Comportamento

Carolina Werneck

Como vivem os estrangeiros no Paraná, terceiro estado que mais recebe imigrantes no país

Carolina Werneck
25/06/2018 16:30
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Foto: Bigstock.

Uma vez por semana, Ahmad Igheish, 24 anos, pega seu telefone, em Curitiba, e liga para sua família. A 11 mil quilômetros de distância, na Faixa de Gaza, seus pais e irmãos contam como está a vida e querem notícias do contador que, há um ano, deixou a Palestina em busca de um futuro melhor no Brasil.
“Normalmente eu não posso falar com eles porque falta energia na Faixa de Gaza”, lamenta o jovem, em um português tão claro que fica fácil entender por que foi contratado para ensinar inglês a brasileiros em uma escola de idiomas da capital paranaense. Ahmad conta que precisou esperar um ano antes de conseguir deixar sua terra natal. Nascido em uma das mais longevas zonas de conflito do mundo, ele decidiu deixar para trás a guerra e tentar a vida longe de casa. E sonha em trazer a família toda para perto. Para isso, aguarda autorização para viver permanentemente no Brasil. Por enquanto, seu visto é de refugiado.
Como ele há muitos outros. Ualid Rabah é diretor de relações institucionais da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) e explica que, hoje, todos os migrantes que vêm daquela região entram aqui como refugiados. “São fluxos recorrentes da tragédia humanitária de Gaza. Alguns estão saindo da Palestina pela primeira vez. Outros estão vindo como refugiados de seu primeiro refúgio. Isso porque foram para a Síria e, agora, vêm para o brasil em decorrência dos acontecimentos na Síria.”
Ahmad é palestino e veio ao Brasil para fugir do conflito na Faixa de Gaza. Foto: Arquivo Pessoal
Ahmad é palestino e veio ao Brasil para fugir do conflito na Faixa de Gaza. Foto: Arquivo Pessoal

Um povo essencialmente imigrante

Assim que os primeiros portugueses chegaram à Bahia, nos anos de 1500, o Brasil tornou-se irremediavelmente um país de imigrantes. Há mais de 500 anos, povos vindos de várias partes do mundo contribuem para a formação da população e da cultura brasileiras, o fortalecimento da economia e a geração de riquezas.
Aqui, constroem futuros. São italianos, alemães, libaneses, holandeses, japoneses, ucranianos, poloneses, turcos e outros tantos. Os históricos fluxos migratórios que trouxeram tanta diversidade à população brasileira seguem existindo ainda hoje. O que muda são as nacionalidades e as razões para essa migração. “Desde a colonização, o que veio a ser o Brasil passou a ser formado por vários povos, várias nações. O brasileiro é o índio, é o caboclo, é o negro, é o europeu e assim por diante”, afirma Eduardo Gomes, professor de direito internacional da Uninter.
De acordo com um relatório do Ministério da Justiça divulgado em abril, o Paraná é o terceiro estado que mais recebe imigrantes no país. Para Gomes, a explicação para essa preferência é econômica. “O que acontece é que, quando esses imigrantes vêm para o Brasil, ele vai buscar melhores condições de vida. No primeiro momento isso quer dizer buscar um emprego. E a região sul em tese tem uma oferta maior.”

Da Nigéria para o Brasil

Aos 31 anos, Abiola Sulaimon Yusuf vive no Brasil desde 2014. Nascido em Kajola, na Nigéria, ele veio ao país para ver a Copa do Mundo e não quis mais voltar para lá. “Antes de vir, eu fiz uma pesquisa sobre alguns estados e descobri que Curitiba era a cidade mais linda e organizada. Aqui tem mais imigrantes da Europa e seus descendentes, mas, das capitais do sul, Curitiba concentra o maior número de negros.”
Abiola é secretário financeiro da Comunidade Nigeriana no Estado do Paraná (Conipa). Segundo dados da organização, cerca de 100 nigerianos vivem hoje na região da capital do estado. Ele conta que a comunidade é muito unida. “A maioria mora em Fazenda Rio Grande, muitos têm casa própria e naturalização brasileira. É lá que a gente sempre se reúne para jogar futebol aos domingos, feriados e festas que fazemos.”
Os perfis são variados. Há bancários, professores, cabeleireiros, vendedores, empreendedores. “Os nigerianos saem de lá para ter um futuro melhor, pois na Nigéria não existem educação e saúde gratuitas, tudo é pago.”

