• Carregando...
Ônibus de Curitiba em 1974, logo após a implantação do sistema de canaletas. Na década seguinte, surgiriam as primeiras denúncias | Gazeta do Povo/Arquivo
Ônibus de Curitiba em 1974, logo após a implantação do sistema de canaletas. Na década seguinte, surgiriam as primeiras denúncias| Foto: Gazeta do Povo/Arquivo

Opinião

Um rombo de R$ 62 milhões

A notícia de que a Comec se propôs a renovar o subsídio do transporte coletivo poderia parecer uma boa coisa: afinal, sem o subsídio, a chance de greves, paralisações e crise no sistema aumenta significativamente. Basta ver que nos últimos meses, em parte graças aos atrasos dos pagamentos do governo do estado, houve pelo menos uma paralisação e duas ameaças de greve.

Mas vendo a proposta da Comec é fácil entender que a conta vai continuar não fechando. Simplesmente porque o órgão, ligado ao governo do estado, decidiu que pretende reduzir em dois terços o repasse que faz à Urbs, ligada à prefeitura. Ao invés de repassar R$ 7,5 milhões por mês, repassaria R$ 2,3 milhões.

Isso significa que, por mês, a Urbs deixaria de contar com R$ 5,2 milhões, aproximadamente. Em um ano, caso esse valor fosse aplicado linearmente, seriam mais de R$ 62 milhões perdidos para o sistema. Não é pouca coisa. São cerca de 6% do custo do sistema como um todo.

Para quem pode não ter entendido a situação: a Comec tem a obrigação de ajudar no transporte porque as linhas metropolitanas (que ligam a capital às cidades vizinhas) são de responsabilidade do governo. A Urbs gerencia o sistema, mas precisaria de uma compensação financeira por pagar as empresas que fazem as viagens.

O truque é que o governo, contrariando tudo o que se sabia sobre o modelo até então, encomendou uma pesquisa de origem e destino (com metodologia bastante controversa, diga-se) que apontou que as viagens metropolitanas não são a parte mais cara do sistema. Que com R$ 2,85, por incrível que pareça, a tarifa se paga. E que, portanto, o rombo está nas viagens mais curtas feitas dentro de Curitiba.

(O governo, porém, diz que não usou os dados da pesquisa origem-destino nesse cálculo, e que teria usado meramente informações da própria Urbs. Segundo a Comec, antes o governo estaria pagando mais do que devia.)

Como a prefeitura nunca se mexeu para fazer uma pesquisa do gênero, não tem como contradizer os números do governo. E agora a Urbs fica na seguinte situação: depende de convencer o governo, já que fez esse blefe, a assumir as contas das linhas metropolitanas integralmente. Trata-se de pressão política, mas que pode não funcionar.

Há o problema para o passageiro, que é de longe o mais importante. O curioso, politicamente, é ver que a tal parceria de Beto Richa (PSDB) e Gustavo Fruet (PDT) parece cada vez mais longe. Afinal, aliados não se tratam assim, não é?

Rogerio Galindo, jornalista da Gazeta do Povo.

Em meio a uma queda de braço entre governo do estado e prefeitura de Curitiba, os usuários do transporte coletivo da capital e da região metropolitana devem sofrer com o aumento da tarifa no mês que vem. Esse é apenas mais um de uma lista interminável de capítulos de uma novela que marca a vida pública de Curitiba há mais de três décadas. E, ao que tudo indica, os aspectos políticos ainda vão continuar ditando os rumos do sistema de ônibus por muitos anos. Confira abaixo algumas das polêmicas políticas e técnicas a respeito do transporte coletivo da cidade ao longo das décadas:

1. primeiras denúncias

O impasse em torno do transporte coletivo de Curitiba começou no início dos anos 1980, na segunda gestão de Jaime Lerner à frente da prefeitura de Curitiba.À época, ele prorrogou o contrato das empresas de ônibus por dez anos, sem licitação. A medida acendeu o alerta da sociedade civil organizada, que passou a denunciar problemas no sistema. Na gestão seguinte, sob o comando do prefeito Maurício Fruet, foi criada uma Comissão de Verificação de Custos Tarifários, que apontou várias irregularidades na composição da tarifa. Entre elas compras superfaturadas de peças e combustíveis e aumento fictício no número de quilômetros rodados fornecidos pelas empresas.

