Comportamento
Raquel Derevecki
“Se você quer algo, lute por isso”, diz estudante de Veterinária que trabalha como garçom
Leonardo Allans, estudante de Veterinária da UFPR, trabalha como garçom no restaurante Novo Madalosso para custear as despesas. Foto: Albari Rosa | Gazeta do Povo
Para se manter no curso de Medicina Veterinária, o estudante Leonardo Allans, de 23 anos, divide o tempo dedicado à sala de aula e ao preparo das tarefas com o serviço de garçom em um grande restaurante de Santa Felicidade, em Curitiba. “Minha mãe trabalha como auxiliar de limpeza, então não tem condições de pagar minha faculdade e nem as despesas extras como transporte, alimentação e xerox”, relata o rapaz.
Por isso, ele estudou 12 horas por dia durante dois anos, conquistou uma vaga na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e agora passa as noites de segunda a sexta-feira e boa parte dos finais de semana servindo mesas no Restaurante Madalosso. “O que eu ganho como garçom me ajuda a continuar estudando. Minha vida é uma loucura, mas não posso desistir”.
O jovem – que mora em Almirante Tamandaré, na região metropolitana de Curitiba – está no segundo ano do curso e acorda diariamente às 5h30 para conciliar trabalho e estudos. “Levanto e vou para a capital de moto. Levo minha mãe no serviço dela e sigo para a aula até o horário de almoço”, afirma Leonardo. Depois, por volta das 13h, retorna para Almirante, realiza parte das tarefas exigidas pelos professores, troca de roupa e segue mais uma vez para a a cidade grande.
“É bem cansativo porque fico no restaurante até tarde. Dependendo do evento que eu atenda no dia, chego em casa depois das 3h da madrugada e quase não durmo”, menciona o estudante, que já precisou passar a noite no sofá do trabalho para não perder a aula do dia seguinte.
A correria é ainda maior às terças-feiras, quando ele tem aula em período integral e segue direto da faculdade para o trabalho. Nesse dia, o jovem torce para não chegar muito tarde em casa porque o cansaço físico e mental prejudicam seu desempenho no dia seguinte. “No começo das aulas, por exemplo, eu dormia em quase todas as matérias. Foi bem difícil”, recorda.
E o descanso não é possível nem mesmo no final de semana. “Trabalho no almoço e no jantar de sábado, e também das 8h às 16h no domingo. Acabo tendo tempo só na noite do domingão para dormir ou fazer alguma tarefa pendente. Aí já começo tudo de novo”, afirma o rapaz, que encara a rotina apertada como um “mal necessário”. “Se eu não fizer isso, não consigo valor suficiente para o combustível e para os outros gastos com a faculdade durante o mês”.
Por isso, Leonardo se dedica no trabalho, procura atender bem os clientes e faz o possível para compor a equipe de garçons no maior número de eventos realizados no restaurante.
“Ele nunca recusa trabalho. É inteligente e responsável. Então, sempre que aparece alguma vaga nas escalas, eu o chamo porque sei que precisa disso para alcançar o sonho de ser veterinário”, diz o colega Valdomiro de Oliveira, um dos garçons responsáveis pela organização das equipes.
A disposição de Leonardo também serve de exemplo para os demais funcionários da empresa, que veem o estudante correndo de um lado para outro no estabelecimento, sem desanimar. “Ele até baixou um aplicativo para saber quanto caminhava em uma noite de trabalho e chegou a percorrer 12 quilômetros aqui dentro, de mesa em mesa”, comenta Oliveira. “Com certeza, todo esse esforço lhe trará muitas coisas boas no futuro”, completa o empresário Marlus Bertoli, administrador do Grupo Madalosso.
Estudos
De acordo com Leonardo, o incentivo para estudar sempre veio de casa e começou bem cedo. “Quando eu estava na terceira série, por exemplo, meu pai fez eu aprender a tabuada até o 12”. E a valorização do aprendizado continuou mesmo depois do divórcio dos pais, quando o rapaz passou a viver com a mãe Nilceia de Lima. “Nossa situação financeira ficou muito difícil após a separação, mas nossa mãe foi muito guerreira e sempre motivou os três filhos a estudarem o máximo possível”.
Segundo Nilceia, que hoje está com 49 anos, ela precisava acordar às 4h da madrugada para trabalhar e garantir que os filhos se dedicassem à escola. “Não foi fácil, mas hoje sou muito orgulhosa de todos eles”, afirma a auxiliar de limpeza, que já viu o primogênito se tornar soldado da Polícia Militar e o filho do meio se formar em Engenharia Mecânica. “Agora é a vez do Leonardo, que também é um menino muito batalhador”.
Aos 16 anos, o caçula já começou a trabalhar como garçom e estava decidido a se tornar médico veterinário da Polícia Militar (PM). Para isso, economizou durante o Ensino Médio e ingressou em um cursinho preparatório com bolsa de estudos de 50% para realizar o vestibular do Curso de Formação de Oficiais disponibilizado pela UFPR. Durante o ano de 2015, ele estudou mais de 12 horas por dia, mas não conseguiu a vaga.
“Esse é um dos cursos mais concorridos da universidade. Como não passei, decidi inverter os planos e estudar primeiro Medicina Veterinária. Me preparei por mais um ano e consegui ver meu nome da lista dos aprovados da UFPR”, comemora o jovem.
Ele ingressou no curso no primeiro semestre de 2017 e dividiu a sala de aula com o trabalho de garçom e outro “bico” em uma clínica veterinária de Curitiba. “Mas precisei trancar a faculdade para ter um tempo para mim, para minha família e também por problemas financeiros”, relata Leonardo, que retornou à faculdade no início de 2019.
Agora, ele pretende concluir a graduação o quanto antes para passar no concurso da PM. “Meu objetivo é cuidar da cavalaria da polícia e sei que vou chegar lá”, afirma o rapaz, que incentiva outros jovens de baixa renda a também lutarem por seus sonhos. “Pensei várias vezes que não conseguiria fazer uma faculdade devido à condição financeira, mas esse dia chegou. Então, se você quer algo, lute por isso”, encoraja.
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