Frio, português e falta de emprego

Para ele, uma das maiores dificuldades no período de adaptação foi o clima da cidade. “Eu cheguei durante o inverno e lá na Nigéria não tem frio. Aprender a língua portuguesa também é difícil.” Ele conta que começou a se acostumar ao idioma com a ajuda do Google tradutor. Mas, um ano e meio depois, casou-se com a cantora curitibana Michele Mara, o que facilitou seu aprendizado. Conseguir trabalho também não foi fácil. “Foi o que me trouxe o maior sofrimento no Brasil. Até que saí de Curitiba e fui morar em Salvador por nove meses. Foi lá que comecei um negócio de vender roupas da África. Voltei para Curitiba e hoje tenho minha empresa, a Asá Omoluabi.”
O drama do emprego é comum entre os imigrantes. Gomes salienta que as dificuldades para conseguir trabalho fazem com que muitas pessoas que têm formação acadêmica em seus países de origem acabem empregadas em funções muito diferentes daquelas que estudaram para exercer. “Tem muita gente qualificada, mas que não vai encontrar postos de trabalho qualificados ate por uma questão de documentação. Muitas vezes esses imigrantes chegam aqui sem sem quaisquer documentos e têm que reconstruir a vida até mesmo documentalmente.”
Abiola veio ao Brasil para ver a Copa de 2014 e gostou tanto que decidiu ficar. Foto: Arquivo Pessoal
Abiola veio ao Brasil para ver a Copa de 2014 e gostou tanto que decidiu ficar. Foto: Arquivo Pessoal

Preconceito e falta de ações afirmativas

Os problemas para se adaptar à cultura, à gastronomia e à rotina em um novo país já são bem grandes. No caso dos refugiados, há ainda as dificuldades para regularizar seus documentos no Brasil. Muitos desses imigrantes, no entanto, têm que lidar com um obstáculo a mais: o preconceito. Abiola reclama que, muitas vezes, os brasileiros o tomam por haitiano. “Em vez de perguntarem de onde eu sou, perguntam se sou haitiano, ou já começam me cumprimentando em francês, quando no meu país se fala inglês. Nem todos os negros aqui são haitianos, tem negros de diversas partes do mundo. Inclusive minha esposa sempre é confundida com haitiana e ela é curitibana.”
No caso das pessoas que vêm do Oriente Médio o preconceito assume outras formas. “Ultimamente a maior parte é de muçulmanos. E nós vivemos uma campanha islamofóbica no Brasil. Não se criminaliza refugiados europeus, mas palestinos e sírios, sim. Isso é islamofobia”, diz Ualid.
Sem um conjunto específico de políticas públicas para receber imigrantes, o governo brasileiro também contribui para dificultar a vida dessas pessoas. Para os palestinos, por exemplo, que estão vindo de uma área de conflito, a chegada é difícil. “Hoje não é tão fácil se estabelecer, pegar uma mala e ser mascate. Além disso, a comunidade palestina daqui já está na segunda ou terceira geração. Não são imigrantes recentes que falam árabe. Antigamente essas pessoas estavam na mesma rua e tinham um senso comunitário. Hoje, não. Então quem chega é muito mais dependente da forma como o país recebe os refugiados.”
Gomes tem uma visão parecida. “A gente não vê uma política de ação voltada não só a abrir as fronteiras, mas a receber o imigrante e inseri-lo na sociedade. Isso seria algo como fornecimento de alimentação, oferecer cursos de capacitação, fazer com que a pessoa possa aprender o idioma e por aí vai. O que a gente vê são ações pontuais. Isso demonstra o improviso do Brasil. A sociedade civil, as instituições, as universidades é que acabam muitas vezes fazendo esse papel.”
Imigrantes venezuelanos são abrigados em instalações provisórias em Boa Vista, Roraima. Falta de políticas permanentes de acolhida dificulta a vida dos que vêm ao país como refugiados. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imigrantes venezuelanos são abrigados em instalações provisórias em Boa Vista, Roraima. Falta de políticas permanentes de acolhida dificulta a vida dos que vêm ao país como refugiados. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Como ajudar?

Mas, se os problemas são tantos e as políticas públicas são escassas, como o cidadão comum pode facilitar a adaptação de imigrantes? Ualid dá algumas ideias. “O que o imigrante quer é trabalho e poder viver dignamente e exclusivamente do seu trabalho. Então podemos auxiliá-lo na língua, no caso dos jovens, auxiliá-los a completar seus estudos. E, claro, auxilar com problemas documentais.”
Receber bem essas pessoas, com o respeito, também é fundamental. Gomes lembra que “eles não estão aqui porque querem. É uma necessidade. Se tivessem opção, muitos  voltariam. Então temos que buscar fazer com que esse estranho não se sinta tão estranho, dando a ele uma acolhida para que ele possa se sentir integrado na sociedade”.

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