, R$ 300 milhões a mais que este ano. Segundo Marcelo Neri, o Bolsa Família é um dos três fatores responsáveis pela queda dos níveis de pobreza e miséria, junto com o aumento do emprego e renda e aumento do salário mínimo. Pelos cálculos de Neri, o país precisaria de um grande programa nacional de erradicação da pobreza e da miséria, a um custo anual permanente de R$ 20,8 bilhões. O sucesso do programa passaria pelo Bolsa Família, que teria de ser aprimorado e ampliado. "O governo sabe quantos são os pobres e onde eles estão", diz.

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  • O borracheiro Luiz Sérgio Basílio está na estatística da pobreza, enquanto Elza do Nascimento ao fundo, aparece na da miséria
  • Promessa de Dilma Rousseff (PT) antecipa em dois anos a erradicação da miséria

ões de pessoas na pobreza e 22 milhões na miséria em 2003. O grande feito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dito por ele próprio, foi retirar 28 milhões de brasileiros dessa condição em oito anos. Dilma promete completar o serviço em quatro anos, pondo fim à miséria até 2014 e reduzindo a pobreza a 4% da população. Estaria antecipando em dois anos o avanço que o Ipea previu para o país em julho. Os miseráveis subiriam para o status social dos pobres, que estariam reduzidos a menos de 8 milhões. Porém na prática a diferença entre eles é quase imperceptível. Na mesma Vila Pantanal mora a desempregada Elza Aparecida Santos do Nascimento, 42 anos, e o borracheiro Luiz Sérgio Basílio, 41. Elza vive com o marido, José Aparecido de Castro, 40, e com o filho Cleiton, de 4 anos e 8 meses. Luiz mora com a mulher, dois filhos, a nora e uma neta. Apenas uma cerca de arame separa o barraco de Elza da casinha de Luiz, mas, pelos critérios do Ipea, ele é pobre, ela é miserável. Os porquês: pobre é quem tem renda domiciliar mensal de até meio salário mínimo (R$ 255), miserável ganha por mês um quarto de salário mínimo (R$ 127,50). Contudo, a realidade de lugares como a Vila Pantanal revela na prática que não só a renda define quem é pobre ou miserável, mas as condições gerais de vida, como habitação, saneamento, educação, estabilidade e qualidade dos serviços públicos. Pobre ou miserável? A família de Elza sobrevive da renda variável do marido, servente de pedreiro, que gira em torno de R$ 200 nos meses mais produtivos. Somados os R$ 45 do Bolsa Família e outros R$ 35 de auxílio de programas municipais, a renda familiar não chega a R$ 300 mensais. Na melhor das hipóteses, dá R$ 100 per capita, ou seja, bem abaixo da linha de corte do Ipea para a miséria. Já o borracheiro recebe R$ 900 por mês do INSS por causa de um acidente de trabalho ocorrido há seis anos. O filho ajuda na renda com mais R$ 575 por mês, fruto de trabalho com carteira assinada. A renda per capita na família de Luiz é de R$ 245. Pelas estatísticas, mais R$ 10 tirariam a família de Luiz da pobreza, apesar de suas condições de vida pouco diferir da miserabilidade da vizinha Elza. Ainda pelo critério de renda, Luiz está na classe C, condição dos lares que recebem entre R$ 1.115 e R$ 4.807 por mês. Essas contradições estatísticas também incluem João e Mariley, cuja renda catando lixo reciclável varia conforme o mês. Em condições normais, dá algo em torno de R$ 700. Dividido por quatro (incluindo os filhos de 10 e 16 anos), eles têm renda per capita mensal de R$ 175. Para reforçar o orçamento, criam no quintal 10 porcos, 20 cabritos e três cavalos. ?Não sei se tô falando certo ou errado, mas acho que vai ficá do jeito que tá mesmo?, diz João sobre as promessas de Dilma de erradicar a miséria no país. Para ele, figurar na estatística dos pobres ou na dos miseráveis não faz diferença. Ele próprio é um exemplo da gangorra em que vivem os brasileiros dos dois estratos mais baixos da pirâmide social. Nessa atividade, os ganhos variam conforme o clima, a época do ano, as crises econômicas. Em meses de coleta ruim, o mau desempenho coloca-o abaixo da linha da miséria do Ipea. Assim, nos meses de coleta boa ele é pobre, nos meses ruins, é miserável. Gente como João vive na instabilidade, sem uma renda estável. No Brasil existem pelo menos 800 mil carrinheiros, segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável. A maioria não tem amparo de associações ou cooperativas, o