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Conheça as histórias de vida dos “Jesus” brasileiros

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16/04/2017 16:00
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(Foto: Bigstock)

Jesus é o nome de milhares de brasileiros e brasileiras que levam vidas comuns – ou nem tanto – em todo o país. Confira como é o dia a dia de alguns deles:
Enquanto um Jesus está todo final de semana na igreja, onde foi presidente do conselho paroquial e ministro da Eucaristia, outro é analista de sistemas e toca bateria em uma banda de heavy metal. Os gaúchos Jesus Noely Sortica, 83 anos, e Jesus Tarabini Júnior, 42 anos, fazem parte de um seleto grupo de brasileiros: o dos batizados com o nome do messias do Cristianismo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, até 2010, haviam sido registrados 33.756 homens e 2.018 mulheres com o nome Jesus no país. De 2000 a 2010, 1.960 pessoas foram registradas assim. Quem ganha a mesma alcunha do “filho de Deus” – de acordo com a fé cristã – convive desde sempre com a associação praticamente inevitável entre o nome e a figura de Cristo.
Coordenadora do Núcleo de Psiquiatria e Espiritualidade (Nupe) da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), a psicóloga Anahy Fagundes Fonseca explica que, ao registrarem o filho com esse nome, os pais geralmente têm expectativas relacionadas a religiosidade ou espiritualidade em relação ao filho.
“Sabemos que o nome não determina a personalidade, mas nele estão depositadas expectativas dos pais em relação ao filho”, afirma Anahy. E são essas expectativas que, inconscientemente, podem influenciar no desenvolvimento das crianças, como o desejo de que o filho tenha valores associados a Jesus, como solidariedade, compaixão e fraternidade.
Ainda segundo a psiquiatra, estudos mostram que as crianças costumam responder a esse tipo de expectativa dos pais, seja correspondendo ou se revoltando, principalmente na adolescência. Isso explicaria porque alguns se orgulham e outros odeiam ter o nome Jesus – pedindo para serem chamados por apelidos ou outros nomes.
A esposa de um Jesus, por exemplo, conta que o marido não gosta do nome e atende apenas pelo sobrenome. Por causa de parentes muito religiosos, o marido não se sentia bem sendo chamado de Jesus. Outro problema seriam as recorrentes piadas que ele costuma ouvir por causa do nome. O homem, é claro, não quis participar da reportagem que trataria da relação dele com o próprio nome.
Piadinhas clássicas
Jesus voltou”, “Jesus está entre nós” e “Agora conheci Jesus” são algumas das tiradas clássicas que acompanham os Jesus ao longo da vida. Psicóloga e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Carolina Lisboa explica que é preciso diferenciar brincadeiras e bullying. O bullying, segundo ela, acontece de forma sistemática, dia após dia, resultando na exclusão. Por isso, tem de ser combatido, e as vítimas precisam procurar ajuda.
Mas piadinhas não são, necessariamente, bullying, e podem ser vistas de diferentes formas.
“Os (homens e mulheres chamados) Jesus podem levar essas piadas de forma adaptativa, entrando na brincadeira, ou dizerem que isso os incomoda”, afirma a psicóloga. “Quem fica chateado precisa falar que não gosta das brincadeiras”, completa.

História de vida dos “Jesus” brasileiros:

