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Josemeri e Ari Neves no Chile, quando viajavam com a Master. A van, mais ágil que o caminhão F-4000, foi usado por anos para viajarem de norte a sul do Brasil e também pela Argentina. Foto: Arquivo pessoal
Josemeri e Ari Neves no Chile, quando viajavam com a Master. A van, mais ágil que o caminhão F-4000, foi usado por anos para viajarem de norte a sul do Brasil e também pela Argentina. Foto: Arquivo pessoal| Foto:

Poder escolher a vizinhança, levando consigo sua cama. Amanhecer na estrada, mas com o conforto que só uma casa pode ter. São cenários possíveis a bordo de um motorhome. O casal Josemeri Deconto e Ari Neves, de 65 e 68 anos respectivamente, é adepto do estilo de vida itinerante. O hobby se intensificou há cinco anos, quando eles, que atuavam como professores universitários, aposentaram-se. Ari é formado em física e Josemeri, em matemática.

Separados por 240 km, o casal deu entrevistas por telefone ao Viver Bem em cidades diferentes. Enquanto Josemeri estava em Curitiba, Ari tinha como missão instalar uma máquina de lavar roupas de três quilos em uma das paredes do motorhome, em Itapema, litoral de Santa Catarina. “Lavar roupa era meu calo. Se a viagem é de poucos dias, tudo bem, lavava quando chegava em casa. Mas 30, 50 dias viajando e lavar a roupa à mão…”, diz Josemeri.

Há dez anos, Josemeri e Ari compraram um F-4000 de 1977, um pequeno caminhão com uma cabine de oito metros de comprimento e área de pouco mais de 17 metros quadrados. O negócio era viável porque o motor estava em dia, relataram. A parte interna, reformaram todinha — só para esvaziar a cabine levou quase quatro meses.

Trocaram o leiaute: onde era a mesa de refeições, instalaram mais uma cama (a outra é em cima da cabine do motorista e o acesso é por escada), onde havia um beliche, montaram um armário de cozinha e uma bancada para comer. O “Motor Ócio”, como foi nominado o caminhão, tomava forma.

Motorhome reformado por Ari e Josemeri Neves. Em cima da cabine do motorista tem uma cama de casal, onde as netas de oito anos adoram ficar. Foto: Arquivo pessoal
Motorhome reformado por Ari e Josemeri Neves. Em cima da cabine do motorista tem uma cama de casal, onde as netas de oito anos adoram ficar. Foto: Arquivo pessoal

Enquanto reformavam o F-4000, usavam um motorhome montado em uma van Master, de cerca de dez metros quadrados, com a qual subiram e desceram o Brasil, compareceram a encontros de ‘motorhomeiros’ e percorreram a Argentina e Chile de cabo a rabo. O casal atualmente mora em Itapema, onde tem um apartamento (em que o filho mais novo mora) e um terreno no qual construíram uma cobertura para estacionar o Motor Ócio, uma piscina e uma área de convivência, com banheiro, cozinha e um quarto. “Faz quase dois anos que nos mudamos para esse terreno com a nossa cachorrinha”, conta Josemeri.

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A experiência não é nova: quando os três filhos do casal — hoje com 39, 38 e 33 — saíram de casa para estudar, o casal morou em um trailer grande em Foz do Iguaçu, cidade em que trabalharam por anos. “Ficamos uns dois anos morando no trailer, e nosso filho mais novo no apartamento. O trailer tinha um quarto de casal, um banheiro, uma cozinha completa, uma geladeira e sala de jantar. Dava para transformar a mesa da sala de jantar em outra cama de casal”, relembra Ari.

Depois que se aposentaram eles resolveram cruzar o Brasil de motorhome

O início

A descoberta do gosto pela aventura data do início de namoro de Josemeri e Ari, nos anos 1970. Em um carnaval, ambos acamparam pela primeira vez, cruzando o mar catarinense de barco até a Ilha de Porto Belo com a família dela — pai, mãe, tios, irmãos, avó. A expertise de acampamento veio de um dos irmãos de Josemeri, que era versado em montar barracas, organizar um camping e fazer fogueiras.

No ano seguinte, o acampamento em família se repetiu; Josemeri e Ari estavam noivos. E um ano depois, casados. “Foi a partir dali que a gente começou a se interessar por camping. Naquela época não se falava em motorhome. Não tinha ideia de que existia”, disse Ari. Cerca de um ano depois, o casal teve o primeiro filho, Carlos (hoje com 39) e em seguida, Luís (hoje com 38 anos), e a barraca de chão precisou ser trocada. “Compramos uma carreta, que engata atrás do carro para montar a barraca em cima, uma carreta-barraca. Aí não ficava ao rés do chão e evitava a umidade”, detalha Ari. Com uns 15 metros quadrados de área, o espaço acomodava bem o casal com os bebês de 2 e um ano.

