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Mauro Ricardo Costa, secretário da Fazenda e idealizador do pacotaço, diz que todas as medidas são positivas. Não é o que pensam os servidores e especialistas. | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Mauro Ricardo Costa, secretário da Fazenda e idealizador do pacotaço, diz que todas as medidas são positivas. Não é o que pensam os servidores e especialistas.| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Fontes do governo do Paraná e deputados da base aliada admitem que um dos principais erros do “pacotaço” enviado à Assembleia Legislativa foi ter misturado mais de uma dezena de assuntos complexos e totalmente distintos em apenas dois projetos de lei. E, um erro maior ainda, foi ter tentado aprová-los na base do tratoraço, em menos de uma semana de tramitação. O resultado foi que as medidas de uma maneira geral − mesmo as propostas positivas − receberam o carimbo de prejudiciais à população e ao funcionalismo público. O secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, porém, garante que todas elas são benéficas e já deram certo em outros estados e mesmo na União. “Não tem nenhuma jabuticaba paranaense [no ‘pacotaço’]”, afirmou. A reportagem da Gazeta do Povo foi buscar esses precedentes e ver os prós e contras de cada um deles. Leia abaixo:

MEDIDAS CONSIDERADAS NEGATIVAS

Desvirtuamento dos fundos

Outro ponto bastante controverso do “pacotaço” desobriga o governo de investir recursos dos fundos estaduais exclusivamente nas atividades a que eles se relacionam, conforme exige a legislação atual. Hoje, há fundos específicos para a preservação do meio ambiente, a manutenção do sistema penitenciário, a ampliação dos programas de segurança pública.

Historicamente, porém, a regra é descumprida. A irregularidade sempre foi alvo de cobranças do Tribunal de Contas do Estado (TC) nos julgamentos anuais das contas do governador. Segundo o órgão, em média, apenas 70% dos recursos carimbados para os fundos chega até eles. Em 2012, por exemplo, esse déficit foi de mais de R$ 700 milhões.

Agora, sob a justificativa de dar “maior flexibilidade para a gestão orçamentária e financeira dos fundos”, o Executivo estadual pretende liberar os recursos de todos eles para o pagamento de qualquer despesa, inclusive gastos com pessoal.

Fila de precatórios

Sem apresentar qualquer justificativa nos projetos encaminhados à Assembleia Legislativa e em um artigo de apenas quatro linhas, o governo do Paraná quer reduzir o teto das requisições de pequeno valor (RPV). Hoje, se alguém ganha uma causa contra o estado cujo valor é inferior a 40 salários mínimos (cerca de R$ 31,5 mil), o governo não pode pagar em precatórios – é obrigado a retirar esses valores do caixa em 60 dias. O “pacotaço”, porém, prevê a redução desse valor para R$ 12 mil. Na prática, por exemplo, o dono de uma oficina mecânica que tiver R$ 13 mil a receber do governo iria para a fila de precatórios, que atualmente está pagando papéis datados de 1996. Pequenos negócios inevitavelmente ficariam inviabilizados sem esses recursos. Recentemente, o governo de Santa Catarina sancionou uma lei reduzindo o teto das RPV para 10 salários (pouco menos de R$ 8 mil). A OAB nacional foi ao Supremo Tribunal Federal contra a medida, e a Procuradoria Geral da República (PGR) já se posicionou a favor da ordem.
“É notório que este é um dos estados com melhor condição econômica da federação, de maneira que a redução se revela desproporcional e desarrazoada”, argumentou a PGR.

Morte da Paranaprevidência

Talvez a mais polêmica das medidas defendidas pelo governo do estado, a unificação dos dois principais fundos da Paranaprevidência – se aprovada – certamente irá desaguar na Justiça. No modelo atual, o Fundo Previdenciário, que serve como uma poupança para pagar futuros aposentados, é superavitário e tem hoje R$ 8 bilhões em caixa. Paga apenas 14% dos inativos, que se aposentaram após a criação da Paranaprevidência, no governo Jaime Lerner. Por outro lado, o Fundo Financeiro, responsável por pagar a maior parte dos aposentados, que deixaram o governo em anos anteriores, tem um furo mensal de R$ 250 milhões. Com a fusão dos fundos, o Executivo poderá usar o dinheiro da “poupança” para todos os inativos, cobrindo o furo. Num cálculo simples, todo o montante terá desaparecido em 2 anos e 8 meses, ainda no mandato do governador Beto Richa (PSDB). Medida idêntica foi tomada pelo governo de Minas Gerais em dezembro de 2013, mesmo com parecer contrário do Ministério da Previdência. “Com os recursos já acumulados pelo Fundo Previdenciário sendo imediatamente consumidos pelo Fundo Financeiro, o estado continuaria indefinidamente efetuando aportes mensais para insuficiência financeira de toda a massa, agravando o desajuste do sistema e das contas públicas em curto prazo”, argumentou o ministério. No parecer, a pasta classificou a medida como ilegal e “solução simplista”. “Se hoje não há dinheiro para pagar a folha, imagine daqui a três anos quando houver mais 20 mil aposentados. O fundo estará zerado e vão tirar dinheiro de onde?”, alerta Renato Follador, idealizador da Paranaprevidência.

