Comportamento

Raquel Derevecki

Ela é uma das jovens mais influentes do mundo na busca pela igualdade de gênero

Raquel Derevecki
22/04/2019 17:00
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A arquiteta Laís Rocha Leão foi reconhecida pela União Europeia como uma das jovens mais influentes do mundo na temática de igualdade de gênero. Foto: Leticia Akemi | Leticia Akemi

Dez minutos aterrorizantes de caminhada separavam a residência da arquiteta Laís Rocha Leão e a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), no bairro Campo Comprido, em Curitiba. “Aquele percurso me dava calafrios”, afirma a jovem de 25 anos, que evita citar detalhes dos sustos que viveu ali. Segundo ela, os terrenos vazios espalhados pelo trajeto e a pequena quantidade de pessoas que transitava no local fizeram com que ela parasse de andar até a universidade.

“Movida pelo medo, eu comecei a ir de carona ou ônibus, mesmo que eu percorresse um ponto só”.

A mesma insegurança afetava centenas de colegas do sexo feminino que estudavam na universidade. Isso fez com que Laís percebesse como a desigualdade de gênero é um problema real e limitante para a mulher. “Além de termos dificuldade para impor nossas ideias em inúmeros contextos de decisão e conquistar nosso espaço no mercado, também temos dificuldade para trafegar de um lugar a outro porque a cidade não é planejada para nossa segurança”, explicou.
De acordo com ela, ainda que a violência seja preocupação geral atualmente, o problema amedronta de forma mais intensa o público feminino, impactando negativamente em seu deslocamento. “Enquanto o homem tem medo que seu celular seja roubado em uma rua de pouco movimento, a mulher tem medo de ser violentada sexualmente nessa mesma rua, e esse medo é muito mais limitante”, aponta.

Dados divulgados pelo Instituto Maria da Penha em 2018 afirmam que, a cada dois segundos, uma mulher sofre violência física ou verbal no Brasil. Isso significa cerca de 42 mil vítimas a cada 24 horas.

Além disso, estatísticas do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos no país. “Isso porque apenas 10% das vítimas denunciam o agressor, ou seja, os números reais são ainda mais aterrorizantes”, afirma Laís, que decidiu usar a formação em Arquitetura e Urbanismo para lutar por cidades mais seguras para mulheres e foi considerada uma das jovens mais influentes do mundo nessa luta pela igualdade de gênero.
Laís foi selecionada entre 283 candidatos de 82 países e teve a oportunidade de representar o Brasil no European Development Days, em Bruxelas, na Bélgica. O evento é organizado anualmente pela União Europeia com o objetivo de estimular jovens entre 21 e 26 anos a compartilharem ideias voltadas à igualdade de gênero e ao empoderamento feminino. “Em dez dias lá, tive contato com a ONU Mulheres [da Organização das Nações Unidas], conheci pessoas influentes de todo o mundo como a rainha Letizia, da Espanha, e apresentei meu projeto”, relatou.
Foto:  Leticia Akemi
Foto: Leticia Akemi
No encontro, a brasileira mostrou o resultado do seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) voltado para o desenvolvimento de cidades mais seguras para o público feminino. “Eu pesquisei a apropriação do espaço urbano visando a igualdade de gênero porque a forma que a cidade se configura atualmente faz com que não ocupemos alguns espaços devido à insegurança que eles transmitem”, explica.
Com poucos dados a respeito do tema, ela formulou um questionário relacionado às diferentes percepções de segurança de acordo com o gênero e recebeu respostas de mais de 500 homens e mulheres de grandes cidades para compor a pesquisa.

“Os resultados confirmaram que a mulher sente muito mais medo na cidade”, afirmou.

Segundo ela, em uma via estreita com construções altas nas duas laterais, por exemplo, 67% das mulheres disseram se sentir muito inseguras, enquanto 42% dos homens deram essa resposta. “Uma diferença de 25%”, informou Laís. Já em uma rua movimentada, com calçadas amplas e vegetação contida, homens e mulheres afirmaram estar mais seguros. “Isso prova que espaços urbanos bem planejados influenciam na igualdade de percepção de segurança entre os gêneros”, pontuou.

Projeto InCities

Após apresentar esses resultados aos participantes do European Development Days, a arquiteta retornou ao Brasil pronta para dar sequência ao trabalho. E fez isso. Durante o segundo semestre de 2018, a jovem desenvolveu a inCities, rede que une profissionais e entusiastas dispostos a lutar pelo planejamento de cidades inclusivas. O movimento iniciou oficialmente no último dia 8 de março e já conta com participantes de todo o país.
De acordo com Laís, a proposta é reunir projetos que já existem na área e incentivar novas iniciativas. “Com isso, podemos oferecer embasamento teórico às jovens pesquisadoras que aceitam o desafio e também dar suporte a elas por meio de mentoras que atuam na área e estão dispostas a ajudar”.
Além disso, a rede pretende divulgar informações a respeito de cidades mais seguras e atrair a atenção do público para essa necessidade. “Teremos rodas de conversa e outras ações porque queremos o maior número de pessoas falando a respeito disso e sugerindo melhorias”, afirma a jovem, que espera resultados concretos, em breve. “Esperamos, em médio e longo prazo, políticas públicas que pensem em cidades seguras e inclusivas para mulheres, crianças e idosos”, adianta.
Para participar da rede, basta acessar o site inCities, concordar com o “Manifesto por Cidades Inclusivas” disponível na página e preencher o cadastro  com informações como nome, e-mail, telefone e áreas de atuação. “Aí, de acordo com as competências apontadas por cada participante, vamos ativá-lo no projeto que se adeque a ele”, informa a arquiteta, que incentiva as pessoas a encararem a cidade como sua responsabilidade. “Afinal, se essa rua fosse minha… não teríamos mais medo”, finaliza.
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