que os deixa vulneráveis às intempéries do dia a dia. Ele pode melhorar a renda num mês, mas piora no seguinte. Há explicações para isso. A professora de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná Luciana Veiga diz que as conquistas sociais dos últimos anos não estão consolidadas e mudanças no cenário econômico do país podem reverter a melhoria de vida, seja através do Bolsa Família, ganhos do salário mínimo ou de aposentadorias. A construção de uma camada social menos miserável e pobre ainda é instável, segundo ela. ?O marido (em uma família) é empregado, mas se ele ficar doente e passar cinco dias em casa, vai faltar dinheiro e a família vai passar fome. Se tiver que comprar remédios, a família vai passar fome.? Por isso ela defende políticas públicas voltadas para essa camada da população para evitar que elas fiquem desabrigadas num cenário econômico ruim. Divergências As projeções do Ipea divergem das do economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcelo Côrtes Neri. A FGV projeta redução da pobreza em 61,77% até 2016, enquanto o índice do Ipea chega a 86,1%. Neri projetou para frente o desempenho excepcional do período 2003 a 2008 em termos de evolução do crescimento e da redistribuição de renda no país. A união harmoniosa desses vetores, explica ele, teria como resultante prospectiva a queda da pobreza à metade nos próximos cinco anos. Ele lembra que a primeira meta do milênio proposta pela ONU é reduzir a pobreza à metade em 25 anos, o que poucos países já atingiram nos 20 anos já transcorridos. Segundo Neri, para se chegar aos índices do Ipea a renda do brasileiro teria de crescer 145% em sete anos, isto é, 15% ao ano em termos totais ou 13,6% ao ano em termos per capita. Em suma, nesse cenário todos os componentes de redução de pobreza estão bem acima daqueles observados no excepcional período de 2003 a 2008. ?Isso não significa que a pobreza não possa cair 86,1% em sete anos, mas para que isso seja consistente, a redução de desigualdade teria de ser 39,7% maior que a maior queda observada na nossa história estatisticamente documentada, além disso o crescimento da renda brasileira teria de ser 15% ao ano por sete anos?, diz. PR pode ser o primeiro estado sem miséria A julgar pelas projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base no ritmo da redução da pobreza no governo Lula (2003-2008), o Paraná será o primeiro estado a erradicar a pobreza absoluta já em 2013. A mesma condição pode ser alcançada no ano seguinte por São Paulo e em 2015 pelo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Distrito Federal. Em situação oposta, Alagoas, Maranhão, Pernambuco, Paraíba e Piauí têm desafio maior para que a média nacional de pobreza absoluta fique em 4% da população em 2016. Nesses estados, essa taxa ainda estava acima de 50% da população em 2008. Já a condição de pobreza extrema será eliminada no país até 2016. Mas o Ipea prevê que Paraná e Santa Catarina superarão essa condição já em 2012. No ano seguinte, atingiriam o mesmo objetivo Goiás, Espírito Santo e Minas Gerais. Em 2014, a miséria seria eliminada em São Paulo e Mato Grosso. ?Mas para que essa projeção se torne realidade, os estados terão de apresentar ritmos diferenciados de redução da miséria, uma vez que registram enorme assimetrias nas taxas atuais de pobrezas extremas, como se pode observar entre Alagoas (32,3%) e Santa Catarina (2,8%)?, diz um trecho do estudo do Ipea. Segundo a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luciana Veiga, há três fatores chaves para explicar o desenvolvimento social diferente nas regiões Norte e Nordeste em relação ao Sudeste e, principalmente, ao Sul: distribuição de terra, característica patrimonialista e a qualidade da oferta dos serviços públicos. A combinação desses itens ao longo da história brasileira criou essa diferenciação regional. ?A distribuição de terra historicamente sempre foi mais justa no Sul do que no Norte e Nordeste. Aqui sempre teve a cultura da cooperação, menos patrimonialista, do que no Nordeste?, diz. Isso levou ainda a uma oferta melhor de serviços públicos, que aceleram a melhoria econômica e social da população sulista em relação à nortista. ?Quanto menos patrimonialismo, mais as pessoas são cívicas.?

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