Comportamento

Flávia Schiochet

Como evitar brigas e manter amizades e o vínculo familiar no atual momento político

Flávia Schiochet
15/10/2018 12:00
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Trabalhar as emoções e repeitar a opinião do outro deve ser um exercício diário para manter o vínculo com a família e amigos. Foto: Bigstock

Dê o primeiro dislike quem ainda não se incomodou com o comportamento dos amigos e da família das redes sociais e nos aplicativos nos últimos meses. Independentemente da posição política, um outro posicionamento está ganhando as eleições: o da incompreensão e ausência de respeito com a opinião do outro.
Escutar o que as pessoas têm a dizer, mesmo que as opiniões sejam contrárias às nossas é um exercício diário de sobrevivência e relacionamento. A diferença faz parte do ser humano. Está nas pequenas e grandes escolhas, desde a torcida do futebol até a escolha das convicções e estilo de vida. E no atual momento político não é diferente.
Há 15 anos atendendo em clínica, a psicóloga Michele Maba nunca havia visto nada parecido. Nos três dias que sucederam o primeiro turno, a maior parte de seus pacientes chegaram emocionalmente abalados. “Uns 70% dos meus pacientes falaram sobre política. As pessoas estão muito mexidas. Elas citam brigas com parentes, amigos e amigos virtuais. Ou que estão com muito medo, melancólicas, angustiadas e com ansiedade”, relata Michele.
É fácil verificar que essas pessoas não estão apenas na sala de espera dos consultórios. O clima nos grupos de conversa no WhatsApp, nas postagens nas redes sociais e nos almoços de domingo está sobrecarregado. A psicóloga faz um comparativo do comportamento nas eleições com as preferências por clubes de futebol: “A opinião política está sendo tratada como algo clubista. Se sou Flamengo, defenderei o Flamengo até a morte. E na política não deveria ser assim. A política tem a capacidade de gerar raciocínio, argumentação e acolhimento”, lamenta Michele.

O comportamento na defensiva está mais acirrado ainda em tempos de eleições com redes sociais, que amplificaram o alcance das opiniões e faz com que muita gente queira marcar sua posição.

“Há quatro anos acessávamos as redes sociais apenas no computador. Hoje qualquer lugar tem wi-fi, todo mundo usa as redes sociais em qualquer horário, da criança de dez anos a avós de 80 anos”, conjectura Thaís Quaranta, neuropsicóloga. “As redes sociais deram a impressão de que as pessoas são especialistas em todos os temas e isso as faz opinar de maneira muito forte”, observa Michele.
Para equilibrar as relações — e também reconquistar o equilíbrio interno — o recomendado é dar um passo atrás, inclusive admitindo o erro caso tenha adotado um discurso agressivo. E colocar-se como ouvinte, tentando entender o porquê da posição política do outro.
Thaís alerta, no entanto, que é preciso evitar o desgaste. “Para ideias muito diferentes, em política ou outro assunto sensível, como religião, talvez valha a pena evitar o confronto caso o caminho indique que não se chegará a uma conclusão ou que não seja saudável”, aconselha a neuropsicóloga. Assim, preservam-se amizades e o bom convívio com a família. “Talvez aquele não seja o tema em comum para vocês conversarem”, completa.

Como lidar com a raiva

Agir no calor da hora, ouvindo os impulsos da raiva, só pode piorar a situação com os outros e consigo mesmo. Com a alta carga de cortisol no sangue, as respostas são mais imediatas e pouco racionais. “Tem maneiras de ter auto-controle. Não significa ser passivo, e sim conseguir ser assertivo”, diz Thaís.

A raiva não é de todo mal. É uma emoção primária, importante para mobilizar o indivíduo em direção à mudança.

Mas, quando os acessos de raiva são muito frequentes e intensos, as alterações deixam o corpo dolorido, com dificuldade para relaxar. “Se isso se repete com frequência, além de uma alteração fisiológica, temos uma alteração na psiquê e a gente começa a se entristecer. É muito comum a raiva ser seguida por tristeza”, explica a neuropsicóloga.
Foto: Bigstock
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Um pouco similar aos estágios do luto, a decepção com as eleições pode deixar as pessoas à flor da pele e, por isso, mais reativas. “Se a pessoa tem um candidato e cria expectativas de um cenário ideal, em que só ele pode resolver, e de repente isso não se concretiza, preciso me desapegar daquela ideia e lidar com a frustração de ver pessoas pensando diferentemente de mim”, ensina Michele.
Um caminho para lidar melhor com emoções como a raiva, frustração e irritação é se observar para identificar o que lhe causa esses sentimentos e o motivo de se responder dessa maneira. “Regular a emoção é muito parecido como ir na academia: não vale ir uma vez e depois parar. O treino é todo dia e para o resto da vida”, ensina Thaís. “Sempre na vida teremos algo nos contrariando na vida e temos de dar conta daquilo de algum modo. As pessoas precisam aprender a controlar essa raiva e conversar sobre as coisas de modo civilizado, sem ofender o outro”, observa Michele.
Pessoas com tendências a desequilíbrios psicológicos e emocionais podem se sentir mais fragilizadas em um período de polarização. Em seu consultório, Michele ouviu relatos de pacientes que tiveram crises de ansiedade antes da apuração dos votos. “Seria melhor se essas pessoas não se envolvessem nessas discussões se isso as deixa mal. Melhor não se desgastar”, aconselha a psicóloga.

Como lidar com as crianças

Mesmo evitando o assunto em frente às crianças, é impossível que elas não tenham acesso a comentários sobre a conjuntura política ou mesmo críticas e ofensas aos candidatos. “As crianças acabam reproduzindo os comentários e comportamento por modelação, porque têm no adulto a referência. Se os pais estão tão agressivos em casa a ponto de brigarem ou xingarem candidatos em frente às crianças, é provável que esses pais sejam incapazes de enxergar esse comportamento”, diz Michele.
Como uma saída, elas aconselham o diálogo e trazer mais informações sobre o assunto, como falar de História com os pequenos. “Esta pode ser uma época propícia para falar sobre diferenças, tolerância, respeito e empatia. E aí entra todo tipo de diferença, inclusive política”, diz Thaís.

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