Comportamento

Denise Morini, especial para a Gazeta do Povo

Estilista cria instituto para resgatar a profissão de alfaiate

Denise Morini, especial para a Gazeta do Povo
08/01/2019 07:00
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Com carreira sólida na moda, a estilista agora se dedica a um projeto especial: o Instituto Vida a Vida. Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo

A estilista Oracy Lacerda, que teve seus figurinos em passarelas internacionais na década de 80, prepara-se para mais um projeto ousado em sua vida. Casada ainda muito jovem, com 17 anos, mãe de quatro filhos e avó de dois netos, ela poderia facilmente passar a impressão de ser uma pessoa de vida previsível. Mas, quem conhece um pouco mais de suas histórias logo percebe que Oracy é uma mulher de movimentos corajosos e muito inspiradores.
Com espírito inquieto, como ela mesma se descreve, seu mais recente projeto é o Instituto Vida a Vida, lançado em 2018 com um grupo de mais sete pessoas, para ofertar a formação de profissões que estão perdendo força no Brasil, como de alfaiataria e bordado de bastidor. “Fora do Brasil, nas casas Gucci, Prada, e em tantas outras, a alfaiataria é altamente valorizada”, explica a idealizadora do projeto.
A criação do instituto terá um desdobramento nesse ano, com o lançamento de uma cooperativa, formada inicialmente por dez empresários do setor do Vestuário que deverão absorver a mão de obra qualificada. “As profissões não estão mais sendo passadas de pai para filho, porque há uma ideia equivocada de que não é mais possível viver daquilo. Com a criação do instituto e da cooperativa, queremos devolver a dignidade dessas formações, qualificando e empregando.”

Trajetória

Oracy casou-se jovem, assim que concluiu os estudos no Sacré Coeur de Jésus, aos 17 anos. Quando seu primeiro filho, Frederico, tinha apenas um ano de idade, ela perdeu seu pai e a fase de luto trouxe inquietação e a necessidade de fazer algo diferente. Foi assim que, em 1985, com o apoio e companhia da mãe, embarcou em um cruzeiro e chegou a Nova York, com 20 vestidos bordados por ela e com muita vontade de expandir seus horizontes.
Seu sonho era ver suas peças na Saks, uma loja de departamentos sofisticada, na Quinta Avenida. Sem agendamento, não conseguiu a reunião de negócios que precisava. Mas não desistiu. Já havia feito a parte mais difícil de sua jornada, ao criar e produzir as peças, e viajar até Nova York. Decidiu visitar quantas casas de estilistas fosse possível, até que conseguisse ser recebida.
Ao chegar à Maison de Oscar de la Renta, Oracy foi atendida por um brasileiro que trabalhava lá. “Ele foi muito sincero comigo. Explicou que eu estava fora das tendências da haute couture e que minhas peças não tinham modelagem. Mas gostou muito do estilo dos bordados e pediu que eu deixasse minhas peças com ele, para que pudesse mostrar ao de la Renta, que não estava em Nova York naqueles dias”, conta, destacando que foi por insistência da mãe que confiou.
Oracy continuou com sua viagem e, ao desembarcar no Brasil, foi surpreendida por seu marido com a notícia de que Oscar de la Renta tinha gostado de seus bordados e queria conhecê-la pessoalmente, no Rio de Janeiro, onde estava à sua espera. Antes mesmo de desfazer as malas, ela encontrou-se com o estilista e deu início à sua carreira internacional.
Ao se reencontrarem, em Nova York, pouco mais de um mês depois, o estilista escreveu uma carta ao Maison Lesage, escola de bordados em Paris que é referência mundial, pedindo uma vaga para sua nova parceira.

“Fiz um curso de dois meses e passei a ser uma prestadora de serviços da Maison de La Renta, para a qual trabalhei por uns cinco anos. Aprendi muito com ele, durante esse período. Ele enviava as peças, eu trabalhava com os bordados em minha casa, e enviava as roupas finalizadas”, lembra-se.

