Comportamento

Jane E. Brody, New York Times

Como combater os efeitos da solidão, que suga a nossa vitalidade

Jane E. Brody, New York Times
24/08/2018 17:00
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A solidão aumenta em 30%v o risco de morrer precocemente. Foto: Chetan Hireholi/Unsplash.

O clipe de quatro minutos produzido para o Festival de Cinema e Conferência UnLonely, em maio, mostrava uma jovem caloura que se sentia terrivelmente só. Sentia uma saudade absurda de casa e dos amigos de colégio que, pelo menos no Facebook, pareciam estar se divertindo horrores.
Ele me lembrou de um período difícil por que passei, aos 18 anos, segundo de faculdade; parecia que eu não tinha amigos, me sentia infeliz e desesperada para sair de lá.
Eu não sabia na época, mas estava na faixa etária – dos 18 aos 24 – que hoje apresenta a incidência mais alta de solidão, que é até 50% mais alta do que entre os mais velhos. Segundo os especialistas, para os jovens adultos, a solitude e o isolamento social são os principais fatores de indução ao suicídio.
Felizmente fui à clínica da universidade, onde uma psicóloga astuta examinou meu histórico escolar excelente, incluindo uma longa lista de atividades extracurriculares, e observou que ali eu fizera alguns trabalhos apenas durante o primeiro ano.
“Não há nada de errado com você que não possa ser resolvido com uma maior integração na comunidade universitária”, concluiu. E sugeriu que eu me envolvesse com algo que me aproximasse aos estudantes com interesses semelhantes.
Protestei alegando que, cursando Bioquímica, com aulas matinais seis dias por semana e quatro sessões de laboratório à tarde, não tinha tempo para muita coisa. Ela só respondeu: “Você tem que encontrar tempo. É essencial não só para a sua saúde como para que sua experiência universitária seja bem-sucedida.”
Na falta de opção melhor, passei a fazer parte da revista mensal montada pelos alunos, que pelo menos cabia no meu horário acadêmico intenso – e não demorei a me apaixonar pelas entrevistas com os pesquisadores e o que escrevia sobre suas atividades. Na mesma época, fiz amizade com nosso consultor, um professor com jeitão de vovô que me estimulou a expandir meus horizontes e a seguir o que me coração mandava.
Dois anos depois, já para me formar e como no cargo de editora da revista, troquei a Fisioquímica e Bioquímica Avançada pela Elaboração de Notícias e Comunicação Escrita.
E o resto é história. Com um mestrado em Redação Científica e dois anos de experiência como repórter, aos 24 anos fui contratada pelo New York Times, cargo pelo qual sou apaixonada há 53 anos.

Ao criar relações sociais gratificantes na faculdade, não só superei a solidão como encontrei o caminho para uma carreira maravilhosa.

Relações na pauta da saúde pública

“A conexão social é, sem dúvida, essencial para a felicidade e a saúde”, afirma o Dr. Jeremy Nobel, fundador do Projeto UnLonely e membro da Faculdade de Cuidados Emergenciais da Faculdade de Medicina de Harvard. Em um artigo para The Boston Globe escrito por Michelle Williams, reitora da Faculdade de Saúde Pública T.H. Chan de Harvard, os dois especialistas afirmam que a solidão e o isolamento social têm um papel “incomensurável” nos suicídios perfeitamente preveníveis.
Por isso, defendem as relações sociais como prioridade nacional de saúde pública, “para reduzir as mortes causadas pelo desespero que, além de serem desoladoras, podem ser evitadas”.
Mas é claro que nem só os jovens se sentem só. “Mais de 30%  dos adultos são cronicamente solitários, e 65% das pessoas se sentem seriamente solitárias a maior parte do tempo”, relatou Nobel em entrevista. Entre os grupos com incidência mais alta está o de veteranos, sendo que quase vinte por cento deles tiram a própria vida diariamente, em média. Metade dos CEOs padece do mesmo mal (o topo da cadeia também pode ser solitário), o que pode afetar negativamente seu desempenho no cargo.
Foto: Bigstock
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O índice de solidão crônica também é alto entre os mais velhos que, além das limitações impostas pelas doenças crônicas, podem sentir os efeitos isoladores do problema de mobilidade, falta de transporte e perda auditiva não tratada.
Entretanto, a Dra. Julianne Holt-Lunstad, professora de Psicologia da Universidade Brigham Young, disse na conferência UnLonely que ninguém está imune aos efeitos tóxicos do isolamento social. “É tão angustiante que vem sendo usado como forma de punição e tortura”, diz ela.

