Comportamento

Raquel Derevecki

“Se você quer algo, lute por isso”, diz estudante de Veterinária que trabalha como garçom

Raquel Derevecki
20/03/2019 10:41
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Leonardo Allans, estudante de Veterinária da UFPR, trabalha como garçom no restaurante Novo Madalosso para custear as despesas. Foto: Albari Rosa | Gazeta do Povo

Para se manter no curso de Medicina Veterinária, o estudante Leonardo Allans, de 23 anos, divide o tempo dedicado à sala de aula e ao preparo das tarefas com o serviço de garçom em um grande restaurante de Santa Felicidade, em Curitiba. “Minha mãe trabalha como auxiliar de limpeza, então não tem condições de pagar minha faculdade e nem as despesas extras como transporte, alimentação e xerox”, relata o rapaz.
Por isso, ele estudou 12 horas por dia durante dois anos, conquistou uma vaga na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e agora passa as noites de segunda a sexta-feira e boa parte dos finais de semana servindo mesas no Restaurante Madalosso. “O que eu ganho como garçom me ajuda a continuar estudando. Minha vida é uma loucura, mas não posso desistir”.
O jovem – que mora em Almirante Tamandaré, na região metropolitana de Curitiba – está no segundo ano do curso e acorda diariamente às 5h30 para conciliar trabalho e estudos. “Levanto e vou para a capital de moto. Levo minha mãe no serviço dela e sigo para a aula até o horário de almoço”, afirma Leonardo. Depois, por volta das 13h, retorna para Almirante, realiza parte das tarefas exigidas pelos professores, troca de roupa e segue mais uma vez para a a cidade grande.

“É bem cansativo porque fico no restaurante até tarde. Dependendo do evento que eu atenda no dia, chego em casa depois das 3h da madrugada e quase não durmo”, menciona o estudante, que já precisou passar a noite no sofá do trabalho para não perder a aula do dia seguinte.

Leonardo Allans dorme por volta das 2h da madrugada e acorda às 5h30 para ir à faculdade. Foto: Albari Rosa
Leonardo Allans dorme por volta das 2h da madrugada e acorda às 5h30 para ir à faculdade. Foto: Albari Rosa
A correria é ainda maior às terças-feiras, quando ele tem aula em período integral e segue direto da faculdade para o trabalho. Nesse dia, o jovem torce para não chegar muito tarde em casa porque o cansaço físico e mental prejudicam seu desempenho no dia seguinte. “No começo das aulas, por exemplo, eu dormia em quase todas as matérias. Foi bem difícil”, recorda.
E o descanso não é possível nem mesmo no final de semana. “Trabalho no almoço e no jantar de sábado, e também das 8h às 16h no domingo. Acabo tendo tempo só na noite do domingão para dormir ou fazer alguma tarefa pendente. Aí já começo tudo de novo”, afirma o rapaz, que encara a rotina apertada como um “mal necessário”. “Se eu não fizer isso, não consigo valor suficiente para o combustível e para os outros gastos com a faculdade durante o mês”.
Por isso, Leonardo se dedica no trabalho, procura atender bem os clientes e faz o possível para compor a equipe de garçons no maior número de eventos realizados no restaurante.

“Ele nunca recusa trabalho. É inteligente e responsável. Então, sempre que aparece alguma vaga nas escalas, eu o chamo porque sei que precisa disso para alcançar o sonho de ser veterinário”, diz o colega Valdomiro de Oliveira, um dos garçons responsáveis pela organização das equipes.

A disposição de Leonardo também serve de exemplo para os demais funcionários da empresa, que veem o estudante correndo de um lado para outro no estabelecimento, sem desanimar. “Ele até baixou um aplicativo para saber quanto caminhava em uma noite de trabalho e chegou a percorrer 12 quilômetros aqui dentro, de mesa em mesa”, comenta Oliveira. “Com certeza, todo esse esforço lhe trará muitas coisas boas no futuro”, completa o empresário Marlus Bertoli, administrador do Grupo Madalosso.

Estudos

De acordo com Leonardo, o incentivo para estudar sempre veio de casa e começou bem cedo. “Quando eu estava na terceira série, por exemplo, meu pai fez eu aprender a tabuada até o 12”. E a valorização do aprendizado continuou mesmo depois do divórcio dos pais, quando o rapaz passou a viver com a mãe Nilceia de Lima. “Nossa situação financeira ficou muito difícil após a separação, mas nossa mãe foi muito guerreira e sempre motivou os três filhos a estudarem o máximo possível”.
Segundo Nilceia, que hoje está com 49 anos, ela precisava acordar às 4h da madrugada para trabalhar e garantir que os filhos se dedicassem à escola. “Não foi fácil, mas hoje sou muito orgulhosa de todos eles”, afirma a auxiliar de limpeza, que já viu o primogênito se tornar soldado da Polícia Militar e o filho do meio se formar em Engenharia Mecânica. “Agora é a vez do Leonardo, que também é um menino muito batalhador”.
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Aos 16 anos, o caçula já começou a trabalhar como garçom e estava decidido a se tornar médico veterinário da Polícia Militar (PM). Para isso, economizou durante o Ensino Médio e ingressou em um cursinho preparatório com bolsa de estudos de 50% para realizar o vestibular do Curso de Formação de Oficiais disponibilizado pela UFPR. Durante o ano de 2015, ele estudou mais de 12 horas por dia, mas não conseguiu a vaga.

“Esse é um dos cursos mais concorridos da universidade. Como não passei, decidi inverter os planos e estudar primeiro Medicina Veterinária. Me preparei por mais um ano e consegui ver meu nome da lista dos aprovados da UFPR”, comemora o jovem.

Ele ingressou no curso no primeiro semestre de 2017 e dividiu a sala de aula com o trabalho de garçom e outro “bico” em uma clínica veterinária de Curitiba. “Mas precisei trancar a faculdade para ter um tempo para mim, para minha família e também por problemas financeiros”, relata Leonardo, que retornou à faculdade no início de 2019.
Agora, ele pretende concluir a graduação o quanto antes para passar no concurso da PM. “Meu objetivo é cuidar da cavalaria da polícia e sei que vou chegar lá”, afirma o rapaz, que incentiva outros jovens de baixa renda a também lutarem por seus sonhos. “Pensei várias vezes que não conseguiria fazer uma faculdade devido à condição financeira, mas esse dia chegou. Então, se você quer algo, lute por isso”, encoraja.
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