2. frota pública

Deputado estadual na década de 1980, Roberto Requião foi a uma loja da capital e, segundo ele, comprou um pneu quase pela metade do preço que constava da planilha das concessionárias do transporte público. O produto ficou pendurado no gabinete do peemedebista na Assembleia , com os dizeres "Prova do Crime". Esse e outros episódios contribuíram para que Requião fosse eleito prefeito em 1985. No cargo, ele anulou os contratos em vigor e passou o controle do sistema para a Urbs. Com isso, a administração da capital passou a controlar de fato os custos do sistema. Ato contínuo, Requião criou a Frota Pública . Para isso, foi criado um fundo alimentado com parte da tarifa, multas às empresas e leilões de veículos antigos, cujo dinheiro era usado na compra de novos. Nesse sistema, as empresas prestadoras de serviço recebiam por quilômetro rodado. Visivelmente contrariados com o novo modelo, os empresários conseguem vitórias contra Requião na Justiça. O prefeito seguinte, Lerner, acabou com a frota pública e devolveu o sistema ao modelo privado.

3. Jogada política

Na década de 1990, o sistema de ônibus funcionou em desacordo com a Constituição de 1988, que exige a licitação para concessão de serviços públicos. Em 2001, o Ministério Público recorreu à Justiça para exigir o procedimento, que só sairia do papel oito anos depois. Nesse meio tempo, Beto Richa, então vice-prefeito, se valeu do tema para pavimentar sua eleição para a prefeitura. Em janeiro de 2004, o prefeito Cassio Taniguchi autorizou um reajuste na passagem − de R$ 1,65 para R$ 1,90 − e viajou ao exterior. Ao assumir interinamente o cargo, Richa cancelou o aumento. Na volta ao Brasil, Taniguchi retomou a tarifa de R$ 1,90.

4. licitação polêmica

Assim que assumiu a prefeitura de Curitiba, em 2005, Richa criou a tarifa domingueira, de R$ 1. Depois, em junho daquele ano, baixou a tarifa de R$ 1,90 para R$ 1,80. O valor ficou congelado por quase dois anos, quando voltou ao patamar de R$ 1,90. A partir daí, os reajustes passaram a ser periódicos. O congelamento da tarifa, no entanto, teve reflexos diretos na primeira licitação do transporte coletivo, aberta por Richa em dezembro de 2009, depois de quase 55 anos de operação. As 11 empresas vencedoras cobraram da prefeitura esse e vários outros itens que teriam a receber . Com isso, o valor de outorga – preço cobrado pelo município para conceder a exploração de um serviço – estipulado em R$ 252 milhões, teria sido de R$ 58 milhões. A diferença foi abatida das dívidas da Urbs com as empresas. Em 2014, em meio a uma decisão em torno do valor da tarifa técnica, um dos diretores do Tribunal de Contas apontou que a licitação deveria ser declarada nula e que um novo certame deveria ser convocado. O mérito da concorrência ainda não foi julgado .

5. integração sob risco

Já no cargo de governador, Beto Richa estabeleceu em 2012 um acordo com a prefeitura de Curitiba para subsidiar o transporte coletivo da capital. Ele passou a repassar R$ 64 milhões ao ano. A medida tinha o evidente objetivo de cacifar o então prefeito Luciano Ducci, seu aliado político, na disputa pela reeleição. A jogada, porém, foi insuficiente para eleger Ducci, que acabou derrotado por Gustavo Fruet. Com a eleição de um adversário, Richa passou a dizer que o subsídio era um "socorro momentâneo" e que o estado não poderia ser sobrecarregado com uma despesa de responsabilidade da prefeitura da capital. Em meio a muita polêmica e sob o risco de sair da história como vilão, Richa e Fruet selaram a paz es. Pelo menos até o fim do ano passado, quando o acordo dos repasses estaduais venceu.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]