O metaleiro filho de Maria

Ao deparar com a barba e o cabelo até a metade das costas, muita gente achava que Jesus era o apelido de Jesus Tarabini Júnior, 42 anos. Às vezes, quando revelava que o nome de Cristo era de batismo, ele tinha de mostrar a identidade para que as pessoas acreditassem.
Aí vinha outra surpresa: o documento também comprova que ele é filho de Jesus e Maria. A escolha foi do pai, que queria ver em um filho o mesmo nome. Jesus Júnior nasceu em Uruguaiana, onde estudou em um colégio de freiras.
“Adivinha quem era o Jesus todo o fim de ano na apresentação de Natal?”, brinca Jesus que, embora tenha pais católicos, não segue nenhuma religião.
Fã de rock, o analista de sistemas deixou o cabelo crescer por volta dos 20 anos de idade. Embora o estilo inclua calças rasgadas, camisetas de bandas e tênis All Star, o cabelão e a barba acabaram criando uma imagem semelhante à das versões mais comuns da representação de Cristo. Assim, as pessoas passaram a achar que o nome era um apelido.
“Por isso, eu nunca tive um apelido na vida. Na banda, sou o único sem apelido”, afirma Jesus Júnior.
Quando resolveu cortar o cabelo, em 2016, Jesus deixou amigos e conhecidos “em estado de choque”. Ele é baterista na Old Barreiro’s Grandsons, que tem músicas autorais, mas também interpreta clássicos de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e Iron Maiden. Graças ao repertório pesado, o grupo costuma ser chamado com frequência para tocar em encontros de motoclubes ou festas de heavy metal.
Mais jovem, Jesus incomodava-se com piadas sobre o seu nome. Com o tempo, aprendeu a lidar com elas com bom humor, formulando até respostas prontas para as frases que mais ouve. “Tem quem me dê feliz aniversário no Natal“, conta Jesus. “Então, eu falo que estou esperando o presente”.
No trabalho, as piadas são direcionadas à tecnologia da informação (TI). “Quando fazemos um código, aparece o nome do autor. Aí, sempre tem alguém que diz que aquele código não pode falhar porque foi feito por Jesus”, conta o analista de sistemas. Foi a esposa quem sugeriu a imagem da tatuagem de Jesus: o personagem que inspirou seu nome.

Lucy queria ser freira, mas casou-se com Jesus

Quando ele nasceu, há 83 anos, a parteira disse para a mãe de Jesus Noely Sortica que ele teria poucas chances de sobreviver. Católica fervorosa, Erondina Machado Sortica começou a rezar pela vida do bebê. Prometeu que, caso ele sobrevivesse, teria o mesmo nome de Cristo.
Essa teria sido, segundo Sortica, a primeira vez que foi salvo pelo “verdadeiro Jesus”. A segunda seria anos mais tarde, quando servia ao Exército em Itaqui, na Fronteira Oeste. Com cerca de 20 anos, ele e outros colegas de quartel estavam em um caminhão que capotou durante uma viagem. Oito pessoas morreram na hora, e outras quatro, no hospital. Com a clavícula quebrada, Jesus passou 42 dias internado.
Desde os 22 anos, Jesus vive em Porto Alegre, onde conseguiu uma vaga em uma empresa de seguros, ramo no qual atuou até se aposentar. Primeiro, foi funcionário das seguradoras. Depois, montou seu próprio negócio, hoje gerido pelo filho: “Muita gente brincava que não trocava o seguro de Jesus por nada”.
Paralelamente ao trabalho, ele foi envolvendo-se cada vez mais com a religião católica. Uma figura importante nesse processo foi a mulher, Lucy da Silva Sortica, com quem é casado há 52 anos. Lucy queria ser freira e chegou a estudar em um colégio interno em Veranópolis, a 170 quilômetros de Porto Alegre, mas acabou impedida pela família. Quando conheceu o pretendente, pediu a Nossa Senhora que enviasse um sinal autorizando a aproximação.
“Aí ele me disse que o nome dele era Jesus. Entendi o sinal”, completa Lucy. “Ela não queria casar com Jesus? Então, casou”, brinca o marido, que acrescenta nunca ter ficado chateado por causa das piadas com o nome.
O casal participa ativamente das atividades da Igreja Nossa Senhora da Saúde, no bairro Teresópolis, onde vive. Um dos exemplos é o Encontro de Casais com Cristo, do qual já participaram por 35 edições. Lucy foi professora da catequese, e Jesus, presidente do conselho paroquial.
“Também fui ministro da eucaristia por 35 anos. Só parei porque tive um AVC (acidente vascular cerebral) que dificultou meus movimentos da perna”, relata Jesus Sortica.
Com dois filhos e dois netos, o casal vai à missa todos os domingos, fazendo da igreja uma segunda casa. Com exceção das procissões, Jesus e Lucy vivem intensamente todas as programações da igreja no período de Quaresma. De quinta a domingo, missas todos os dias estão na programação do casal.
Na sexta-feira Santa, dia em que se lembra a morte de Cristo, os dois ficam sem comer carne e também permanecem mais silenciosos do que de costume. Participam da missa às 15h. No sábado, vão à igreja à noite e, no domingo, pela manhã. É quando começa, para o casal, o clima festivo.
“Depois da ressurreição”, diz Jesus.
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