“A solidão suga a vitalidade, afeta a produtividade e diminui a alegria de viver”, escrevem Nobel e Williams. E seus efeitos na saúde são semelhantes ao da obesidade, do alcoolismo e do consumo de pelo menos quinze cigarros diários, aumentando o risco de uma morte precoce em 30%.

Segundo Nobel, o objetivo do Projeto UnLonely é gerar a conscientização de sua incidência, cada vez maior, reduzindo os efeitos danosos, o estigma e o constrangimento relacionados a ela.
“Queremos que o público saiba que a solidão não é culpa de ninguém, e estimular seus membros a se engajar em programas que possam diminuí-la”, completa. Um programa exibido no festival mostra um grupo de mulheres mais velhas do bairro do Harlem que fazem nado sincronizado. “Quando comecei não sabia nem nadar, mas hoje não perco aula por nada deste mundo”, afirma uma das integrantes.
Em Augusta, na Geórgia, uma parceria com a organização de aposentados AARP oferece cursos de pintura, música e dança para os cuidadores, que geralmente têm poucas chances de se relacionar com os outros e gozar dos benefícios do apoio mútuo e da amizade.
“Praticar uma atividade criativa e gratificante ajuda não só esses profissionais como quem sofre de doenças crônicas a sair da concha e se conectar com os outros“, disse a Dra. Ruth Oratz, oncologista do Centro Médico Langone da Universidade de Nova York, ao público da conferência patrocinada pela Fundação para a Arte e a Cura.
“O objetivo da fundação é promover o uso das artes criativas para unir as pessoas e fomentar o bem-estar e a cura através de atividades como redação, música, artes plásticas, jardinagem, artes têxteis como tricô, crochê e bordado, e até culinária”, explica Nobel, que prossegue:

“A solidão não só deixa a pessoa infeliz, como também pode matar. As expressões artísticas criativas têm o poder de conectá-la consigo mesma e com os outros. Por que não fazer uma reuniãozinha informal, com cada um oferecendo um prato? Além de ser simples, é uma ótima opção de reunião e comer bem.”

Redes sociais = afastamento e ansiedade

Para os estudiosos, a vida moderna, embora dê a impressão de promover a conectividade, tem o efeito oposto, fomentando o isolamento social e a solidão. Segundo a fundação, “A internet e as redes sociais reforçam os sentimentos de solidão, depressão e ansiedade”.
É raríssimo alguém relatar histórias íntimas de infelicidade e isolamento no Facebook; pelo contrário, as postagens da rede social geralmente exibem só momentos de diversão e amizade. Aqueles que não têm nem um, nem outro, têm grandes chances de se sentirem deixados de lado, ignorados. As comunicações eletrônicas passam a substituir as interações pessoais e os sinais sutis de ansiedade e as mensagens de carinho e calor humano que tais interações podem expressar.
Por que então não pensar em marcar um encontro esta semana com um amigo para tomar um café, jantar fora, ir a um museu ou simplesmente caminhar? Comunidades on-line como o Meetup.com também podem ser boas opções para encontrar pessoas com interesses comuns. Se nada mais der certo, vale pegar o telefone e bater um papo com alguém. Há grandes chances de vocês dois se sentirem melhor.
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