Comportamento

Camila Machado, especial para Gazeta do Povo

Aérea forma primeira turma de mulheres pilotas no Brasil; veja o que elas dizem

Camila Machado, especial para Gazeta do Povo
28/07/2018 07:00
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Rayanne Souza: desejo de ser pilota desde criancinha. Foto: divulgação

Julho é um mês que ficará guardado na memória de 16 mulheres, pilotas da companhia aérea Avianca. É que, juntas, elas fizeram história: formaram-se pilotas de avião na primeira turma exclusivamente de mulheres do país. E em um um mercado que é predominantemente masculino.
A iniciativa faz parte de um programa de incentivo da própria empresa, intitulado Donas do Ar. O nome foi inspirado na personagem do cartunista Mauricio de Souza, a Mônica, que é a Dona da Rua –  e em defesa do empoderamento feminino.
Primeira turma: foto
Primeira turma: foto
Na Avianca, o projeto começou no ano passado, quando menos de 2% do quadro de tripulantes técnicos era formado por mulheres, o que ainda é comum entre as empresas aéreas. Hoje em dia, após a implantação da iniciativa, o número subiu para 5%. Agora, a expectativa é aumentar em 10% o número de mulheres no quadro de pilotas a cada ano.
E para que as meninas saibam que podem ser pilotas, se quiserem, a companhia organiza, quinzenalmente, palestras em escolas públicas, onde as pilotas contam sobre seus ofícios. As reuniões são possíveis por meio do projeto Donas do Ar em parceria com a ONU Mulheres.
O Viver Bem conversou com duas das formandas, Rayanne Silveira, de 28 anos, e Tatiane Martins, de 36 anos, que contaram um pouco da suas experiências e desafios da profissão.

Você sempre quis ser pilota?

Rayanne Silveira – Essa vontade veio desde criança. Eu via a esquadrilha da fumaça, ficava encantada com tudo aquilo e queria alcançar esse sonho, ser a pilota. Sempre soube que queria pilotar. Meu desejo inicial era entrar para a força aérea, não conhecia sobre a aviação civil. Encontrei diversos percalços pelo caminho, algo que também dificultou um pouco o processo foi que ninguém da minha família é da área. Então, descobrir os caminhos foi complicado, mas nada é impossível. Realizei um sonho.
Tatiane Martins – Eu descobri essa vontade quando fui pela primeira vez no Aeroporto do Bacacheri, em Curitiba. Na época, eu tinha 15 anos. Estava lá por acaso, fui buscar um estágio, porque estudava Telecomunicações. Aí, quando eu vi o avião alinhado para decolar, parei para admirar e pensei que queria estar lá dentro, pilotando.

E como foi essa trajetória?

Rayanne Silveira – Eu sou natural de Belo Horizonte, mas cresci no município de João Pinheiro. Mais tarde, para seguir o sonho, mudei-me para Brasília, para entrar para a força aérea. Lá, por coincidência, reparei em um outdoor falando sobre a oportunidade de entrar para a aviação civil. Foi quando descobri a oportunidade.
Entrei para a faculdade de aviação civil aos 19 anos. Também já fez curso de piloto comercial e instrução de voo. Meu primeiro voo foi em 2010, no aeroclube de Goiania. Há um ano e doze dias faço parte da equipe da Avianca e, pela empresa, já voei 540 horas. Voos internacionais, pela Avianca, ainda não fiz. Mas a companhia opera em Santiago e em Bogotá. Piloto uma aeronave Airbuss A320, que é compatível, então posso ser escalada a qualquer momento.
Tatiane Martins – A partir do momento que decidi que seria pilota, compartilhei a ideia com os meus pais, que acharam que era uma coisa de momento. Me pediram para esperar a maioridade para decidir. Segui na ideia e, com dezoito anos, voltei ao Aeroporto e eu procurei o primeiro curso. A questão financeira pesou bastante, é algo muito caro. Então, fui incentivada pela coordenadora a começar a carreira como comissária. E foi o primeiro curso na área que eu fiz, isso foi nos anos 2.000. Me formei e fiquei nessa função até 2011. No entanto, nesse tempo, já havia começado também o curso de piloto comercial, em 2008.
Lembro muito bem da minha primeira hora de voo, foi em Curitiba, em 2009. Meu pai ainda estava vivo e foi comigo. Ele ficou tão nervoso que esqueceu de fotografar o momento, ficou muito emocionado. Tive apoio dele e também da minha mãe. Naquela ocasião, a instrutora era uma mulher também, achei bem interessante.
Em 2012 fiz o curso de instrutora de voo e entrei no Aeroclube de Campinas. Na Avianca, estou há um ano e já voei mais de 450 horas pela companhia. Piloto na companhia o Airbus 318, 319 e 320.

