Comportamento

Rafael Costa

Contra o vício, empresa limita acesso de crianças a game na China. Adianta?

Rafael Costa
08/07/2017 12:00
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Acusado de causar vício entre crianças e jovens, um dos jogos de celular mais populares da China terá acesso restrito a este público no país. A Tencent Holdings, gigante de tecnologia responsável pelo game de batalhas multiplayer Honor of Kings, anunciou na última semana que vai limitar a uma hora por dia o uso para usuários menores de 12 anos. Eles também terão o acesso bloqueado a partir das 21 horas. Já os jogadores entre 12 e 18 anos poderão jogar durante duas horas por dia.
A empresa disse que reforçou o sistema de identificação dos usuários e que também haverá limites para compras feitas dentro do jogo.As medidas respondem a uma onda de críticas e reclamações contra o game na China, segundo a agência de notícias Reuters.
De acordo com o Wall Street Journal, publicações do governo chinês acusaram o jogo de provocar mudanças de comportamento nas crianças, que estariam chegando ao ponto de furtar cartões de crédito dos pais para continuar jogando.
O sistema “anti-vício” acompanha atualizações na plataforma de “controle parental” da empresa. Ao anunciar as medidas, a Tencent pediu aos pais que supervisionem mais ativamente o comportamento dos filhos no jogo.
Funciona?
Segundo o o psiquiatra Daniel Spritzer, do Grupo de Estudos de Adições Tecnológicas (GEAT), medidas de restrição como as que foram tomadas pela Tencent na China têm se tornado mais comuns em países asiáticos, onde o problema do uso excessivo de jogos eletrônicos é “bem mais prevalente”.
“Claro que não se espera resolver um problema complexo como uma solução simples, mas, se bem associadas com outras intervenções de prevenção e tratamento, [medidas como essa] podem ter bons resultados”, explicou ao Viver Bem.
Fernando Tensini, neurologista do Hospital Marcelino Champagnat, explica que a restrição tem efeito pontual, porque não resolve a causa da adição. Ao ter o acesso negado, é provável que estas crianças e jovens (se não conseguirem furar o bloqueio) procurem outros jogos e apresentem a mesma falta de autocontrole, já que a propensão ao vício geralmente está associada a outros problemas psiquiátricos que precisam de atenção.
“A indústria poderá dizer que fez sua parte, mas não vai resolver a questão que está na base, que é saber o porquê de essas crianças estarem tão suscetíveis ao vício”, ressalta.
Dá para prevenir?
Para Tensini, o caso chinês é sintoma de um problema maior. Segundo o especialista, estudos realizados em mais de 30 países indicam que entre 4% e 10% da população mundial têm algum grau de vício em dispositivos eletrônicos — sinal de que está faltando aos pais impor limites e estimular o contato das crianças com atividades longe das telas. “Uma pesquisa recente mostrou que o risco de desenvolver o vício é inversamente proporcional ao nível de atividade física”, diz.
Quando se preocupar
O neurologista diz que não existe um limite estabelecido de horas considerado saudável para o uso de jogos eletrônicos. “Isso talvez não seja o mais importante. O maior problema é a perda de autocontrole, quando a pessoa não consegue parar de usar ou sente angústia quando não está usando”, explica. Se o jogo começar a afetar o rendimento na escola, os relacionamentos ou até mesmo a saúde da criança (o uso excessivo, além de estar associado ao sedentarismo, pode provocar problemas de visão e postura), é hora de agir.
O primeiro passo é conversar com a criança, explicar o problema e impor limites. Se a família perceber que, diante das restrições, ela se tornou agressiva — ou, como no caso da China, apresentou comportamentos como o furto de cartões para jogar —, os pais devem procurar ajuda de um pediatra ou psiquiatra.
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