Comportamento

Flávia Schiochet

Academia se especializa em exercícios para pessoas com mais de 40 anos; o que muda?

Flávia Schiochet
10/10/2018 07:00
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A instrutora Izabel dos Santos Burko e o aluno Carlos Fernandes da Silva, que foi diagnosticado com síndrome Guillain-Barré. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo

Com um cronômetro e uma ficha de papel na mão, a instrutora Izabel dos Santos Burko observa oito pessoas dobrando-se em uma sequência de abdominais. Ela começa a contagem regressiva: “Cinco! Quatro! Três… três… três…”, brinca. “Acabou”, anuncia, e os oito alunos relaxam o corpo no chão. A turma atravessa uma sala com esteiras, uma bicicleta ergométrica, um elíptico e uma escrivaninha da administração para a sala de musculação.
A sala de musculação tem exatamente sete aparelhos, 12 pares de halteres e zero espelhos. A turma, que sempre tem um máximo de oito alunos, malha com hora marcada na Academia 40+. Cada grupo é acompanhado por dois instrutores, que tratam de trocar os pesos dos aparelhos para cada aluno e corrigir a postura, se necessário.
As séries de repetição do exercício são por tempo, para que cada aluno possa fazer em seu ritmo e de acordo com sua capacidade física. “Evita a monotonia e dá um novo estímulo para o músculo”, explica Izabel. Assim que terminam a série em um aparelho, passam para o próximo, numa dinâmica que faz o tempo parecer que voa.
Neide Furukawa era aluna da Academia 40+ em Campinas, onde a escola surgiu, e quando se mudou para Curitiba, prontamente se matriculou na unidade. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Neide Furukawa era aluna da Academia 40+ em Campinas, onde a escola surgiu, e quando se mudou para Curitiba, prontamente se matriculou na unidade. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Por isso o ambiente prescinde de espelho, segundo Izabel: o professor corrige a postura e movimento dos alunos durante o exercício. A ausência de espelhos também deixa os alunos à vontade, que não se sentem expostos em alguns exercícios. “O pessoal vem com a roupa que usa em casa, algo confortável. Não tem ninguém que se preocupa com calça e camiseta combinando, nem com roupa de marca”, diz Julio Burko, sócio da academia e marido de Izabel.
A diagramadora Neide Makiko Furukawa, 55, sempre foi ativa. Praticava esportes quando jovem e chegou a correr quando era adolescente — o sedentarismo nunca a pegou. “Depois de uma certa idade, não tem escolha, você precisa manter a saúde em dia. Você casa com a academia”, ri.
Há anos ela pratica musculação, sendo há sete na Academia 40+. Neide começou em Campinas, onde a primeira unidade foi aberta, e continuou fiel ao modelo quando se mudou para Curitiba, há dois anos. “O treino é como um circuit training e os instrutores prestam atenção em você. É como ter um personal trainer, tudo é personalizado”, relata Neide, que, certa feita, teve um problema na lombar por não ter acompanhamento de perto do instrutor de outra academia.
A franquia da Academia 40+ foi aberta em 2013 em Curitiba. Em cinco anos, sete de cada dez alunos atuais são os mesmos do início. Uma das primeiras alunas da unidade de Curitiba, a bibliotecária Dora Hackeberg, 54, fez sua matrícula no segundo mês de funcionamento da academia, em 2013. “Vi no jornal do bairro que era uma academia sem espelhos e que tocava jazz ou MPB. Como eu tinha parado de fumar, precisava me exercitar, cuidar mais de mim, vim ver”, explicou. Ela passava longe das academias “normais”, com música alta e “desfile de moda” e se encontrou no ambiente da Academia 40+. “Para mim, são duas coisas: musculação e social. É uma família”, define.
Dora Hackeberg é uma das alunas que está desde o início da Academia 40+ em Curitiba -- fez sua matrícula no segundo mês de funcionamento. "É uma família", resume. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Dora Hackeberg é uma das alunas que está desde o início da Academia 40+ em Curitiba -- fez sua matrícula no segundo mês de funcionamento. "É uma família", resume. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A percepção de Dora é também a de outros alunos: o clima se assemelha ao de um clube. “Existe um momento em que o exercício vira algo social”, resume Izabel. A maior parte de alunos tem entre 50 e 70 anos, faixa etária em que a convivência e o sentimento de fazer parte de um grupo é mais que benéfico. “Aqui na cozinha é onde eles mais ficam, porque tem cafezinho, eles trazem bolo para compartilhar”, entrega Burko. Numa das mesas da copa, dezenas de garrafas plásticas da academia personalizadas pelos alunos com canetão, adesivos e amarradores coloridos de cabelo.
O imóvel em que funciona a academia há um ano tem quase 300 metros quadrados (a casa anterior tinha cerca de 180 metros quadrados) e, além das salas de musculação, aula de zumba gold e um estúdio de pilates, tem uma churrasqueira e uma agenda lotada de eventos organizados pelos próprios alunos.
Izabel é mais que uma instrutora. É comum que ela faça pequenas viagens, receba presentes, saia para almoçar com alunas, frequente festas e, comum nos dias de hoje, esteja presente em 15 grupos de WhatsApp de turmas diferentes. “No meu aniversário, um grupo apareceu de surpresa lá em casa com salgadinhos e docinhos”, relembra, um pouco incrédula.