MEDIDA CONSIDERADA NEUTRA

Vendendo dívidas no mercado

A manobra mais complexa pretendida pelo governo prevê a venda de débitos que o estado tem a receber e que já estejam inscritos na dívida ativa ou já tenham sido renegociados com o contribuinte devedor. Essa foi a forma encontrada para antecipar fluxos de caixa futuros com impostos em atraso – alguns dos quais o estado talvez nunca fosse receber – sem comprometer a capacidade de endividamento prevista em lei. Quando atuou como secretário de Finanças do município de São Paulo, Mauro Ricardo Costa lançou mão desse mecanismo e conseguiu aumentar em 72% a previsão de investimentos da prefeitura de 2011 para 2012.

Pela proposta, o governo não terá nenhuma responsabilidade sobre o efetivo pagamento da dívida negociada nem poderá fornecer qualquer informação sobre o contribuinte devedor a quem decidir comprá-la. “A questão é saber se o título será atrativo, afinal estarão comprando um mico. Se o estado, que é um credor privilegiado constitucionalmente falando, não consegue cobrar a dívida, como o comprador do título irá conseguir?”, questiona Roberto Piscitelli, professor de Finanças Pública da Universidade de Brasília.

Para atrair compradores – e devedores −, porém, o governo aposta num programa de refinanciamento de dívidas contraídas até 2014, que oferecerá descontos de até 75% no valor das multas e de até 60% no valor dos juros. “É inegável que haverá entrada quase imediata de dinheiro no caixa. Mas conceder anistia é pouco educativo e tem um caráter de injustiça tributária”, critica Piscitelli.

Outro ponto polêmico é que a negociação das dívidas se dará por meio de Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou de Fundo de Investimento, que vai emitir debêntures e negociá-las no mercado privado. As SPEs contam com a participação estatal, mas funcionam como empresas privadas, impedindo os órgãos de controle de ter acesso às informações centrais das negociações. Irregularidades nessas sociedades já foram detectadas na Petrobras, Eletrobrás e Caixa Econômica Federal.

MEDIDAS CONSIDERADAS POSITIVAS

Alívio previdenciário

Com um rombo no INSS acumulado em R$ 524,2 bilhões, a União instituiu em fevereiro de 2013 o regime de previdência complementar para o funcionalismo público federal. Com a medida, servidores que ingressarem no governo após a criação do plano receberão no máximo o teto do INSS (hoje em R$ 4,6 mil) quando se aposentarem, conforme as regras tradicionais. Se quiser receber o valor integral que ganha na ativa, o funcionário – e o Executivo – poderá contribuir com até 8,5% do montante que exceder esse teto. A intenção é diminuir o valor da contrapartida do poder público e aliviar as crescentes despesas para o custeio da previdência nacional.
No estado, esse novo sistema será gerido pela Fundação de Previdência Complementar do Paraná (Prevcom), ainda a ser criada. O modelo, que também poderá ser usado por outros poderes estaduais e pelos municípios, vai funcionar de maneira quase idêntica ao da União. O porcentual de contribuição acima do teto do INSS, porém, não poderá superar 7,5%. Para o consultor Renato Follador, que idealizou a previdência paranaense atual, essa é a única ressalva que pode ser feita à proposta. “Uma alíquota nesse patamar é insuficiente para a constituição de uma boa aposentadoria. O ideal seria manter os mesmos 11% de hoje. Até porque, quanto maior a alíquota, maior a possibilidade de conseguir o benefício desejado”, diz. “ Se os investimentos forem bem feitos, as futuras aposentadorias podem ser até maiores que as atuais.

Tributo devolvido

O programa Nota Fiscal Paranaense é inspirado em um similar de São Paulo, reconhecido nacionalmente como um sucesso. Por meio dele, o consumidor recebe de volta até 30% do ICMS pago pelo estabelecimento comercial ao governo paulista. A ideia é incentivar os cidadãos a exigir o documento fiscal na compra de algum produto e, assim, ajudar a combater a sonegação. Para isso, basta informar o CPF ou CNPJ no momento do negócio. Após oito anos de vigência do programa, os resultados em São Paulo são excelentes. Mesmo tendo devolvido cerca de R$ 11,6 bilhões a 17 milhões de usuários cadastrados, o estado vizinho aumentou a arrecadação de ICMS em até 40%. Com o programa, inúmeros estabelecimentos comerciais saíram da informalidade e houve redução na carga tributária. O modelo paranaense seguirá os mesmos moldes. Pelo projeto, o consumidor poderá receber de volta o ICMS em dinheiro, em prêmios sorteados e em créditos para abatimento do IPVA ou destinados a entidades filantrópicas.

SPC público

Devendo mais de R$ 1,2 bilhão a fornecedores até o fim do ano passado, o governo do Paraná pretende criar o Cadastro Informativo Estadual (Cadin), um banco de dados que reunirá o nome dos contribuintes em débito. A intenção é centralizar as informações de devedores para facilitar a cobrança dos inadimplentes. O mecanismo já existe na União desde 2002 e foi implantado no governo de São Paulo pelo próprio Mauro Ricardo Costa em 2008, quando era secretário da Fazenda. Pessoas físicas e jurídicas com problemas no Cadin ficarão em situação comparável à de um cidadão com “nome sujo” no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Os devedores não poderão firmar convênios e contratos com o estado, receber incentivos fiscais, alvarás e quaisquer licenças do governo.

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