E as dificuldades que enfrentou, em especial por ser mulher, em uma carreira predominantemente masculina?

Rayanne Silveira – Entre as maiores dificuldades está a questão financeira, já que os cursos são muito caros e o mercado de trabalho é bem restrito. E mais restrito ainda quando somos mulheres pilotas. Algumas empresas evitam contratar mulheres porque no caso de precisarem pagar por hotel – quando precisamos pernoitar em serviço – o gasto é dobrado, já que como mulher não “posso” dividir a acomodação. Outros casos que já ouvi são de pilotas de aviões particulares, por exemplo. As esposas têm ciúmes e não querem os maridos viajando com uma mulher.
Mas também há os casos que nos surpreendemos, quando percebemos que quebramos algum tipo de paradigma. Aconteceu uma vez de um senhor entrar na cabine e perguntar para os chefes dos comissários se eu, uma mulher, seria a pilota. Eles responderam que sim e ele fez cara de surpreso. Ao final do voo ele perguntou novamente, desta vez, se fui eu que havia feito o pouso. Quando recebeu a resposta positiva, veio me cumprimentar, pelo excelente voo e também pela qualidade do pouso.
Sempre acontece também de passageiros irem até a cabine para tirar fotos. Sempre há uma certa dose de surpresa quando se dão conta que a pilota é mulher.
Tatiane Martins – Foram muitos anos economizando, dez anos no total, até conseguir o valor e a coragem para desistir da minha carreira de comissária e entrar no mercado de trabalho como pilota. Um mercado que é predominantemente masculino. Para se ter uma ideia, a média é de uma mulher para vinte homens instrutores de voo.
Também escutei várias vezes que ser pilota não é coisa de mulher e, infelizmente, ainda sigo escutando. Nas conversas informais também, quando pego um Uber ou um táxi e conto que sou pilota, há sempre um certa admiração dos motoristas. Eu respondo que foi com muito esforço que conquistei e que não é uma coisa recente em minha vida.

Essa surpresa, por algo que deveria ser tão natural, incomoda?

Rayanne Silveira – Sim e não, às vezes fico até sem palavras para falar sobre isso. Lutamos (as pilotas) para que seja algo cada vez mais comum. Eu acho tão normal, tão natural, é como se eu tivesse nascido para essa profissão. Não me imagino fazendo outra coisa. É uma profissão diferente, mas existem tantas diferentes, né, que vejo que possível ter uma vida normal “dentro do diferente” (diverte-se). Passamos até seis dias longe de casa, é o máximo permitido em serviço, outras profissões também passam por isso.
Tatiane Martins – Incomoda sim, mas tento ver por outro viés. Percebo também um estranhamento entre as crianças, tanto meninos quanto meninas, é uma ideia já concebida de que o piloto é homem. Gosto de perceber a quebra desses paradigmas, quando eles se dão conta que é possível sim ser mulher e pilotar.

E os pontos positivos de ser pilota?

Rayanne Silveira – A parte bem positiva é a oportunidade de conhecer outros lugares, cidades, que se estivesse em outra carreira, talvez não tivesse acesso. Eu gosto muito disso. Chapecó, por exemplo, é um destino em que a Avianca opera. É uma cidade super legal, no oeste de Santa Catarina, e se não fosse para lá a trabalho, talvez nunca conheceria.
Tatiane Martins – Eu gosto do frio na barriga. Eu adoro pilotar e o frio na barriga é o que nos mantém vivos, atentos. Para pilotar é preciso estar sempre alerta. São muitas as situações e eu adoro os desafios. Eu nasci para fazer isso. Também conheci muitas pessoas boas pelo caminho, homens e mulheres, colegas de trabalho, comandantes, que me ensinaram muito. Sou bastante agradecida.
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