Comportamento

Carolina Werneck

Pião, peteca, quebra-cabeça, amarelinha: as brincadeiras que nunca saem de moda

Carolina Werneck
12/10/2017 08:00
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O casal Maysa e Rafael fazem questão de apresentar às filhas, Lara e Isis, brincadeiras que as estimulem a ficar longe do mundo virtual. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo | Carolina Werneck Bortolanza

Ao longo das últimas décadas, as bonecas, carrinhos, petecas, piões, amarelinhas e balanços ganharam concorrentes na disputa pelo coração – e pelos braços e pernas e mãozinhas – das crianças. Jogos eletrônicos, vídeos disponíveis na internet e as redes sociais são apenas algumas das opções para manter os olhinhos colados à tela. Mas, do lado de fora dos aparelhos, a velha infância vivida pelos pais dessa geração ainda é capaz de atrair a atenção.
“Eu não chego a ver essa relação com a tecnologia como uma dificuldade, também porque nunca criei filhos em outra época, mas eu acho que é uma concorrência bem desleal. A brincadeira competir com tablet e celular é uma coisa bem desleal”, opina Maysa Nascimento, mãe de Lara, de seis anos, e de Isis, dois.
Ela conta que, quando as meninas estão distraídas com um filme, por exemplo, retirá-las da frente da televisão é um desafio. É preciso que a alternativa seja muito divertida, muito diferente. Rafael Martins, pai das crianças, avalia que o apelo visual é um dos fatores para que as duas, mas principalmente a mais velha, gostem tanto do que é virtual.
A importância do quintal
A família vive em um cantinho diferente da capital paranaense. A casa com quintal fica em uma rua sem saída. Da janela do quarto das pequenas vê-se o lago do Parque Barigui. Um privilégio em uma cidade que, de acordo com as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem mais de 1,9 milhão de habitantes. Quando escolheram o endereço, Lara tinha três anos e Isis ainda não era nascida. Um dos motivos para se mudar foi a chance de dar à filha um pedacinho da infância que os pais tiveram em sua época.
Deu certo. É perceptível a intimidade das duas irmãs com o ambiente externo da casa. No chão, desenhos feitos com giz colorido dão as boas-vindas aos visitantes. Durante toda a entrevista, elas sobem e descem os degraus e as muretas do quintal. Brincando sozinha em um balanço pendurado na garagem, Lara se diverte às gargalhadas quando o pai se aproxima e começa a girar as cordas do brinquedo. Experiências que não são comuns a todas as crianças que vivem em uma cidade tão grande.
Maysa conta, ainda, que notou diferença na relação das meninas com a natureza por causa do ambiente em que nasceram. “Claro que tem diferença porque elas têm personalidades muito diferentes, também. A Lara era cautelosa com grama, com areia. A Isis já é muito mais familiarizada com quintal, terra, sujeira, essas coisas.”
Distraída enquanto sobe e desce de uma mureta, Lara diz que não sabe dizer exatamente qual sua brincadeira preferida. “Acho difícil de escolher, porque tem várias. Gosto de pega-pega, esconde-esconde, de desenhar, de detetive.” Quando a mãe conta que o que mais gostava de fazer quando criança era brincar de boneca, a menina abre um sorriso: “eu prefiro Barbie”. Dentro de casa, ela e a irmã começam a mostrar os muitos brinquedos lúdicos que decoram o quarto. Quebra-cabeças, bichos de pelúcia e bonecas povoam as prateleiras e fazem brilhar os olhos das duas. Isis aponta uma matrioska e começa a montar e desmontar o brinquedo, enquanto Lara abre uma caixa de quebra-cabeças e espalha as peças pelo chão.
Os quebra-cabeças são diversão garantida para as irmãs Isis, 2 anos, e Lara, 6, quando elas não estão  brincando no quintal. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Os quebra-cabeças são diversão garantida para as irmãs Isis, 2 anos, e Lara, 6, quando elas não estão brincando no quintal. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Rafael aproveita para destacar as possibilidades que um quintal oferece às crianças. “Eu não sou muito de me movimentar, faço menos do que deveria. Então a casa tem um incentivo, tem o quintal. Vamos para fora, fazemos qualquer coisa, já é um tipo de exercício.” A importância dessa infância criativa o acompanha também no trabalho. Ele faz parte da Parabolé, companhia que se dedica a promover projetos culturais para crianças. “Por muito tempo foram espetáculos musicais em escolas. De um tempo para cá a gente está investindo em audiovisual.” Rafael destaca a série “Auê”, que vai mostrar em 27 episódios como são as brincadeiras em diferentes contextos sociais, como em assentamentos do Movimento dos Sem Terra (MST), aldeias indígenas, colégios internacionais e escolas públicas.
Amarelinha e literatura
Na casa da família Medeiros Carneiro celular e tablet têm hora certa. A mãe, Aruana Medeiros, explica que Helena, de nove anos, e Laís, de seis, podem utilizar os aparelhos por períodos entre 15 e 20 minutos por dia. “Quando eu saio de casa e a Helena está no celular, por exemplo, a gente combina. Aí eu mando uma mensagem no Whatsapp, porque sei que ela não vai cuidar do tempo. Mas eu aviso que já deu o período e elas me obedecem.”
Aruana e o marido, Walter Carneiro Filho, também optaram por uma casa com quintal por causa das filhas. A deles fica em um condomínio e tem até uma amarelinha pintada do lado de fora. Prato cheio para as filhas, que foram estimuladas a se mexer desde cedo. “A gente sempre procura dar estímulo para as coisas não virtuais, não eletrônicas. São coisas que a gente procura remeter à infância. Por exemplo as cinco marias, pular elástico, pular corda.”
Helena, 9 anos, e Laís, 6, adoram brincar de amarelinha no quintal de casa. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Helena, 9 anos, e Laís, 6, adoram brincar de amarelinha no quintal de casa. Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo
Para Helena, a diferença entre ela e os amigos da escola é visível. “Eu acho que para eles meio que é só celular. Gosto de não usar o tempo todo porque aí a gente aproveita a vida. Porque vamos supor que seus primos estão na piscina e você fica no celular. Você poderia estar se divertindo bem mais na piscina do que só no celular, jogando.”
Além da atividade física, dosar o uso de aparelhos eletrônicos tem ainda outro efeito. Laís está, atualmente, lendo dois livros de Monteiro Lobato, “O Picapau Amarelo” e a “A chave do tamanho”. “O que eu mais gosto é a Narizinho, porque ela tem o nariz ‘arrebentado’.” A mãe comenta que a menina passa o dia todo com papel e caneta. “Não sei se é a fase, porque ela está sendo alfabetizada, mas ela tem muito aguçada essa curiosidade pela leitura e pela escrita.”
Velhos brinquedos novos
Gilberto Afonso é proprietário da Gepetto, que fica no centro histórico de Curitiba. Desde 1983 a loja comercializa brinquedos tradicionais feitos em madeira. Para o comerciante, o encantamento das crianças com esse tipo de objeto não diminuiu com o passar dos anos. “As crianças que vêm aqui ficam encantadas.
Nós estamos imersos na era digital e não tem saída, mas você tem que oferecer o outro lado. Brinquedos em madeira, além da funcionalidade, também ajudam a criança a aprender questões históricas e culturais.” Há 34 anos no mercado, ele garante que não há queda na procura por seus produtos e que, assim como as famílias de Maysa e Rafael e Aruana e Walter, ainda há muitas pessoas que se preocupam em manter essas memórias vivas.
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