Comportamento

Beatriz Pozzobon, especial para a Gazeta do Povo

Se você ainda tem dúvida se deve começar um trabalho voluntário, conheça estas histórias

Beatriz Pozzobon, especial para a Gazeta do Povo
31/07/2018 07:00
Quando tinha apenas 11 anos, a jornalista Aline Czezacki Kravutschke ingressou em um projeto de voluntariado da escola. Como era muito nova, a ideia era participar apenas como ouvinte. Poucos meses depois, já ministrava palestras. O principal tema: HIV. Ela queria salvar o mundo da Aids. Doze anos se passaram e, hoje, Aline é funcionária da ONU em Brasília. Ela atua como consultora do UNAIDS, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS no Brasil. Na semana passada, Aline embarcava para Amsterdã para participar de uma conferência internacional sobre o tema.
O voluntariado entrou na vida da jornalista quando ela era estudante do Colégio Sepam, em Ponta Grossa, e iniciou sua trajetória como ativista no projeto Menarca, que existe até hoje. O Menarca atua na promoção da saúde de meninas em escolas públicas do município. O diferencial do projeto está na condução dos debates, realizados pelas próprias alunas do colégio, que, sob orientação de uma ginecologista e uma psicóloga, ministram palestras para outras jovens sobre menstruação, gravidez na adolescência, DSTs, métodos contraceptivos e outros temas de interesse.
“Sempre quis passar uma mensagem de não discriminação e levar informação sobre um tema que ainda hoje é tabu”, diz a jornalista. Aline participou do Menarca por oito anos e, durante esse período, foi ganhando voz e visibilidade para falar sobre HIV/AIDS. Em 2011, tornou-se a primeira paranaense a representar o Brasil na Conferência Regional das Nações Unidas para Jovens da América Latina e Caribe, organizada pela ONU e realizada no México.

Aumento

Aline não está sozinha. Foi o que revelou a pesquisa “Outras Formas de Trabalho”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento, 7,4 milhões de pessoas realizaram trabalho voluntário no país em 2017, o equivalente a 4,4% da população de 14 anos de idade ou mais. O aumento foi de 12,9% em comparação a 2016.
Os dados são baseados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), que considera trabalho voluntário aquele não compulsório, realizado por pelo menos uma hora na semana, sem receber remuneração ou benefícios em troca, e realizado em apoio a pessoas que não moram no mesmo domicílio do entrevistado e não são de sua família.
O Colégio Sepam incentiva o voluntariado entre alunos e professores há mais de 20 anos. Por lá, os estudantes podem participar de quatro projetos oferecidos pela instituição, de acordo com o perfil e a idade de cada um.
O Grupo Sepam Foto: Divulgação.
O Grupo Sepam Foto: Divulgação.
Aos 15 anos, Valentina de Araújo participa do Grupo da Cidadania, que realiza visitas e doações para abrigos e asilos do município. O que ela mais gosta de fazer é visitar o Lar das Vovozinhas. “Nós contamos histórias para elas, pintamos as unhas, tocamos violão”, conta. “Gosto muito de conversar com elas. Elas sempre têm o que falar, sobre os netos, sobre a vida quando eram mais jovens. E ficam muito alegres quando a gente vai lá”, acrescenta.
No ano passado, todas as segundas-feiras, Valentina dava aulas de inglês para alunos do 1.º ao 5.º ano da rede municipal, uma iniciativa do projeto Step by Step. Ela, que fez inglês durante sete anos, conta que a primeira vez que entrou numa escola pública levou um “choque”. “É uma realidade muito diferente da eu estava acostumada”, diz. “E, no final, eu que aprendi muito com as crianças. Principalmente a questão da empatia, entender um pouco do que o outro passa”, explica a estudante, que influenciou vários amigos a participarem dos projetos também.
O coordenador pedagógico do Sepam, Jacob Cavagnari, afirma que o voluntariado nasceu a partir da necessidade de desenvolver uma formação mais humana na escola. “Os jovens querem se doar para ‘algo mais’ e, às vezes, eles não sabem por onde começar. Quando eles encontram oportunidade dentro da escola, se sentem felizes e úteis, em poder propagar o que acreditam e realmente fazer o bem”.
Segundo o coordenador, um aluno que passa por um projeto de voluntariado amadurece e se torna um profissional mais comprometido, responsável e humano. “O jovem passa a dar mais significado à sua vida e às suas ações. Ele sabe que seu estudo é importante, porque quanto maior o seu conhecimento, maiores os recursos e as possibilidades de fazer a diferença”, destaca Cavagnari.

Muito além da comida

Todas as sextas-feiras, o recepcionista Fernando de Moraes, de 33 anos, sai do trabalho e vai direto para o seu principal compromisso da semana: cozinhar para pessoas em situação de rua. Além de preparar os alimentos, ele, junto a um grupo de amigos, distribui marmitas em locais como os arredores do Mercado Municipal, da Praça Santos Andrade e da Praça Tiradentes.
Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo.
Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo.
Já são cinco anos atuando no Rango de Rua, um projeto que nasceu quando duas amigas se reuniram para fazer uma ceia de Natal para os moradores de rua de Curitiba. De lá para cá, já foram muitas conquistas. A principal delas, uma cozinha industrial montada em uma casa no bairro Barreirinha, em que os voluntários se reúnem para preparar o alimento. Afinal, toda semana, são distribuídas 200 marmitas de 700 g cada, com arroz, feijão, carne e legumes. Tem também suco e sobremesa.
“A comida é nosso cartão de visita. Uma comida saborosa, preparada com carinho por voluntários sempre atenciosos, dispostos a ajudar no que for preciso”, destaca o recepcionista. “Quando a pessoa se sente confortável, ela vem falar com a gente. Às vezes, ela só precisa de cinco minutos de atenção. Cinco minutos que podem transformar a vida dela”, completa.
E é de conversa em conversa que o grupo já correu atrás de roupas, agasalhos, cobertores, documentos, passagens e até de familiares das pessoas em situação de rua. “Já tiramos muita gente da rua”, recorda Fernando. Ele pontua casos em que auxiliou os moradores a retornarem para as famílias no interior, conseguir um trabalho e fazer cursos. “Você descobre que na rua tem professor universitário, gente que fala vários idiomas, que tem talento para escrita, entende os fatores que levaram aquela pessoa a estar ali e passa a olhá-las sem julgamento”, conclui.

