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Cármen Lúcia, a futura presidente do STF | Nelson Jr./SCO/STF
Cármen Lúcia, a futura presidente do STF| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Sai um membro da magistratura, entra uma integrante do Ministério Público. Sai um representante do grupo mais conservador, entra uma representante do campo progressista. Sai da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) o presidente Ricardo Lewandowski, com perfil mais político, para dar lugar a uma presidente com perfil mais aguerrido, Cármen Lúcia.

A eleição de Cármen para tomar posse no comando da Corte Suprema em 12 de setembro já era esperada pelo rodízio em vigor no STF. A confirmação do nome, porém, eleva as expectativas em torno dela. Rigorosa, combatível e com discurso implacável contra a corrupção e malfeitos, ela assumirá no dia marcado para a Câmara dos Deputados votar a cassação do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Perfil: Cármen Lúcia, a combativa entra em cena

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Em novembro de 2015, no julgamento que referendou a prisão do ex-senador Delcídio do Amaral, ela fez um discurso contundente. “Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil”, declarou no voto.

Quando esteve na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre abril de 2012 e novembro de 2013, o órgão bateu recordes em número de julgamentos. Em 2012, foram 14.048, dos quais 10.290 julgados (73%). Em relação aos processos de registros de candidaturas, 90% foram para julgamento.

Em sua trajetória iniciada em 2006, após indicação do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cármen adotou um caminho mais progressista, mesmo quando batiam de frente com suas crenças – ela é católica. No julgamento sobre aborto de fetos anencéfalos (2012), por exemplo, ela votou contra a criminalização. Na união homoafetiva, votou pela igualdade de direitos sem ressalvas. Também foi a favor das pesquisas com células-tronco.

Na maioria das vezes, a ministra, natural de Minas Gerais, se posicionou de forma contrária a Lewandowski. O julgamento mais recente que ilustra bem a divergência é a possibilidade de prisão após decisão em segunda instância. Em fevereiro, a maioria em plenário votou favorável, incluindo Cármen Lúcia.

Lewandowski foi voto vencido, defendendo que a prisão deve ocorrer apenas após o trânsito em julgado – o que costuma demorar anos a mais, por causa das possibilidades de recurso. Mesmo assim, em julho, nas férias forenses, o presidente do STF concedeu liminar e tirou da prisão um prefeito do interior da Paraíba, condenado por tribunal em segunda instância. No retorno dos trabalhos, o ministro Edson Fachin cassou a liminar.

Cármen, que foi procuradora-geral em seu estado, faz parte do grupo de ministros que buscam punir de forma mais duras os malfeitos, como forma de dar uma resposta à sociedade. Em 2011, votou, junto com Lewandowski, para que a Lei da Ficha Limpa fosse aplicável aos eleitos em 2010. Foram votos vencidos. Os dois porém, ficaram do lado vencedor no julgamento pela constitucionalidade da Ficha Limpa nas eleições de 2012.

Presidente, não presidenta

Cármen Lúcia já deixou claro que não quer ser chamada de presidenta, como faz questão Dilma Rousseff, mas de presidente. Respondendo ao atual presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, como gostaria de ser chamada, ela respondeu: “Eu fui estudante e sou amante da língua portuguesa e acho que o cargo é de presidente, não é?”, declarou a ministra, sorrindo.

Em outros temas políticos, Cármen mostrou mais neutralidade que outros colegas. Em 2013, quando era presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ela participou do julgamento do registro da Rede. Lamentou a decisão, mas negou o pedido do partido de Marina Silva para reconsideração. “Ou nos submetemos à lei ou teremos o caos. Voto lamentando, mas não tenho, como juíza, outra opção que não seja seguir a lei”, disse a presidente do TSE, Cármen Lúcia.

Expectativas altas podem gerar frustrações

Cármen Lúcia será a segunda mulher a ocupar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A primeira foi Ellen Gracie, entre 2006 e 2008, que tinha um perfil mais discreto mesmo como ministra. Especialistas apontam, porém, que as expectativas altas em relação a futura presidente da Corte podem ser frustrantes.

Rafaela Moreira, do programa de Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), participou de uma pesquisa sobre a atuação de mulheres na alta cúpula do Judiciário que mostra que há pouca mudança em relação aos mandatos exercidos por homens.

“É muito comum na trajetória das magistradas a atuação com rigor. Para se destacarem e ganharem o respeito de seus pares, querem fazer mais do que os outros”, explica. Essa conduta, entretanto, não se repete no comando dos órgãos judiciais. “Passam-se muitos anos dentro da instituição antes de se chegar ao topo. Nesse trajeto, a mulher acaba incorporando uma cultura mais masculina, e acaba reproduzindo”, diz Rafaela. Segundo ela, sempre há um “oxigênio a mais” e algumas mudanças quando uma mulher assume um tribunal, mas em proporção menor do que poderia ser esperado.

O cientista político Humberto Dantas, do Insper, também faz ressalvas quanto às possibilidades de Cármen Lúcia imprimir grandes mudanças no STF no mandato que vai até 2018. “Muitas vezes a vaidade dos ministros se sobrepõe à atuação do colegiado, e por isso uma presidente de destaque pode despertar mais conflitos na Corte”, observa.

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