Comportamento

Amanda Milléo

Feminicídio: por que ainda matamos mulheres no Brasil?

Amanda Milléo
07/03/2019 21:09
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Brasil é o quinto país com maior casos de feminicídio no mundo (Foto: Bigstock)

Todos os dias, 13 mulheres são assassinadas no Brasil apenas pelo fato de serem mulheres, de acordo com dados do Mapa da Violência. Entre janeiro e julho de 2018, o então Ministério dos Direitos Humanos (hoje Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) registrou 27 feminicídios e 547 tentativas de feminicídio no país. As razões para números tão altos estão na nossa cultura: ainda olhamos para as mulheres como seres inferiores.
A advogada Tatiane Spitzner foi uma das mais recentes vítimas. Ela recebeu socos, batidas e pontapés do marido e foi jogada à morte pela sacada do apartamento, no quarto andar. A ela, somamos as histórias de Renata Muggiati, Eliza Samudio, entre outras centenas de mulheres que ainda sofrem por não serem respeitadas como iguais em direitos e deveres.
“A violência contra a mulher não pode ser dissociada da grande discriminação contra ela que ainda existe na sociedade. Mulheres ganham menos que os homens, são menos representadas na política, não ocupam a mesma quantidade de cargos de relevância na administração pública. Ou seja, há uma cultura que tende a discriminar a mulher, considerando-a inferior”, explica Leila Linhares Barsted, advogada e coordenadora executiva da CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação), organização de defesa dos direitos das mulheres, localizada no Rio de Janeiro.
Quando há o desprezo pelo outro, surge a sensação de controle sobre a vida, sobre as escolhas e os desejos da companheira. E quando a pessoa tenta dizer “não”, o abuso se mostra.

“Uma mulher que é agredida verbalmente, ela deve saber que o abuso pode não ficar nessa agressão verbal. O abuso pode crescer e não parar. E no final temos ou uma mulher extremamente deprimida, que pode tentar o suicídio, ou um homem que acabará a matando”, diz Sarah Rückl, médica psiquiatra especialista em saúde mental da mulher.

Sinais de alerta

Ao perceber um padrão verbal abusivo, que envolve críticas com relação aos familiares, amigos ou à forma como ela se veste, fique atenta: esses são os primeiros sinais de uma relação abusiva. “A mulher que não é aceita do jeito que ela é, com o passado que ela tem, com a família, amigos que são dela, esses são sinais de alerta. E não para aí. Da agressão verbal, vem a agressão física”, explica a psiquiatra Sarah Rückl.

Depois da primeira situação de violência, ainda que seja sutil, procure ajuda. Procure os Cras, Creas, unidades de saúde ou delegacias da mulher.

“Mais que a agressão verbal, o xingamento é uma violência psicológica. Destitui o poder do outro, faz com que ela se sinta incapaz, humilhada, com a forma física e a capacidade intelectual depreciada. E é sutil. Às vezes a mulher acha que é apenas uma característica da personalidade do sujeito. É uma das primeiras violências e a mais difícil de ser detectada pela vítima”, alerta Claudia Cibele Bitdinger Cobalchini, psicóloga, mestre em psicologia da Infância e Adolescência, professora de Psicologia da Universidade Positivo.
A criação de uma rede de mulheres e homens que se protejam pode ajudar, de acordo com Leila Linhares Barsted, advogada e coordenadora executiva da CEPIA, organização de defesa dos direitos das mulheres, localizada no Rio de Janeiro.
“O relato de mulheres que conseguiram sobreviver sempre destacam que elas gritaram por socorro e ninguém acudiu. Isso indica uma falta de solidariedade social. É importante que possamos tecer essa rede de solidariedade e intervir quando virmos casos de violência. Muitas vezes, os homens não violentos se sentem constrangidos e sem saber o que fazer. Precisamos mudar a cultura e, embora leve tempo, cada dia devemos dar um passo nessa direção”, sugere.

Cuidado com os homens

Quando a sociedade passou a discutir os novos caminhos que as mulheres podiam seguir – sendo tudo aquilo que elas quisessem ser -, os homens se “perderam”. Como explica a psicóloga Claudia Cobalchini, é preciso pensar em outras possibilidades de exercer a masculinidade sem recair no machismo.

“O feminismo sugere que temos outras formas de viver, mas nos falta a educação da masculinidade. Sabemos que muitos homens ficaram um pouco sem lugar e isso pode acirrar a violência. Alguns deles não sabem lidar com essa situação e acabam adotando a violência. Dentro das políticas públicas há o trabalho com a vítima, mas também com o agressor. O ciclo da violência envolve aquela que recebe e quem comete”, explica a psicóloga Claudia Cobalchini.

Como fazer isso antes que uma agressão aconteça? Falando sobre a igualdade da mulher na sociedade desde cedo. “Os passos do feminino estão mais determinados, mas os do homem ainda não, e o que sobra, para muitos, é uma reprodução daquilo que a sociedade ensinou. Por exemplo, ao discutir uma mudança na divisão das tarefas domésticas na infância e, mais tarde, inclui-lo no momento do pré-natal na gestação, a gente dá ao homem um papel. Ele não é só um espectador, mas uma peça importante para a saúde daquela família”, diz Cobalchini.
Ter bons exemplos no ambiente familiar leva a escolhas mais saudáveis na vida daquela mulher. Conforme a psiquiatra Sarah Rückl, que atende vítimas de violência doméstica, há uma tendência muito clara de mulheres que tiveram relacionamentos abusivos logo na infância, com pais, tios, avôs.
“Não é algo consciente, mas sempre escolhemos aquilo que nos é conhecido. Não nos atiramos naquilo que não conhecemos. Eu me apaixono por alguém que eu reconheço, que eu identifico. A pessoa abusada por um pai, tio, avô tem uma relação ambivalente. É uma figura de amor, mas que abusa. Ela quer sair da relação, mas ela ama”, explica a psiquiatra.
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