Comportamento

Mariana Ceccon, especial para a Gazeta do Povo

Telescópio, lunetas e muita paciência: astrofotógrafo revela os segredos para registrar o céu

Mariana Ceccon, especial para a Gazeta do Povo
26/04/2019 16:00
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Há mais de duas décadas, Sergio Mendonça Jr. dedica a vida a observar e fotografar o céu. Albari Rosa/Gazeta do Povo. | Gazeta do Povo

Não há terraplanista que fique firme em suas convicções, após uma boa seção de astrofotografia. É o que garante o fotógrafo Sérgio Mendonça Junior, de 56 anos.
“Essa é uma piada bem forte, nos nossos grupos de observação. Sempre aparece alguém para falar isso ou afirmar que viu um extraterrestre”, ele sorri, chacoalhando a cabeça em descrédito. “O que eu digo é que quanto mais você estuda o céu, mais você vê que essas coisas são absurdas”, declara.
É com esse bom humor que, de quinze em quinze graus, ele acompanha diariamente a rotação da Terra, há quase duas décadas. Especialista em fotografias de “grande campo”— termo cunhado para denominar fotos que focam em elementos terrestres, em contraste com os astros — Sérgio vara as noites buscando nos céus, sinais de satélites, cometas e dos melhores ângulos para registrar nebulosas, planetas e a Lua.

“É fascinante. Depois que você experimenta uma boa noite de observação, não quer mais olhar para o chão. Não tem como”.

Com o porta-malas cheio, ao menos uma vez por mês ele prepara uma expedição para Vila Velha, em Ponta Grossa ou para São Luiz do Purunã, 50 km distante de Curitiba. Os dois pontos são os seus favoritos para passar uma noite em claro.
“Curitiba deve ser uma das piores cidades do Brasil para manter esse hobby e ainda assim conseguimos ver coisas extraordinárias. Já em Vila Velha, parece que as formações rochosas estão até posando para enquadrá-las com a Via Láctea”, conta com os olhos brilhando.
Da paixão, Sérgio já conseguiu produzir um livro e uma exposição itinerante, doada ao parque estadual. Conquistas que ele calcula terem sido produzidas em pelo menos 42 noites diferentes.

“Até hoje, em Vila Velha, distribuem postais com fotos que fiz lá. Isso estimula muito a visitação noturna e a observação do que está em volta de nós. Eu vejo que muitas pessoas perderam essa conexão com o céu e as referências espaciais”, lamenta.

Para resgatar esse sentimento e manter seu hobby ativo, o mais novo projeto do fotógrafo é a construção, em São Luiz do Purunã, de um observatório em parceria com um hotel fazenda. “Está sendo feito inteiramente de container. A ideia é ser aberto as pessoas, para todos os tipos de observação. Sonho até em ter equipamentos próprios para observação solar”, conta. A “estrela” do local, que deve ser inaugurado dentro de um mês, será um telescópio de 511 milímetros de abertura, um equipamento que sozinho pesa 130 quilos.
O “monstrão”, como ele chama a sua mais potente arma, é apenas um dos sete telescópios que ele mantém em seu acervo, além de uma luneta e inúmeros binóculos, incluindo um resgatado em uma feira, datado de 1910.

“É uma verdadeira fixação que tenho por binóculos e este da Primeira Guerra tem uma imagem realmente incrível. A cada tecnologia nova que surge é um fôlego a mais. Quanto mais longe você enxerga, mais você quer ver”, relata. “Desde comecei devo ter investido uma casa nisso, mas é uma conta que não quero fazer”, ri.

Estudar o céu é o melhor investimento

Apesar de manter uma coleção invejável, o fotógrafo insiste que para se começar a observar o céu, não é preciso ser nenhum megalomaníaco. Para ele, os iniciantes, munidos de um binóculo e paciência, conseguem ir longe.
“Muita gente perde o gosto porque compra logo um telescópio, mas sofre para posicionar e até para achar a lua é um desafio. A minha dica é dar pequenos passos e estudar muito para treinar o olhar e entender onde os astros estão”, diz Sérgio.
No começo dos anos 2000 ele dedicou cinco anos de estudo amador, apoiado por cursos à distância do Observatório Nacional e até sessões no planetário do Colégio Estadual do Paraná, para conseguir montar sua base de informações.
“Hoje nós temos aplicativos que nos ajudam imensamente, grupos onde trocamos informações e a própria chegada da câmera digital mudou tudo. Antes precisávamos focar a câmera e deixávamos o obturador correr cinco minutos para ver pequenos borrões. Hoje levamos menos de trinta segundos e a nitidez é impressionante”, detalha. “É um campo onde sempre temos o que aprender. Hoje estou relendo a questão mitológica, do zodíaco, por exemplo e é algo que quero levar para o observatório em São Luiz”.

Além do conhecimento e orientação espacial, os novatos em astrofotografia precisam ter sangue de barata. “Claro que existem noites em que você carrega o carro e o céu fecha, você volta sem nem ter aberto o porta-malas. Mas mesmo que você veja bem pouco, aquele pouco já é recompensador”, fala.

A paciência também é empregada nos momentos após a fotografia. “Aí são mais horas para tratar uma imagem”, ele suspira. Na sua caderneta mental, Sérgio acredita já ter feito mais de cinquenta mil fotos do espaço. Dessas, ele diz manter apenas cem em alta estima.
“A minha preferida com certeza é do Cometa McNaught”, ele relembra do corpo celeste que passou pela Terra em 2007. “Ninguém esperava muito, mas foi um cometa que conseguiu juntar todos os fatores para observarmos aquela grande cauda, com todas as cores. Algo que não se esquece fácil”, conclui. “Você só vê se está ligado em astronomia”.
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