Clima favorece malhação “low profile”

A Academia 40+ foi uma descoberta do pai de Izabel, que sentiu a dificuldades em encontrar um lugar para a continuidade da reabilitação de sua mãe, com problemas no joelho. “Depois que acabam as sessões de fisioterapia, essas pessoas não têm onde ir para fortalecerem os músculos”, explica Izabel, que atua há 20 anos na área.
O sonho de ter uma academia era do pai de Izabel. Em uma de suas experiências, um dos instrutores o posicionou em frente ao espelho para que ele malhasse os braços com os halteres. E ele não entendeu o que deveria observar no reflexo. “O ambiente convencional não é preparado para certas idades, nem deixa as pessoas à vontade”, completa Izabel.
Formada pela Universidade Federal do Paraná, ela atuou a maior parte de sua carreira como personal trainer à domicílio, e sua experiência foi majoritariamente dando aula para pessoas com mais de 40 anos. Quando seu pai lhe apresentou a franquia, identificou-se com a proposta. Na hora de escolher um bairro para instalar a academia, pensou onde estava a concentração dos clientes — no Juvevê. Alguns ex-clientes passaram a frequentar a academia, mas alguns preferem aulas em casa. A preferência também atinge ex-alunos da Academia 40+, que dificilmente se adaptam a outras academias.
A franquia da Academia 40+ foi inaugurada em 2013 em Curitiba e sete de cada dez alunos atuais são os mesmos do início. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A franquia da Academia 40+ foi inaugurada em 2013 em Curitiba e sete de cada dez alunos atuais são os mesmos do início. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
A maior parte dos alunos traz seus exames laboratoriais logo na matrícula e, caso não tragam, os instrutores os solicitam — a avaliação física e a bioimpedância são feitas no local. “Os alunos aqui fogem da balança e da bioimpedância. Mas estão sempre acompanhando os exames laboratoriais e prestando atenção se eles estão se sentindo bem, se a dor diminuiu”, comemora Izabel.

Espaço tranquilo para reabilitação

Um ambiente com som alto e movimentação intensa pode ser estimulante e até divertido — não é à toa que academias “normais” estão cheias. Mas quando cada movimento precisa ser observado, a probabilidade de um ambiente assim ser confuso e pouco confortável é grande. “O professor aqui não é apenas o instrutor. Ele precisa ter jogo de cintura, saber conversar e acolher”, define Izabel. Ela se refere, por exemplo, à presença de alunos com Alzheimer que vão à academia acompanhados dos cuidadores e para quem os instrutores devem atender com paciência, como se fosse a primeira vez todas as vezes.
Com as mudanças que o corpo experimenta a partir dos 40 anos, como maior perda muscular e óssea e queda no metabolismo, o acompanhamento de uma equipe especializada ajuda a evitar problemas futuros ou aliviar os presentes.
As dores mais frequentemente relatadas são no joelho e coluna, como lombar e ciático. Nenhum dos equipamentos da Academia 40+ exige movimentos a 90 graus para cima para não lesionar as articulações — para fortalecer o “tchauceps” (tríceps braquial), por exemplo, o movimento é com os braços paralelos ao corpo. O leg press, por sua vez, é horizontal e não a 45 graus. São maneiras de trabalhar o mesmo músculo, mas com menor risco de lesão.
As séries de exercício são por tempo e não por repetições. Assim, cada aluno consegue fazer no seu ritmo e de acordo com sua capacidade física. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
As séries de exercício são por tempo e não por repetições. Assim, cada aluno consegue fazer no seu ritmo e de acordo com sua capacidade física. Foto: Fernando Zequinão/Gazeta do Povo
Antes de começar musculação na 40+, o funcionário público Carlos Fernandes da Silva, 51, costumava jogar vôlei e futebol. Por causa de um diagnóstico de síndrome Guillain-Barré, uma doença auto-imune que afeta as células do sistema nervoso, ele precisou ficar seis meses em fisioterapia e afastado do trabalho — as atividades de impacto precisavam ser evitadas.
Dentre os sintomas da síndrome, paralisia muscular e enfraquecimento. “Nos meus primeiros dias aqui na academia eu não conseguia caminhar normalmente. Arrastava os pés”, relembra Carlos. Desde 2015 praticando musculação três vezes por semana, Carlos voltou a praticar vôlei. “A disposição melhorou e voltei a fazer longas caminhadas. E continuo a musculação aqui por causa do ambiente. Faz toda a diferença”, relata.
Serviço
Academia 40+. Rua Moysés Marcondes, 848, Juvevê — (41) 3408-4144. Abre de segunda a sexta das 7 às 12h e das 15 às 20h30.
Os pacotes são a partir de R$ 220 por mês para pilates uma vez por semana (turma de até três pessoas) e a partir de R$ 265 ao mês para musculação (turma de até oito pessoas) duas vezes por semana.

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