Comportamento

New York Times, por Kelly deVos

“Eu não quero ser gorda como você”, diz adolescente que parou de comer escondido da mãe

New York Times, por Kelly deVos
03/06/2018 16:00
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"Eu não quero crescer e pesar 130 quilos como você", disse adolescente para mãe. Exercícios, conversa e terapia foram a resposta. Foto: Bigstock

Um dia, no ano passado, entrei no perfil escolar da minha filha adolescente para colocar o dinheiro do almoço em sua conta, mas fiquei surpresa ao ver que ela só gastara uns poucos dólares.
Estávamos no carro quando toquei no assunto. Dava para ver que ela não conseguia encontrar as palavras certas. “Mãe, eu quero emagrecer”, finalmente falou.
Resolvi parar no estacionamento da Yogurtland. Sentadas no carro, ficamos olhando o pessoal ir e vir com sundaes melecados nas mãos. Ela confessou que, durante a aula de Educação Física, todas as meninas tinham que ficar em fila para conferência da altura e do índice de massa corpórea.
Depois disso, várias começaram um regime à base de refrigerante diet – inclusive minha filha, uma adolescente de peso médio, que decidira passar o dia à base de uma única latinha. Fazia uma semana que não almoçava.
Temos uma relação muito próxima, portanto a minha primeira pergunta foi: “Por que você não conversou comigo sobre isso?“.
Mas eu já sabia a resposta: o movimento da positividade corporal tinha afetado o nosso relacionamento.
Eu sou uma mulher gorda; fui uma adolescente gorda. Foram necessários anos de esforço intenso para eu aprender a me aceitar e finalmente reconhecer que meu corpo é saudável, independentemente do tamanho.
Kelly deVos, mãe da adolescente, é autora do romance inédito "Fat Girl on a Plane". Foto: Reprodução Instagram.
Kelly deVos, mãe da adolescente, é autora do romance inédito "Fat Girl on a Plane". Foto: Reprodução Instagram.
Entretanto, as últimas semanas me fizeram duvidar dessa crença.
Do nada, um dia acordei com um pequeno machucado na coxa; dias depois, estava internada. Tinha sido picada por uma aranha-violinista e desenvolvera uma infecção bacteriana necrotizante por estreptococo.
E, de quebra, recebi um diagnóstico preocupante, que não tinha nada a ver com o problema inicial: estava com diabetes tipo 2, que progredia rapidamente.
Com um tubo de vancomicina na veia, discutia com o médico. “Como é que pode, eu com diabete? Como frutas, legumes, verduras, faço caminhada, faço pilates. Dá para ser saudável sendo gordo ou magro, sabia?”.
“Olha onde você está”, ele me interrompeu. “Você não está saudável, nem magra. A menos que faça mudanças radicais, não deve ter mais que dez anos de vida.”
Eu estava com 41.
Mais ou menos na mesma época, as primeiras cópias do meu romance juvenil de estreia estavam começando a ganhar o mundo. Uma vez que queria avaliar os efeitos da gordofobia, eu o escrevi com duas linhas do tempo, acompanhando a mesma personagem antes e depois de uma grande perda de peso.
O objetivo era mostrar às adolescentes que elas eram dignas de correr atrás de seus sonhos, mas alguns leitores acharam que eu não deveria mostrar uma adolescente, ou qualquer pessoa, tentando emagrecer.
Para muita gente no movimento pela positividade corporal, do qual eu gostaria de me considerar membro, o desejo de emagrecer nunca é legítimo, pois é reflexo do preço psicológico do fat shaming (palavras ou atos usados para constranger o gordo). Consequentemente, qualquer discussão pública sobre saúde pessoal ou tamanho constitui constrangimento. Essa tendência fez com que a fundadora do site de saúde e boa forma Greatist escrevesse: “Tudo bem querer emagrecer”, ao se defender das críticas.

O que é positividade corporal?

Vale notar que a positividade corporal é a combinação de alguns movimentos: o de aceitação da gordura (Fat Acceptance) foi o pioneiro, nos anos 60, defendido pelas mulheres negras e a comunidade homossexual para se defender da discriminação em espaços públicos, no local de trabalho e nos consultórios. A positividade em relação à gordura (Fat Positivity), que foi mais uma reação ao fat shaming, e ao corpo (Body Positivity), mais comercial e ligado à autoestima, vieram depois.
O problema com a versão atual desse último é que o movimento se recusa a reconhecer que não há uma única abordagem que caiba em todos os cenários; uma adolescente pode crescer e se transformar em uma adulta saudável, como a outra pode acabar no hospital. Ele fez com que minha filha ficasse com medo de vir falar comigo sobre um assunto no qual tenho experiência pessoal e conhecimento de causa. E me deixou com a sensação de que não poderia falar das preocupações racionais que tenho em relação ao diabetes.
Eu defendia a versão “errada” da valorização do corpo, pois fui forçada a admitir que a gordura resulta, sim, em graves consequências.
Era a mãe “errada” porque achei que tinha que apoiar a meta de emagrecimento da minha filha em vez de tentar dissuadi-la de perder peso.
E era também a escritora “errada” porque quis explorar todos os aspectos do tópico em vez de dizer às meninas gordas que todo problema pode ser resolvido se aprenderem a amar a si mesmas.

A conversa precisa estar no cardápio

Encerrar o diálogo não vai ajudar em nada; vai apenas deixar as garotas à deriva em uma cultura que se contradiz em relação a dietas, imagem corporal e saúde.
Para mim e para minha filha, a solução é conversar muito, mesmo que às vezes seja estranho ou doloroso. Ela disse que não queria crescer e pesar 130 quilos como eu; eu também não quero. Mas também falamos de autoestima e amor próprio, de saúde e da natureza predatória da cultura da dieta. Acabamos com a história de pular refeições. Ela passou a consumir alimentos mais saudáveis, começou a praticar esportes e está fazendo terapia (opções que nem todos têm a opção de seguir, é claro).
No meu caso, ainda estou tentando acertar, mas continuo achando que amar a si mesmo e desejar mudar são dois sentimentos que podem e devem coexistir em harmonia.
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