Comportamento

Camila Petry Feiler, especial para Gazeta do Povo

Como a “atenção plena” pode ajudar crianças e adolescentes na escola e na vida

Camila Petry Feiler, especial para Gazeta do Povo
23/05/2017 18:00
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O mindfulness é aplicado nas escolas da Inglaterra com sucesso. Aos poucos, a prática começa a ser desenvolvida no Brasil. Foto: Bigstock

Nem só de cálculo e gramática deve ser feita a escola. Mas é assim que ainda acontece na maior parte das instituições brasileiras. “Nós ensinamos português, mas não ensinamos a lidar com a própria mente”, enfatiza Honório de La Iglesia Lopes, psicólogo e professor do projeto Mindfulness in Schools.  A iniciativa, que insere a prática de mindfulness (também traduzido como atenção plena) nas escolas, se baseia na ideia de que cada criança possui habilidades para gerenciar as dificuldades, mas precisa aprender como e quando usá-las.
Honório, que é formado e praticante de Mindfulness pelo Instituto de Yoga e Mindfulness Nirakara e membro do Instituto Europeu de Psicologia Positiva, estudou na Inglaterra, no MiSP (Mindfulness in Schools Project), onde a atenção plena já faz parte da realidade escolar, para poder aplicar o método em Curitiba. “A ideia é que o projeto aconteça dentro da grade curricular”, explica ele. O curso consiste em uma palestra de introdução e nove sessões, uma por semana, de 50 minutos com professor e alunos. Depois disso, eles já têm as ferramentas para levar a prática adiante – inclusive, podem ser assistidos pelo projeto Mindfulness in Schools, que oferece materiais de apoio e acompanhamento no site.
Como o projeto preza pela integridade do método, apenas professores que passaram pelo curso podem ser licenciados para a prática na escola. Honório é o único professor preparado com a técnica no Brasil. Em contrapartida, na Inglaterra, em cinco anos, 4 mil professores foram treinados e possuem qualificação para ensinar atenção plena aos alunos do ensino básico, segundo o Mindfulness School Project. A formação dá base para que professor lide com crianças entre 11 e 18 anos, incluindo todos os desafios e os aprendizados que o curso propõe.
“Uma das coisas que as crianças aprendem é a lidar com seus problemas internos, com as próprias emoções, com conflitos e com a ansiedade. A partir disso, eles conseguem ficar mais calmos e render melhor. Não só na hora da prova, mas também na aula, na hora de estudar, vão conseguir ficar com a mente no que estão fazendo”, diz o psicólogo.
(Foto: Bigstock)
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Diferente do que se trabalha com adultos, porém, o trabalho com os jovens demanda mais dinâmica e vivacidade na prática. “Todas as atividades têm uma parte lúdica, como bater palmas, fazer exercícios com os dedos, comer chocolate, mas não muito rápido, saboreando. Tudo é muito adaptado para manter a atenção dos jovens”, explica. E o resultado é comprovado.
Uma pesquisa, do departamento de psiquiatria da Universidade da Carolina do Norte, inseriu um programa de autocompaixão consciente e atenção plena (mindfulness) com duração de oito semanas entre adolescentes. O estudo evidenciou uma significativa diminuição do estresse e aumento da resiliência, gratidão e curiosidade durante a intervenção. Além disso, os resultados observados apontaram a existência de correlação entre atenção plena e autocompaixão com estresse e sintomas depressivos; entre atenção plena com ansiedade; e entre autocompaixão com resiliência e curiosidade.

