• Carregando...
Jorge Brand, um dos mentores da Bicicletada: debate do transporte público passa pelo pedestre e pelo ciclista. | Rogério machado/Arquivo Gazeta do Povo
Jorge Brand, um dos mentores da Bicicletada: debate do transporte público passa pelo pedestre e pelo ciclista.| Foto: Rogério machado/Arquivo Gazeta do Povo

Estação penúria

Reportagem percorre linhas de ônibus em diferentes regiões de Curitiba. Os pobres são reféns dos pula-catracas. A classe média reclama da qualidade do serviço

Leia a matéria

"Olhe, para pegar a classe média vai ter de ser um ônibus muito do bom", brinca o advogado Marcelo Araújo, especialista em trânsito, ao ser perguntado, à queima-roupa, sobre como convencer a parcela economicamente mais estável a usar o transporte coletivo em Curitiba. A boca-pequena diz-se que só por milagre ou decreto. O tema desperta paixões. Em meados do ano passado, a capital bateu a casa de um milhão de veículos. De lá para cá, os congestionamentos constantes viraram o atletiba nosso de cada dia. Ou se acha uma solução para a "sãopaulização" da cidade ou arrisca, hora dessas, haver uma invasão desesperada das canaletas, outrora símbolo do município mais civilizado da América Latina. ´Seria um desfecho melancólico para a cidade que exportou pelos quatro costados suas inventivas políticas de transporte coletivo bom, barato e bonito. Bons tempos. Para manter-se no posto, Curitiba vai ter de desfazer o nó do novelo. Um dos primeiros passos – concordam estudiosos ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo – é fazer com que a classe média novamente cruze a roleta, devolvendo ao ônibus a dignidade perdida e, com sorte, algum glamour. Hoje, os mais abonados estão incluídos nos 22% da população que prefere o carro e abomina o coletivo. Se parte deles se somassem ao proletariado, como em tempos idos, o número de usuários saltaria dos 45% atuais para os 60% necessários à saúde financeira do sistema.

Resta saber o que levaria os 350 mil curitibanos que circulam diariamente pelas ruas – a maioria absoluta sem sequer dividir o banco do passageiro com alguém, merecendo nota zero no quesito carona solidária – a uma mudança de hábitos. Há respostas óbvias, como a melhora da qualidade. O sistema é lento, desconfortável, malcheiroso e muito caro para quem faz viagens curtas. Nas atuais condições, alguém deixaria o carro particular na garagem só se estivesse incorporado pela ideologia ambiental do Greenpeace.

Mas tudo indica que a equação não se resolva apenas com limpeza, rapidez e bom preço. Tem de ser colocado nessa conta a complexidade de uma cidade que atinge 1,7 milhão de habitantes – 3 milhões somando as vizinhas. Não é difícil imaginar a rotina no trânsito de um profissional liberal que circula por três-quatro endereços por dia em lugares muito distantes. Nem a vida de uma mãe que trabalhe fora e tenha filhos em idade escolar. Sem falar no poder da publicidade gerada pela indústria automobilística – "você fez por merecer", diz um dos slogans da hora. Pegar ônibus virou coisa de quem não venceu na vida.

O arquiteto e urbanista Fábio Duarte, coordenador do mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), aponta que um dos enroscos é justamente a falta de um estudo que mostre em detalhes origem e destino dos passageiros, o que poderia ser muito esclarecedor na consolidação de novas rotas dentro da cidade. O liberal e a mãe-que-trabalha podem ter a chave do segredo. "Os estudos da Urbs dizem que a maior parte dos passageiros é de Curitiba. É um cálculo errado, pois não leva em conta a multidão que sai da região metropolitana e pega dois-três ônibus na capital. Saber mais sobre os percursos poderia mudar tudo", explica.

A observação de Duarte faz sentido. É bem provável que as linhas em operação não satisfaçam uma boa parcela dos usuários, em especial os que circulam dentro de seus próprios bairros ou nas regionais. Para esses, é mais barato o carro, o que os desacostuma por tabela do uso do ônibus para outras viagens também. "Há exemplos de cidades que conseguiram baixar 30% das tarifas em percursos curtos, dentro dos bairros", comenta o filósofo Jorge Brand, um dos líderes do Bicicletada, movimento social que mais pressionou a prefeitura, nos dois últimos anos, a rever sua política de mobilidade.

Em 22 de setembro próximo, Dia Mundial sem Carro, a turma da Bicicletada vai reunir na Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR) os candidatos à prefeitura para arrancar deles um compromisso por escrito de que dias melhores virão para quem anda a pé ou sob duas rodas. A questão corre em paralelo ao caos do trânsito, tem mobilizado parte da opinião pública, num dos raros momentos em que os curitibanos espreguiçam a pasmaceira política. No mais, trânsito virou um discurso intransigente das classes médias, que querem agilidade, espaço, nem que para isso seja preciso derrubar praças e bosques.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]