Um teto para quem precisa

Foi no curso de Arquitetura e Urbanismo que ela sentiu que precisava fazer “algo mais”. Estudante da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Aline Sanches queria retribuir para a sociedade o que aprendeu em uma instituição pública. Assim, em 2015, ela se tornou voluntária do Teto, uma organização internacional focada na defesa dos direitos das pessoas que vivem nas favelas.
Há três anos no projeto, a arquiteta dedica, atualmente, 20 horas por semana ao voluntariado, um valor bem acima da média dos brasileiros. A pesquisa do IBGE mostrou que, em 2017, a média de horas despedidas em tais atividades foi de 6,3 horas semanais.
Aline é voluntária da ONG Teto. Foto: Arquivo pessoal.
Aline é voluntária da ONG Teto. Foto: Arquivo pessoal.
Ela, que mora no Centro de Curitiba, diz que passou por um choque de realidade a primeira vez que pisou numa favela. “É muito importante você chegar e conversar com as famílias que vivem lá. Entendê-las como pessoas que têm muito potencial, mas que muitas coisas são negadas a elas”, diz.
Aline está trabalhando em uma ação que deve beneficiar 15 famílias moradoras de áreas de invasão na Caximba, no extremo sul de Curitiba. Trata-se de um projeto de captação de água de chuva e iluminação solar. Além disso, durante toda a última semana, a arquiteta se dedicou à construção de 27 casas de emergência na CIC, onde ficou alojada durante seis dias em uma escola da região.
Segundo a arquiteta, o ideal do Teto é que moradores e voluntários trabalhem lado a lado na construção das moradias – casas de 18 m² de madeira tratada. “O morador precisa participar de todas as etapas e se sentir pertencente àquilo”, esclarece. “É muito gratificante ver nosso trabalho fazendo a diferença na vida das comunidades. Sou muito grata a tudo que aprendi ali, como pessoa e como profissional”, acrescenta.

A questão do refúgio

A questão da migração despertou o interesse do estudante Rafael Yoshida Machado, de 23 anos, logo no início do curso de Relações Internacionais, quando estudava sobre direitos humanos e direito internacional. “A migração é um fenômeno muito presente no mundo globalizado, mas eu me questionava até que ponto a prática tem sido acolhida de fato”, afirma.
Foi esta preocupação que o aproximou do trabalho desenvolvido pela Cáritas, entidade da Igreja Católica que atua na defesa dos direitos humanos e desenvolve serviço de acolhida e integração de refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. “A minha vontade era fazer com que os direitos da população migrante fossem realmente acolhidos”, destaca o estudante.
Foto: Arquivo pessoal.
Foto: Arquivo pessoal.
Assim, desde o começo do ano, Rafael já prestou atendimento a cerca de 250 refugiados, especialmente venezuelanos e sírios, mas também cubanos e africanos de diversos países. Por semana, ele dedica oito horas ao trabalho voluntário. O estudante dá orientações sobre todos os trâmites legais que envolvem os pedidos de refúgio no Brasil.
“O contato com os refugiados é sempre uma troca. Depois do atendimento, eu sou outra pessoa. Você deixa um pouco de si no outro e traz um pouco dele para você”, explica. “O crescimento do outro faz a gente crescer também. Talvez eu seja idealista. Mas o que eu acredito é que a gente precisa pensar na sociedade como um todo. E, assim, pensar no outro é pensar no todo, que também inclui nós mesmos”, finaliza.

Jovens querem fazer algo relevante, afirma psicólogo

O psicólogo Lucas Daniel Daros, mestre em Ciências Humanas, conta que já ouviu, diversas vezes, em seu consultório, jovens dizendo que querem fazer algo relevante para o mundo. Segundo o psicólogo, esse seria o principal motivo para o engajamento dessas pessoas em trabalhos voluntários.
“O trabalho voluntário se relaciona muito bem com o senso de urgência comum dessa idade. Basta estar disposto, encontrar um meio para participar e começar. Esse fator atrai os jovens, pois vai ao encontro do interesse de impactar a realidade sem precisar esperar muito por isso. Acredito que esse é esse o motor da busca, ‘ser útil agora’”, explica Daros.
De acordo com o psicólogo, o trabalho voluntário é uma oportunidade de enriquecimento pessoal. “Essa atividade propicia novas perspectivas sobre a realidade que nos cerca, mudando a maneira com que enxergamos o mundo a nossa volta. Dessa forma, o jovem que participa de uma atividade voluntária aumenta seu repertório de condutas, o que o auxilia a enfrentar os desafios da vida”.
Segundo Daros, uma dica fundamental para quem quer ingressar em um trabalho voluntário é procurar organizações compromissadas com esta atividade. “Muitas delas promovem encontros e palestras com o intuito de explicar e capacitar trabalhadores voluntários. Essas informações são fundamentais para o jovem, pois alinham seus interesses pessoais com a realidade de cada trabalho”, conclui.

Serviço

Interessados em trabalhos voluntários podem procurar o Instituto Cidadania e Voluntariado (iCAV), que realiza palestras sobre voluntariado semanalmente e encaminha os interessados para atuar nas instituições cadastradas.
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