Animal

Bichos em disputa

Dâmaris Thomazini
03/12/2011 02:05
“É grande a chance de o animal ficar confuso. Eles sentem a ausência das pessoas com quem têm mais contato e a mudança de espaço também causa desconforto”, explica o zootecnista especialista em comportamento animal, professor do curso de Medicina Veterinária da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e sócio do Instituto Psicologia Animal (IPA), Paulo Renato Parreira.
Quando cada um vai para um lado, cabe aos proprietários dos animais – tratados como bens móveis pela legislação brasileira – decidir qual será o melhor destino para os pets. Afinidade e espaço físico são quesitos importantes no momentos de decidir com quem fica o bicho do casal.
“Os gatos costumam ter predileção por um membro da casa, mas se acostumam com uma nova situação se tiverem alguém para lhes dar carinho. O que os incomoda mais é a mudança de espaço físico, que demanda certo tempo de adaptação”, explica a médica veterinária da clínica Mania de Gato, Marúcia de Andrade Cruz.
Segundo ela, os bichanos apresentam dificuldades para reconhecer o novo ambiente, assim, eles costumam deixar o seu cheiro pela nova casa se esfregando nos móveis.
A alteração na rotina pode fazer também com que o bichinho adoeça caso ele interprete a ausência de um dos integrantes do casal como uma perda. “O animal pode ficar mais quieto, prostrado e diminuir a ingestão de alimentos. Parar de comer pode realmente fazer com que o animal fique doente”, alerta o especialista em comportamento animal.
Nestes momentos, é preciso ter muita paciência com os pets. “Ambos devem tentar dar bastante carinho para que o animal não sinta a falta de um ou de outro integrante da família. Pode ser difícil pensar nos bichos durante uma separação, mas isto é necessário, pois eles vão sentir falta de um dos lados”, diz a médica veterinária especialista em clínica médica e cirúrgica de pequenos animais e proprietária do grupo Vet Company-Pet Store, Andréia Oliveira.
Para minimizar os danos aos bichinhos, o melhor é estabelecer uma nova rotina, fazendo com que eles recuperem as referências de um lar o quanto antes.
Quando cada um puxa para um lado
A “guarda compartilhada” de Scott e Kiki foi a única alternativa amigável encontrada pela contadora Débora Trinkaus e seu ex-marido diante do impasse sobre quem ficaria com os animais após o fim de um casamento de quatro anos. “Não queríamos separá-los e nenhum dos lados aceitou abrir mão dos bichos. Para não chegarmos às ‘vias de fato’, fizemos um acordo informal”, conta Débora.
Até aceitarem manter esta convivência forçada que já dura um ano e meio, o casal vivenciou brigas e até ameaças de uma das partes de que a outra parte nunca mais veria o scott terrier e a west terrier adquiridos durante o matrimônio. “Acabamos nos acostumando com esta situação. A parte chata é ter contato com o ex enquanto dividirmos os cães, o que deve durar pelo menos mais dez anos”, diz Débora.
Para evitar encontros indesejáveis, na hora de devolver os animais, o ex-marido deixa os bichos em um petshop para o banho e Débora vai até o local buscá-los depois de prontos.
Impasse internacional
O mesmo impasse foi vivido por uma artista plástica de Curitiba – dona de dois yorkshires e uma cachorrinha sem raça definida. No caso de Ana (nome fictício), a disputa envolveu brigas na Justiça e até o rapto de um dos animais por parte do ex – episódio que foi a gota d’água para a assinatura de um acordo entre ambos, após 13 anos de casamento e oito meses de brigas sobre a posse dos pets.
A solução foi dividir a “guarda” dos bichinhos entre o Brasil e Los Angeles, nos Estados Unidos, onde vive o ex-marido. “Abri mão de um apartamento em São Paulo para satisfazê-lo e, assim, conseguir o acordo para dividirmos os cachorros. No acordo homologado pela Justiça, ele pode ficar com um animal por vez por três meses e é o responsável por todas as despesas relacionadas a eles”, relata a artista.
Segundo ela, os cães não sofrem com as constantes viagens, pois já estavam acostumados com a rotina de idas e vindas ao Brasil e aos Estados Unidos, quando ambos eram casados. “Hoje eles são os únicos vínculos entre nós. Sei que esta não é a solução ideal e que é bastante trabalhoso, mas isso foi feito porque os dois adoram muito os bichinhos”, conta ela.
O melhor caminho é o do acordo
No Brasil, ainda não existem leis que auxiliem os casais durante uma disputa judicial por um bicho de estimação. Assim, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) recomenda o bom senso entre ex-marido e ex-mulher. “O casal deve considerar qual dos dois possui melhores condições para cuidar do animal. Se possuem filhos, que os bichos fiquem junto com as crianças, pois os animais costumam se apegar muito a elas”, pondera a advogada presidente do IBDFAM no Paraná, Adriana Antunes Maciel Aranha Hapner.
Segundo ela, quando não se alcança um acordo sobre a posse dos pets, o assunto deve ser resolvido no juizado especial cível – nunca na vara de família, ainda que muitas pessoas tratem os animais como filhos. “A vara de família resolve questões delicadas como a guarda de crianças. Se não houver acordo, um conciliador do juizado pode mediar a discussão sobre os bichos”, explica.
Projeto
A Câmara dos Deputados discute um projeto de lei que apresenta critérios capazes de guiar a decisão de um juiz a respeito da guarda de um animal. “Hoje o animal é tratado como um bem, mas propomos que a afetividade também seja levada em conta em uma separação. Para quem não tem um bicho, isto pode parecer algo sem importância, mas a lei ajudaria a regular os conflitos que existem”, justifica o deputado federal Dr. Ubiali (PSB-SP), autor do projeto 1058/11.
De acordo com o projeto de lei, os donos teriam direitos e deveres em relação ao pet, a guarda poderia ser compartilhada ou unilateral e cruzamentos e vendas de filhotes não poderiam ser realizados sem o consentimento de um das partes.