Sobre a atenção plena

A importância da prática da atenção plena já é difundida em algumas culturas, principalmente na asiática, mas vem ganhando interesse acadêmico e da sociedade em todo o mundo. O SUS, inclusive, incluiu a meditação como terapia alternativa.
Para quem não conhece, o mindfulness é a capacidade de estar presente. Para Honório, é uma atitude que deve ser cultivada semana a semana dentro da vida cotidiana e incorpora um pouco mais de atenção, ajudando a viver a calma interna. A definição simples se apresenta mais difícil na prática. Um estudo da Harvard descobriu que a mente das pessoas vaga em cerca de 50% do tempo – eles usaram um aplicativo para perguntar no que as pessoas estavam pensando e, na metade do tempo, o pensamento não tinha a ver com o que elas estavam fazendo. O problema é que os pensamentos que ocorrem quando a mente está vagando são notoriamente baseados em preocupações.

Exercícios

Também é possível ensinar alguns fundamentos da técnica para as crianças e adolescentes em casa ou na sala de aula, de forma lúdica e divertida. Confira alguns passos simples:
Com um sino: Toque um sino e peça às crianças para ouvirem atentamente a vibração do som. Diga-lhes para permanecerem em silêncio e levantarem as mãos quando já não ouvirem o som do sino. Em seguida, diga-lhes para permanecerem em silêncio durante um minuto e prestarem muita atenção para os outros sons que ouvem depois que o sino parou. Depois, sentem-se em círculo e peça às crianças para dizerem todos os sons que notaram nesse minuto. Este exercício não é apenas para divertir e animar as crianças para compartilharem suas experiências com os outros, mas realmente ajuda a conectar-se ao momento presente e à sensibilidade de suas percepções.
Sentindo o coração: Fale para as crianças pularem para cima e para baixo durante um minuto. Então devem se sentar e colocar suas mãos em seus corações. Diga-lhes para fecharem os olhos e sentirem seus batimentos cardíacos, sua respiração e ver o que mais notam em seus corpos.
Objeto perfumado: Passe algo perfumado para cada criança, como um pedaço de casca de laranja fresca, um raminho de lavanda ou uma flor de jasmim. Peça-lhes para fecharem os olhos e respirarem o perfume, concentrando toda a sua atenção apenas no cheiro desse objeto. Perfume pode realmente ser uma ferramenta poderosa para o controle da ansiedade.

Trajetória pessoal

Para Honório “melhor do que ouvir falar sobre o mindfulness é praticar”. Ao entrar em contato com o conceito de mindfulness, ele começou com a prática de meditação, na Espanha, país onde nasceu, há três décadas. Depois, ele resolveu se aprofundar em yoga e meditação na Suécia, estudando em um centro de treinamento, como em um monastério, quando se tornou monge.
Foi à Índia, conheceu um mestre espiritual e passou 17 anos organizando palestras, retiros e seminários sobre meditação, yoga e ciência espiritual em diferentes países como Espanha, Dinamarca, EUA, Uruguai, México, Haiti e Argentina. Também fazia trabalhos missionários por onde passava. Voltou para a Espanha, fez faculdade de psicologia e participou do grupo de estudo sobre meditação no conselho regional de psicologia de Madrid.
Agora, em Curitiba, ele continua dando cursos e semeando a prática. “Acredito porque vejo a transformação nas pessoas, o testemunho delas e a posição de profissionais da saúde e da educação, que dizem como ele ajuda a ter uma atitude diferente diante da vida”, explica.

SERVIÇO

Honório dirige o programa de oito semanas de mindfulness, em Curitiba. A princípio, os interessados participam de uma palestra introdutória, que é aberta e gratuita. A próxima acontece no dia 6 de julho. Para o programa, os participantes se reúnem uma vez por semana, na quarta ou quinta-feira, por aproximadamente 2 horas e os encontros têm início às 19h30.
O valor do curso é de R$800, podendo ser parcelado em até três vezes. O curso acontece no espaço Vínculo Vital, na Rua Cecília Meireles, 653, São Lourenço. Os números de contato são o (41) 3149-0356/99684-4693. As próximas datas de início são nos dias 12 e 13 de julho.
Após a conclusão do programa, os participantes estarão aptos para continuarem praticando as técnicas sozinhos em seus próprios ambientes, criando um efeito de sustentabilidade importante para promoção da saúde e qualidade de vida.

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