Cozinha do Motor Ócio, reformado pelo casal. Foto: Ari Neves/Arquivo pessoal
Cozinha do Motor Ócio, reformado pelo casal. Foto: Ari Neves/Arquivo pessoal

Instalaram-se durante dez dias em um camping no Rio de Janeiro durante as férias de verão, em janeiro. A praticidade era a ordem principal na rotina: um fogareiro de duas bocas e receitas de uma panela. “Macarronada, arroz com galinha e churrasco. A gente comia em restaurante quando dava e eu sempre levava algo pronto que as crianças gostavam de comer caso a gente tivesse um imprevisto”, relembra Josemeri.

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Quando o caçula Diego nasceu (hoje com 33 anos), a carreta-barraca foi trocada por um trailer. “Ficamos um tempo com um trailer pequeno, de um eixo só, e depois compramos um maior. Nesse meio tempo, acampamos milhões de vezes”, conta Ari. Cada feriado ou férias escolares era motivo para pegarem a estrada. Até filhos chegarem à vida adulta. “Quando a gente não conseguir viajar mais, teremos que vender o motorhome”, lamenta Ari. Diferente dos pais, os filhos preferiram as ciências humanas e sociais e viagens mais convencionais. Mas talvez a preferência pela estrada tenha pulado uma geração.

De avós para netas

Em uma viagem recente a Gramado, no Rio Grande do Sul, um dos filhos foi com a família para um resort enquanto o casal ficou em um camping. Entre churrascos no acampamento e jantares no resort, em uma das noites, as netas Sofia e Helena, gêmeas de oito anos, quiseram dormir com os avós no motorhome. “A Jose perguntou do que elas mais gostaram da viagem e elas responderam: ‘dormir no motorhome!’. Imagine, o resort tinha de tudo. Piscina, aquele pessoal que passa o dia animando as crianças…”, riu Ari.

Onde tinha um beliche, Ari e Josemeri construíram uma mesa e, em cima, um armário de cozinha. Foto: Ari Neves/Arquivo pessoal
Onde tinha um beliche, Ari e Josemeri construíram uma mesa e, em cima, um armário de cozinha. Foto: Ari Neves/Arquivo pessoal

Perrengues

Dos riscos de ter uma casa rodante, ficar na estrada quando pneu fura ou o eixo cardan quebra são os mais prementes. “É a única coisa ruim. De vez em quando quebra. Aí manda consertar e vai embora. Carro de vez em quando quebra, né?”, Ari provoca. Mas o casal afirma que nada se compara à liberdade de poder ir embora assim que quiser. “Minha vizinhança pode mudar todo dia”, fala Josemeri.

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Outras panes, como elétrica, e problemas na parte hidráulica, Ari consegue resolver. “Como estudei Física, entendo um pouco, e quando reformei, fiz tudo funcionando do jeito que eu queria. Se der algum problema, já sei onde é e como arrumar”.

A geladeira necessita de bateria constante porque não pode desligar. E é preciso estar de olho no abastecimento da água potável e também no limite dos tanques de água servida e dos dejetos. “Quando não tem um carro-pipa que retira os resíduos, como nos encontros de motorhome, tem que esvaziar de tempo em tempo. Tirar com um balde e despejar no banheiro. Você tem que se virar”, comenta Josemeri.

“O motorhome te dá um prazer enorme, mas também dá muita despesa. Não é como um imóvel, que você investe e pode ter renda a partir do aluguel. O motorhome é só investimento e despesa”, sopesa Ari.

Ari Neves, professor aposentado, aproveita a "sacada de casa". Foto: Arquivo pessoal
Ari Neves, professor aposentado, aproveita a "sacada de casa". Foto: Arquivo pessoal

Afinidades

“A gente não tem muito planejamento. É o que dá na telha”, brinca Josemeri. Algumas ideias já entraram no roteiro: há cinco anos passam quase todo o inverno em Caldas Novas, em Goiás, para fugir do frio do Sul brasileiro. “Quando a gente chega lá, somos recebidos como se estivéssemos voltando para casa”, fala Ari com carinho.

O casal tem duas recomendações para quem se encanta pela história deles. A primeira é que ambas as partes do casal precisam compartilhar do gosto pela itinerância, não se deixar abater pelo espaço exíguo e mudanças. A segunda é frisada com entonação de quem sabe o que fala: “Motorhome foi feito para dois”, defende Ari. Convém acatar o conselho — são décadas testando todas as modalidades de acampamento, afinal.

Em estações quentes e enquanto não tomam a estrada novamente, Ari e Josemeri moram no bairro Morretes de Itapema, a poucos quilômetros de onde tudo começou, em Porto Belo. “A gente tem que aproveitar para fazer esse tipo de viagem enquanto temos tempo e vigor”, reconhece Josemeri. “A gente sabe que vai chegar o momento em que teremos que parar”.

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