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 | Albari Rosa/ Gazeta do Povo
| Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo

"Temos um sério problema de representatividade". Essa é a opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que também considera que não é tarefa do Judiciário discutir as reformas necessárias do sistema político e eleitoral. Mendes conversou com exclusividade com a Gazeta do Povo durante o XI Simpósio Nacional de Direito Constitucional, que aconteceu neste final de semana em Curitiba. Além de comentar os principais temas em pauta no STF, o ministro destacou que o papel do Supremo está sendo revisto constantemente.

O tema da sua palestra no evento é a reforma política e sua relação com o Poder Judiciário. Quais os temas que o senhor considera mais importantes e que chegam ao STF?

Temos essa discussão importante que está no Supremo, eu mesmo deliberei sobre e pedi vista, que é a proposta do financiamento privado das campanhas, que deve ser retomada no próximo semestre. É um tema bastante complexo. Temos um sério problema de representatividade, de não identificação do eleitor com o eleito. Há uma queixa generalizada nesse sentido e acho que os protestos de junho do ano passado sinalizaram essa ideia. Por que isso? Certamente essa resposta não pode ser dada pelo Judiciário, talvez seja tarefa dos políticos descobrir meios de fortalecimento da representação política. Aí há várias discussões que envolvem os modelos de sistema eleitoral, como a proposta de sair do modelo proporcional para um sistema distrital.

O senhor defenderia essa ideia?

Há muitas discussões. Sem dúvida, temos um sintoma de que algo não vai bem, as pessoas estão pedindo uma atitude mais séria por parte da representação política. O Supremo, em um julgado muito criticado, mas também muito reconhecido, votou pelo fim da infidelidade partidária. Isso aconteceu porque tínhamos aquele troca-troca partidário. Essa decisão foi bem recebida por um lado da opinião pública, que entendeu que o Supremo estava fortalecendo os partidos políticos e o voto do cidadão. Mas os partidos também criticaram muito a decisão, porque acabavam fazendo arranjos de cavalheiros para que as pessoas migrassem de partido. Tivemos até o caso do mensalão, que, em parte, traduzia essa alocação de pessoas em vários partidos, só que mediante pagamento, então tivemos essa resposta, mas não sei se ela foi efetiva.

E sobre as doações de empresas para campanhas?

Também vai ser uma decisão importante, que inclusive está obrigando o Congresso a discutir alternativas, embora ainda não haja decisão. Temos muitas questões importantes e o Judiciário tem dado contribuição para que o processo de reforma prossiga. Mas essa tarefa não é do Judiciário, é do próprio sistema político, que tem a legitimidade democrática direta, que pode conversar com os representados e obter um consenso básico e é importante que isso ocorra. Não é muito fácil, porque as pessoas que vão discutir a reforma foram eleitas pelo modelo que está em vigor e que precisa ser mudado. Então, todos os paradigmas partem da premissa de que o modelo é bom porque a trouxe até o processo decisório. Isso é delicado, mas, ao mesmo tempo, há um desconforto espiritual muito forte e uma contestação, além da não identificação de segmentos importantes do eleitorado com a classe política e isso precisa ser trabalhado.

Há pouco tempo, o senhor concedeu liminar para que o conselheiro do Tribunal de Contas do Paraná voltasse ao cargo alegando que ele só poderia sair do cargo após o trânsito em julgado do processo. O senhor poderia comentar esse assunto?

É apenas uma decisão liminar, tendo em vista também uma decisão liminar do Tribunal do Paraná que suspendia o conselheiro do exercício do cargo. Aí entendi, com base em uma jurisprudência existente, que isso precisa ser verificado, que talvez não devesse ser decidido em liminar. Há agravo contra a decisão e isso será examinado no âmbito do próprio Tribunal, na forma do colegiado.

Depois do julgamento do mensalão, há uma grande quantidade de processos a serem julgados pelo STF. Para o senhor, até o final do ano, quais devem ser as prioridades?

Estamos trabalhando em vários processos com importantes questões. Do ponto de vista da natureza do processo, a prioridade são os casos com repercussão geral, que traduzem uma avalanche de casos semelhantes. Mas temos o caso dos planos econômicos e outras questões tributárias relevantes que precisarão ser discutidas. Temos um semestre encurtado em função dos feriados longos, da Copa do Mundo, e precisamos não só manter o ritmo de trabalho intenso até o final do semestre, como retomar em agosto com maior força. Temos também as polêmicas inevitáveis que já chegam ao Supremo decorrente da refrega eleitoral, como esse mandado de segurança recente sobre a CPI [da Petrobras]. Certamente vamos ter outras refregas associadas a esse período.

Sobre o papel do STF: a imprensa repercutiu o caso de roubo de galinha que chegou à Corte Superior. Há outros casos considerados pequenos que também passam pelo STF. Qual sua opinião sobre o assunto? Deve haver mudanças?

Estamos discutindo isso, mas não é uma mudança que se faz da noite para o dia. Há muitos questionamentos do por que desses processos pequenos chegarem ao Supremo. Mas, às vezes, se eles não lá chegassem, não haveria uma decisão adequada. Muitas vezes mantêm-se presas pessoas que cometeram pequenos furtos, de galinha, de fita de vídeo, de bambolê, de barra de chocolate.

Mas não seriam casos irrelevantes?

Não, se a gente entender, por exemplo, que essas pessoas, às vezes, estão presas porque outros entenderam que era relevante a prisão, ou estão sendo processadas e o processo está tendo continuidade. Temos que encontrar uma equação para que, de fato, a Justiça tenha maior coerência e uniformidade, independentemente de recursos.

Qual seria a melhor solução?

Não sei, talvez um diálogo maior, de modo a uniformizarmos posições pelo menos em casos desse tipo. Não temos relação hierárquica, o juiz é independente e decide com base na sua consciência, mas é preciso que haja um pouco de segurança jurídica. O cidadão reclama disso, de que cada juiz decida de uma maneira. Talvez a gente pudesse ter um modelo, câmaras de uniformização de entendimento, evitando essas situações que, às vezes, parecem distorcidas e precisam ser revistas. Mas a gente precisa de tempo.

Isso prejudica o trabalho do Supremo em outras ações?

Com certeza, o excesso de ações retira-nos o tempo que poderia ser dedicado a ações mais complexas. Se a gente começa a ter uma avalanche de processos, temos que dar resposta a isso, sob pena de sermos expulsos do próprio gabinete. Mas já estamos vivendo um quadro bem melhor do que no passado. Eu, por exemplo, tenho algo em torno de três mil processos no gabinete, mas já tive dez mil. As reformas que foram implementadas, como a repercussão geral, produziram efeitos importantes.

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