Comportamento

Raquel Derevecki

Como o empreendedorismo salvou esta mulher de pensamentos suicidas

Raquel Derevecki
04/04/2019 17:00
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Com apenas R$ 30, Ariane Santos começou um novo projeto e conseguiu a cura para sua depressão. Foto: Aniele Nascimento | Gazeta do Povo

Sem convívio social e com imensa dificuldade para lidar com a perda da avó, a paranaense Ariane Santos saiu de casa na cidade de Piraquara, região metropolitana de Curitiba, decidida a morrer.
“Era final de 2012. Fui até a rodovia e estava pronta para desistir da minha vida ali. Ia cometer suicídio”, revela a empresária. No entanto, enquanto observava os carros trafegando na BR, outros pensamentos tomaram conta de sua mente.

“Pensei em tudo que estava deixando para trás. Lembrei da minha família, da minha avó e em como eu ainda podia fazer a diferença na vida das pessoas”. Aos poucos, deu meia-volta e, quando percebeu, estava em sua residência, decidida a recomeçar.

De acordo com Ariane, que hoje está com 40 anos, a depressão começou após uma mudança repentina em seu dia a dia. Até 2010, ela era acostumada a ter uma vida agitada e dividia suas 24 horas diárias entre aulas de Administração na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o emprego como coordenadora de projetos de uma grande empresa do país e diversas atividades na área de design.

“Eu viajava bastante a trabalho, também tinha aulas no sábado, estudava no domingo e tinha mais um serviço, à distância. Estava sempre ligada no 220V”, conta.

Mas isso mudou no momento em que sua avó Maria foi diagnosticada com diabetes. Com pouco tempo para ficar com ela devido à correria, ela decidiu trancar a faculdade e pedir demissão para cuidar da familiar. “A vovó estava com uns 70 anos e teve uma ferida no pé que avançou rapidamente. Acabou amputando a perna e isso a deixou arrasada”.
Assim como Ariane, sua avó também era muito dinâmica e agitada, e não aceitou a nova condição de saúde. “Ela entrou em um quadro de depressão, e piorou depois disso”, relata a empreendedora que, em dois anos, viu-a sofrer três derrames, perder a visão e ficar completamente dependente. “Ela não tinha mais seus movimentos, falava com dificuldade e ficou muito debilitada”.
Mesmo diante da situação, a neta se manteve forte, acompanhou Dona Maria diversas vezes ao hospital e tentava animá-la. “Só que não era fácil e, quando ela faleceu, foi a minha vez de cair”, recorda Ariane, que se trancou no quarto por dias. “Me fechei para o mundo”.
De acordo com ela, os dois anos em que passou cuidando da avó a distanciaram dos amigos, e o processo de luto fez com que percebesse que estava sozinha. “Eu não tinha mais convívio social e também não tinha forças para sair de casa. Estava sem chão”.
Seus pais e irmãs tentavam incentivá-la a retomar  as atividades e até a convenceram a procurar tratamento, mas nada foi suficiente. “O médico me passou medicação, mas eu tomei apenas uma vez e não consegui mais”.

Sua condição só mudou quando ela decidiu encontrar um novo propósito para a vida. “Naquela rodovia, pronta para colocar fim em tudo, eu percebi que tinha um propósito e voltei para casa pensando em como ia mudar”.

Ariane Santos na empresa Badu Design. Foto: Aniele Nascimento
Ariane Santos na empresa Badu Design. Foto: Aniele Nascimento
Com apenas R$ 30, Ariane decidiu comprar alguns materiais para encapar agendas. “Eu sempre vi a área de design como um hobby. Então, cheguei ao meu quarto, preparei aquelas capas de tecido e as levei a uma papelaria para vender”.

O recomeço

A empresária que a atendeu elogiou o trabalho e ficou com os produtos em consignação. “Lembro de ela ter falado que as capas eram bem diferentes e que dava para enxergar a alma da pessoa que preparou”, relata a artesã, que esperava receber o valor dos produtos em um mês. “Só que na mesma semana me ligaram informando que as 10 agendas tinham sido vendidas e que já tinha lista de espera. Fiquei muito feliz por ter feito algo para outra pessoa, e continuei”.
Era início de 2014 e ela decidiu concorrer em um concurso realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas empresas (Sebrae) para desenvolver souvenirs de Curitiba que seriam comercializadas durante a Copa do Mundo. “Eu fui selecionada com dois produtos e fiz sozinha uma quantidade enorme deles”.
A partir desse concurso, o trabalho de Ariane ficou conhecido e o ateliê que ficava no quarto precisou ser instalado na sala da casa. “Comecei a receber mais pedidos e convidei três mulheres para trabalharem comigo. Em pouco tempo, éramos em 10”, comemora a artesã, que ensinava artes manuais e conversava muito com as colegas. “A gente se fortalecia ali. Uma ajudava a outra e aquilo fazia bem para todas“.
Ariane Santos na empresa Badu Design. Foto: Aniele Nascimento
Ariane Santos na empresa Badu Design. Foto: Aniele Nascimento
No entanto, a crise econômica dificultava a continuidade do projeto e a paranaense decidiu participar de um curso de capacitação promovido pelo Instituo Legado de Empreendedorismo Social — em parceria com a Unilever — para melhorar sua gestão e concorrer a um prêmio de R$ 10 mil para investir no projeto.

“Estávamos concorrendo com empresas muito antigas e eu pensava mais no aprendizado que teria ali do que na premiação. Mas nós ganhamos e conseguimos aumentar o grupo de 10 para 51 mulheres”, comemora Ariane, que inaugurou a empresa Badu Design no Centro de Curitiba e hoje trabalha com mais de 480 mulheres.

Segundo ela, o projeto oferece trabalho para pessoas em situação de vulnerabilidade social e ajuda participantes a vencerem ansiedade e depressão por meio do contato com outras pessoas. “Há casos de mulheres que estavam a ponto de desistir de tudo por serem vítimas de violência física e moral, mas que encontraram na Badu um grupo que as apoia. Aqui nós conversamos, nos ajudamos e passamos um tempo muito bom”.
Além disso, Ariane garante que a Badu Design trouxe cura para sua depressão e um motivo para seguir em frente. “Hoje eu sei que não estou sozinha e que posso fazer a diferença na vida de outras pessoas. Me sinto muito realizada, feliz e agradecida”.
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