Enquanto trabalhava para Oscar de la Renta, Oracy criava também modelos para festas no Brasil. E houve um evento em especial que projetou internacionalmente seu trabalho autoral. “Fiz alguns vestidos para uma festa que tinha convidados do Uruguai. Meu estilo agradou e isso rendeu um convite para eu participar de um desfile, em Punta Del Este, de Roberto Giordano, um empresário que organizava os mais disputados desfiles de moda da Argentina e Uruguai”, conta. Da América, logo Oracy recebeu convites para apresentar suas coleções em Marbella, em Málaga – no sul da Espanha – e na Arábia Saudita. “Fui recebida em palácios luxuosos em Riad”, recorda-se ela.

Advocacia, voluntariado e novos projetos

Estilista Oracy Lacerda viveu o período áureo da alta costura no Paraná. Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Estilista Oracy Lacerda viveu o período áureo da alta costura no Paraná. Foto: Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Quando percebeu que os filhos estavam entrando na adolescência, Oracy decidiu reduzir seu ritmo de trabalho. Aos poucos, todos foram concluindo seus estudos e hoje, os quatro filhos – Frederico, Antonio, Rafaella e Anna Victória – são formados em Direito. Sem os filhos em casa, Oracy se viu mais uma vez em uma nova fase. “Foi quando decidi voltar para a faculdade e, como eles, estudar Direito”, conta.
Voluntária da Associação Santa Rita de Cássia, Oracy chegou ao hospital psiquiátrico San Julian, em Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, há 10 anos, por meio da associação, para desenvolver uma oficina. Desde então, ela vem trabalhando por melhorias no hospital, especializado no tratamento de dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais.
“Ela se dedica tanto pela causa do hospital que aqui ela é considerada nossa madrinha. Tem até uma placa em homenagem a ela”, explica Rosangela Ribeiro, psicóloga que trabalha na área de doações e captação de recursos do San Julian. Há quatro anos, com apoio do governo japonês, a voluntária conseguiu viabilizar a construção de uma lavanderia bem equipada no hospital, com máquinas profissionais, que suportam grandes quantidades de roupa. “Com a força de vontade da Oracy, conseguimos melhorar muito a infraestrutura do hospital. Ela é dinâmica e comprometida, e consegue mobilizar as pessoas para transformar nossa realidade. Ela é muito querida aqui no San Julian”, conta.
Com as conquistas e melhorias no hospital San Julian, Oracy percebeu que poderia expandir sua atuação voluntária. E assim foi criado o Instituto Vida a Vida, com a parceria da arquiteta e doutora em Urbanismo, Iuri Hayakawa. “Não tem como esperarmos do Estado soluções para todos os problemas sociais que enfrentamos e por isso nós entendemos que a solidariedade deve ser uma responsabilidade de todos. Esse projeto idealizado pela Oracy deverá dar vida nova a muitas pessoas”, analisa Iuri.
O empresário Juliano Kitani é parceiro de Oracy na idealização da cooperativa – que será criada em 2019, a partir do instituto – e um dos empresários do setor do vestuário que irão constituir a cooperativa. Ele explica que Curitiba tem carência de prestadores de serviços nessa área. “Temos grandes marcas e estilistas, que acabam terceirizando alguns trabalhos com mão de obra de Santa Catarina e de Cianorte, no noroeste do Paraná. Com esse projeto, conseguiremos mudar isso. Com força de vontade e pessoas que acreditam, podemos criar uma nova realidade”, avalia Juliano.
Mesmo com toda dedicação ao trabalho voluntário, a estilista mantém-se ativa e presente das redes sociais – mais recentemente, no começo de dezembro, por um vestido de noiva usado em uma cerimônia no Copacabana Palace. A peça é uma cópia fiel do vestido que encerrou o desfile de Elie Saab, em sua coleção Primavera – Verão 2018, em Paris, e levou cinco meses para ficar pronta. “Tenho gratidão por todos os dons que recebi em minha vida. Sou uma pessoa privilegiada.”
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